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Buch lesen: «Memorias de José Garibaldi, volume II», Seite 7

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XVI
COMBATE DE VELLETRI

A partir d'este momento as notas deixadas por Garibaldi na occasião de partir para a Sicilia, facilita-nos o podêl-o agora deixar relatar as suas aventuras.

A 12 de maio a assembléa constituinte romana, á noticia da heroica defeza de Bolonha, proclamou este decreto.

Roma, 12 de maio de 1849.

«A assembléa constituinte em nome de Deus e do povo.

«Decreta:

ARTIGO UNICO

«O heroico povo de Bolonha, bem mereceu da patria, e da republica, sendo o digno emulo de seu irmão o povo romano.»

No dia em que Bolonha cahia, o embaixador extraordinario da republica franceza, Fernando de Lesseps entrava em Roma com Miguel Accursi, enviado da republica romana em Paris.

O armisticio de que se tratava havia quinze dias, e contra o qual eu me tinha pronunciado no dia 1 de maio, estava concluido.

O governo romano resolveu aproveitar-se d'estas treguas para se desembaraçar do exercito napolitano; porque ainda que elle não fosse para temer, é sempre mau ter sobre os hombros vinte mil homens e trinta e seis bocas de fogo.

Engano-me, eram só trinta e tres porque tres tinhamos nós trazido da Palestrina.

O governo julgou esta occasião favoravel para crear dois generaes de divisão, um, de um coronel, e o outro, de um general de brigada; o primeiro foi Roselli, eu o segundo.

Roselli foi nomeado general de expedição. Alguns amigos me aconselhavam a não acceitar esta posição secundaria, para obedecer a um homem que, ainda na vespera, era meu inferior.

Confesso porém que sempre me tem sido indifferentes estas questões de amor proprio, se me tivessem dado, ainda mesmo como simples soldado, a occasião de desembainhar a espada contra o inimigo do meu paiz, teria servido como bersaglieri. Acceitei pois, com reconhecimento, o posto de general de divisão.

No dia 16 de maio, á noite, todo o exercito da republica, isto é dez mil homens e doze bocas de fogo sahiu dos muros de Roma, pela porta San-Giovanni.

Entre estes dez mil homens haviam mil de cavallaria.

No caminho deu-se pela falta do corpo Manara designado tambem para fazer parte da expedição.

Enviou-se um official do estado maior para saber a razão porque Manara, que era sempre o primeiro a marchar contra o inimigo não apparecia.

Não tinha sido prevenido. Estava furioso, julgava que só elle tinha sido desviado da expedição.

Passámos o Teverone pela estrada de Tivoli, ali costeamos á direita e chegamos a Zagarola ás onze horas da manhã, depois de uma das marchas mais custosas para a nossa gente. Apezar de não termos avançado muito, tinhamos andado dezeseis horas. Isto provinha do grande numero de gente. Havia uma poeira insupportavel. Além d'isto a estrada era tão estreita em certas partes que tivemos de passar a um e um.

Quando chegamos a Zagarola não havia pão nem carne, a divisão napolitana tinha comido tudo, e vinho pouco deixou.

O estado maior tinha-se esquecido de prever o caso.

Felizmente tinha levado comigo alguns bois, e a minha gente agarrou outros ao laço; mataram-se, esquartejaram-se, assaram-se e comeram-se.

É verdade que quando me queixei d'esta falta de cuidado que esteve a ponto de matar á fome a expedição, respondeu-se-me que temeram reunindo viveres despertar o inimigo.

Perfeitamente!

Estivemos trinta horas pouco mais ou menos n'esta pequena villa, d'onde sahimos sem pão como tinhamos entrado.

A ordem de marcha deu-se no dia 18 á uma hora da tarde, não partimos porém senão ás seis horas. Estas paragens fatigam mais que marchas forçadas.

Finalmente, ás seis horas puz-me á frente da brigada da vanguarda e parti para Valmontone. Seguiam-me as outras brigadas. Tinha mandado observar o maior silencio nas fileiras e grande vigilancia na frente e nos flancos. Recebi aviso de que o exercito napolitano estava acampado em Velletri com desenove a vinte mil homens entre os quaes haviam dois regimentos de suissos e trinta bocas de fogo.

Dizia-se que o proprio rei de Napoles estava na cidade.

Effectivamente os realistas occupavam Velletri, Albano e Frascati, as vanguardas estendiam-se até Fratocchi. Tinham o flanco esquerdo protegido pelo mar e o direito apoiado pelos Apeninos e haviam occupado Palestrina depois que eu a abandonei e dominavam d'este modo o valle onde havia o unico caminho praticavel a um exercito que viesse atacal-os de Roma.

Podiam pois oppor-nos uma séria resistencia e além d'isto levavam-nos vantagem em posição, numero, bocas de fogo e cavallaria.

O feliz resultado porém da primeira empreza era uma promessa de sorte para a segunda. Por outro lado as tropas do rei de Napoles estavam completamente desmoralisadas e como se sabe, na guerra a força moral é tudo.

Para obrigar o inimigo a fugir ou a combater, julgou-se que era necessario apoderarmo-nos de repente do valle, occupar uma posição de lado que ameaçasse as communicações do exercito napolitano com Napoles. Monte-Fortino tinha sido escolhido para formar este ponto estrategico. Com effeito, senhores d'este ponto, podiamos lançar-nos sobre Citerna e fechar aos realistas o caminho da fronteira, apoderarmo-nos de Velletri, se por acaso a abandonassem para nos fazer frente, ou finalmente lançarmo-nos com toda a nossa força sobre o corpo mais fraco do inimigo, se elle commettesse o erro de se dividir.

Ao anoitecer descobrimos um caminho muito estreito que conduz perto de Valmontone; gastamos duas horas a percorrel-o. O batalhão Manara ajudado d'um esquadrão de dragões e duas bocas de fogo foi encarregado de proteger a vanguarda.

Chegamos ás dez horas, as trevas eram espessas e o sitio do acampamento pessimo; fomos obrigados a ir buscar agua a uma milha de distancia.

No dia 18, continuamos a marcha com a mesma ligeireza; assim como na vespera tinhamos encontrado Palestrina e Valmontone evacuadas pelo inimigo achamos tambem Monte-Fortino livre, tão livre que era facil disputar-nos.

Todo o exercito bourbonez retirava para Velletri.

No dia 19 de manhã deixei a posição de Monte-Fortino para marchar sobre Velletri com a legião italiana, o terceiro batalhão do terceiro regimento de infanteria romana e alguma cavallaria commandada pelo bravo Marina, seriam ao todo quinhentos homens.

Tinha a meu lado Ugo Bassi, que sempre desarmado mas excellente cavalleiro, servindo-me de ajudante d'ordens, me dizia sem cessar no meio do fogo:

– General! por favor, mandai-me onde houver maior perigo, em logar de enviar para ahi alguem de mais utilidade.

Chegado á vista de Velletri, enviei um destacamento com ordem de avançar até aos muros da cidade, para que reconhecesse os logares, e, chamando o inimigo, o obrigasse, se fosse possivel, a tomar a offensiva.

Eu não esperava, é verdade, com os meus quinhentos homens, bater os vinte mil do rei de Napoles; mas tencionava, empenhado o combate, attrahil-os a mim, e, em quanto os entretinha, dar tempo ao grosso do nosso exercito para chegar e tomar parte no combate.

Nas alturas que flanqueam a estrada que conduz a Velletri, colloquei metade da minha legião, duzentos ou trezentos homens no centro, a metade do batalhão á direita, e os poucos soldados de cavallaria, commandados por Marina, na estrada mesmo.

Guardei o resto da minha gente em segunda linha como reserva.

O inimigo, vendo o nosso pequeno numero não tardou a atacar-nos; primeiro, um regimento de caçadores a pé sahiu dos muros, e, espalhando-se, começou um fogo de atiradores sobre os nossos postos avançados.

Segundo a ordem que tinham recebido os postos avançados pozeram-se em fuga.

Os caçadores napolitanos foram então seguidos de alguns batalhões de linha e d'um numeroso corpo de cavallaria.

O choque foi violento, ao principio. Chegados que foram a distancia de meio tiro de espingarda da nossa gente, um fogo perfeitamente socegado e bem dirigido os fez parar.

Havia meia hora que o fogo estava travado.

N'este momento, o inimigo lançou sobre a estrada dois esquadrões de caçadores a cavallo; uma carga desesperada d'elles devia decidir a victoria.

Puz-me então á frente dos meus cincoenta ou sessenta cavalleiros e carregamos quinhentos homens.

Os napolitanos trazidos pelo impulso passaram-nos por cima. Eu fui derrubado, e lançado a dez passos do meu cavallo; levantei-me e fiquei no meio do combate, dando quanto podia ser para que me não dessem.

O meu cavallo seguira-me o exemplo: tinha-se levantado. Lancei-me sobre elle, e fiz-me reconhecer dos nossos homens, que podiam julgar-me morto, pondo o meu chapeu e agitando-o na ponta da minha espada. Eu era bem reconhecido por ser o unico que trazia um ponche branco debroado de vermelho.

Grandes gritos accolheram a minha resurreição.

No seu ardor, a cavallaria napolitana penetrou até á nossa reserva, em quanto os batalhões de linha, a seguiam em columna cerrada. Perdeu-os o seu ardor; pois tendo os flancos protegidos pelo regimento de caçadores a pé, achando os nossos embuscados em todas as collinas da direita e da esquerda, com a nossa reserva na frente, apresentaram-se como um alvo aos tiros dos nossos soldados.

N'esta occasião mandei pedir reforço ao general em chefe participando-lhe que a batalha estava, a meu ver, de boa face.

Responderam-me que não m'o podiam enviar, antes dos soldados terem tomado a refeição.

Resolvi então fazer o que podesse com minhas proprias forças, por desgraça sempre insufficientes nas circumstancias decisivas.

Fiz tocar a carregar sobre toda a linha; eramos mil e quinhentos contra cinco mil.

No mesmo instante as nossas duas peças foram postas em bateria e descarregaram; o fogo de atiradores redobrou, e meus quarenta ou cincoenta lanceiros conduzidos por Marina, lançaram-se sobre tres ou quatro mil homens de infanteria.

Entretanto Manara que estava a duas milhas de nós pouco mais ou menos, ouvia nosso fogo e pedia ao general em chefe permissão de marchar debaixo do fogo da artilheria.

Ao fim de uma hora foi lhe concedida.

Estes bravos mancebos chegaram a marche-marche pela grande estrada debaixo do fogo inimigo. Quando attingiram a nossa retaguarda, esta abriu-se para os deixar passar. Desfilaram ao som das cornetas e no meio de um admiravel enthusiasmo. Á vista d'estes jovens, pequenos, trigueiros e vigorosos; á vista de seus negros penachos fluctuantes, o grito de vivam os bersaglieri! sahiu de todas as bocas. Elles responderam pelo grito de viva Garibaldi! e entraram em linha.

N'este momento era repellido de posição em posição, e retirava-me protegido pelos canhões da praça, de que a maior parte collocados á direita da porta estavam apoiados no convento; duas das peças faziam frente á embocadura da grande estrada, os outros atiravam para o flanco esquerdo da nossa columna, onde os atiradores estavam espalhados; mas visto a natureza do terreno, que offerecia á minha gente numerosos abrigos de terra atraz dos quaes elles podiam esconder-se, ellas não lhe fizeram grande damno.

Chegado apenas sobre o campo de batalha, Manara procurou-me com os olhos. Bem depressa me reconheceu pelo meu ponche branco; metteu o cavallo a galope para me alcançar; mas no meio do caminho foi suspenso por um incidente que refiro aqui, porque pinta admiravelmente o espirito dos nossos.

Passando diante da musica que tocava uma aria alegre, uma vintena dos seus soldados não poderam resistir á influencia d'esta aria, e debaixo da metralha e fusilaria dos napolitanos tinha-se posto a dançar, como se estivessem n'um explendido baile.

No momento em que Manara, debaixo de uma saraivada de ballas, os olhava rindo, uma balla de artilheria levou dois dos dançantes.

A este accidente fez-se uma breve pausa.

Mas Manara perguntou:

– Então, a musica?

A musica de novo tocou, e a dança recomeçou com mais ardor que até ali.

Por mim vendo chegar os bersaglieri tinha enviado Ugo Bassi para dizer a Manara que viesse fallar-me.

A sua primeira palavra foi a perguntar se eu não estava ferido.

– Julgo, respondeu Ugo Bassi, que o general recebeu duas ballas, uma na mão, outra no pé, mas como se não queixa, provavelmente as feridas não são perigosas.

De feito, eu tinha recebido duas arranhaduras, de que só á noite tratei quando não tinha outra cousa a fazer.

Manara contou-me a scena a que acabava de assistir.

– Por ventura com homens d'estes, me perguntou elle, não poderiamos tentar levar Velletri de assalto?

Puz-me a rir. Conquistar com dois mil homens e duas peças, uma cidade collocada como um ninho de ave no cimo de uma montanha elevada e defendida por vinte mil homens e trinta peças de artilheria!

Mas era tal o espirito d'esta brava mocidade que nada via de impossivel.

Enviei novos mensageiros ao quartel general. Se tivesse ao menos cinco mil homens teria tentado o assalto tal era o enthusiasmo dos meus e o desanimo dos napolitanos.

Á direita da porta via-se uma especie de brecha na muralha; esta brecha era tapada por ramagens e troncos, mas algumas ballas de artilheria a teriam tornado praticavel; columnas de ataque sob a protecção de arvores numerosas, semeadas nos flancos da colina; os sapadores de todos os corpos destruindo os obstaculos teriam feito o resto.

Dois ataques simulados teriam protegido o ataque geral.

Em vez d'isto era mister contentarmo-nos em deixar os nossos bersaglieri divertirem-se a espingardear as sentinellas das fortalezas em quanto que do convento dos capuchinhos dois regimentos de suissos faziam sobre elles um fogo de artilheria horrivel.

Emfim o general em chefe decidiu-se a vir em meu auxilio com o exercito; mas quando chegou tinha passado o momento favoravel. Como eu não duvidava que o inimigo evacuasse a cidade durante a noite, tendo tido a noticia de que o rei tinha já partido com seis mil homens, propuz enviar um forte destacamento pelo lado da porta de Napoles e de passar sobre o flanco inimigo no momento em que elle se retirasse em desordem; mas o terror de nos enfraquecer impediu que fosse executado este plano.

Pela meia noite querendo saber onde devia conservar-me, ordenei a Manara de enviar um official com quarenta homens de que elle confiasse, até ás muralhas de Velletri, ou mesmo até Velletri sendo possivel.

Manara transmittiu a minha ordem ao tenente Emilio Dandolo, que com quarenta homens avançou através da escuridão para o lado da cidade.

Dois paisanos que encontrou lhe asseguraram que a cidade estava abandonada.

Dandolo e os seus avançaram então até á porta; nenhuma sentinella a guardava.

Destruida pelo fogo dos nossos canhões, havia sido enbarricada. Os bersaglieri escalaram a barricada, e entraram na cidade.

Estava completamente deserta. Dandolo fez alguns prisioneiros que se haviam demorado, e por elles e pelos habitantes da cidade que elle despertava, soube tudo que precisava, quero dizer, que apenas vinda a noite os napolitanos tinham começado a retirar, mas com tal precipitação e desordem que haviam deixado a maior parte de seus feridos.

Ao raiar do dia, caminhei em sua perseguição; mas foi-me impossivel alcançal-os. Além d'isso quando me achava na grande estrada de Terracina recebi ordem de me reunir á columna cuja metade voltava a Roma, em quanto a outra era destinada a livrar Frosinone dos voluntarios de Zucchi que a infestavam.

D'esta sorte o inimigo escapou-nos, e d'um combate que podia ser decisivo resultou só uma simples vantagem.

Houve n'este dia quatro grandes faltas:

Não me enviar reforços quando os pedi.

Não se saber dar o assalto quando se me haviam reunido.

Não se saber impedir a retirada aos napolitanos.

Não se saber inquietar os fugitivos.

XVII
3 DE JUNHO

Reentrei em Roma a 24 de maio no meio duma numerosa multidão que me saudava com gritos de alegria.

Durante este tempo os austriacos ameaçavam Ancona; de Roma já havia partido o primeiro corpo de quatro mil homens para ir em defeza das legações.

Tratava-se de enviarmos segundo, mas antes de lhe fazer abandonar Roma, o general Roselli julgou do seu dever, e para segurança de Roma, escrever ao duque de Reggio a seguinte carta.

«Cidadão general

«A minha intima convicção é que o exercito da republica romana combaterá um dia ao lado da republica franceza para sustentar os mais sagrados direitos dos povos. Esta convicção me leva a fazer-vos propostas que espero acceiteis. Está assignado um tratado entre o governo e o ministro plenipotenciario de França, tratado que não recebeu a vossa approvação.

«Não entro nos mysterios da politica, mas dirijo-me a vós na qualidade de general em chefe do exercito romano. Os austriacos estão em marcha; tentam concentrar suas forças em Foligno; d'ali apoiando a sua ala direita no territorio toscano, tem o designio de avançar pelo valle do Tibre e de operar pelos Abbruzos, a sua juncção com os napolitanos. Não creio que possaes ver com indifferença realisar-se tal plano.

«Julgo dever communicar-vos as minhas supposições ácerca dos movimentos austriacos, sobre tudo no momento em que a vossa indecisa attitude favorecia nossas forças e póde dar um successo ao inimigo. Estas razões parecem-me poderosissimas para que vos peça um illimitado armisticio e a notificação das hostilidades quinze dias antes de as recomeçar.

«General, julgo este armisticio necessario para salvar a minha patria, e peço-o em nome da honra do exercito e da republica franceza.

«No caso em que os austriacos apresentassem as suas cabeças de columna em Civita-Vecchia, é sobre o exercito francez que, perante a historia, recahiria esta responsabilidade de nos ter forçado a dividir as nossas forças n'um momento em que ellas nos são tão preciosas, e de ter, obrando assim, assegurado o progresso aos inimigos da França.

«Tenho a honra de vos pedir, general, uma prompta resposta, rogando-vos de receber a saudação fraternal.

«Roselli.»

O general francez respondeu:

«General,

«As ordens do meu governo são positivas; prescrevem-me de entrar em Roma o mais breve possivel. Participei á authoridade romana o armisticio verbal que, sob instancias de Mr. de Lesseps, quiz conceder momentaneamente. Fiz prevenir por escripto os nossos postos avançados de que os dois exercitos estavam no direito de recomeçar as hostilidades.

«Unicamente para dar aos vossos compatriotas, que pretenderem deixar Roma, e a pedido do chanceller da embaixada de França, a possibilidade de o fazer facilmente, transfiro o ataque da praça até segunda feira de manhã.

«Recebei general os protestos da minha alta consideração.

«O general em chefe do corpo de exercito do Mediterraneo.

«Oudinot, duque de Reggio.»

Segundo esta affirmativa, o ataque devia começar apenas a 4 de junho.

É verdade que um author francez, Folard, disse nos seus commentarios sobre Polybo:

«Um general que adormece sobre a fé de um tratado acorda trahido.»

A 3 de junho pelas tres horas acordei ao troar do canhão.

Estava aquartelado em via Carroze no 59, com dois amigos; Orrigoni, de que já disse alguma cousa, e Daverio, de que tambem tive occasião de fallar, o mesmo que em Velletri, commandava a companhia das creanças.

Ambos a este ruido inesperado, saltaram de seus leitos ao mesmo tempo que eu.

Daverio estava muito doente por isso lhe ordenei que ficasse em casa.

Quanto a Orrigoni não tinha razão alguma de o impedir de vir comigo.

Montei a cavallo, deixando-lhe a liberdade de me ir encontrar onde e quando quizesse, e corri a galope para a porta de São-Pancracio.

Achei tudo em fogo. Eis o que tinha acontecido:

Os nossos postos avançados da villa Pamphili consistiam em duas companhias de bersaglieri boloneses e duzentos homens do 6.o regimento.

No momento em que soava meia noite e em que por conseguinte, se entrava no dia 3 de junho, uma columna franceza se deslisou no meio da obscuridade, para a villa Pamphili.

– Quem vive? gritou a sentinella, advertida pelo ruido dos passos.

– Viva a Italia, respondeu uma voz.

A sentinella julgou estar com compatriotas, deixou-os aproximar e foi desarmada.

A columna lançou-se na villa Pamphili.

Tudo quanto encontrou foi ferido, morto ou aprisionado.

Alguns homens saltaram pelas janellas para o jardim, e do jardim precipitaram-se dos muros abaixo.

Os mais apressados retiraram-se atraz do convento São Pancracio, gritando: «Ás armas!»

Os outros correram na direcção das villas Valentini e Corsini.

Como a villa Pamphili, foram surprehendidas, e cederam, não sem haver resistido.

Os gritos dos que se haviam refugiado atraz de São-Pancracio, os tiros atirados pelos defensores da villa Corsini e da villa Valentini haviam despertado os artilheiros.

No momento em que viram a villa Corsini e Valentini occupadas pelos francezes, dirigiram seu fogo para estas duas casas de campo.

O troar do canhão acordou o tambor e os sinos.

Demos uma idéa do campo de batalha onde se vae jogar o destino d'este terrivel combate.

Da porta de São-Pancracio parte uma estrada que conduz directamente ao Vascello; esta estrada tem proximamente duzentos e cincoenta passos de extensão.

Depois divide-se o caminho.

A principal ramificação desce á direita, alongando os jardins da villa Corsini, rodeados de muros, e vae juntar-se á grande estrada de Civita-Vecchia.

O ramo secundario, deixa de ser um caminho publico para se tornar uma rua de jardim, que conduz directamente á villa Corsini, a distancia de trezentos metros. Esta rua é flanqueada de cada lado por altos e espessos muros de myrtos.

Um terceiro ramal volve á esquerda, e costeia do lado opposto a alta muralha do jardim Corsini.

A villa Vascello é uma grande e macissa fabrica de tres andares, rodeada de muros e jardins. A cincoenta passos d'ella encontra-se uma pequena casa da qual se pode fazer fogo contra as janellas da villa Corsini.

Sobre o caminho á esquerda a cem passos do logar onde se separa da estrada ha duas casinhas, uma atraz do proprio jardim da villa Corsini, outra vinte passos antes.

A villa Corsini collocada sobre uma eminencia, domina todos os arredores; a posição ahi é fortissima, attendendo a que se se ataca simplesmente e sem fazer preparativos, é-se forçado a passar pela gradaria que está na extremidade do jardim, e a soffrer antes de chegar á villa, o fogo concentrado do inimigo, abrigado pelos silvados, vasos, parapeitos, estatuas e pela propria casa, feita no ponto em que os muros do jardim veem juntar-se no angulo agudo, não deixando entre elles outra abertura mais que a da porta.

Este terreno é por toda a parte muito accidentado e além da villa Corsini, apresenta muitos pontos favoraveis ao inimigo, que, deitado nas suas rugas ou abrigado pela ramagem póde collocar reservas ao abrigo do fogo dos assaltantes, supposto que é forçado a deixar a casa.

Quando cheguei á porta de São-Pancracio, a villa Pamphili, a villa Corsini, e a villa Valentini estavam tomadas.

O Vascello apenas estava em nosso poder.

Ora a villa Corsini tomada, era para nós uma enorme perda; porque estando nós senhores d'ella os francezes não podiam descobrir seus parallelos.

Era mister retomal-a a todo o custo; era para Roma uma questão de vida ou de morte.

Os fogos armaram-se entre os artilheiros das fortalezas, os homens do Vascello e os francezes das villas Corsini e Valentini.

Mas não era fogo de fuzilaria ou artilheria do que haviamos mister, era necessario um assalto, assalto terrivel mas victorioso, que nos entregasse a villa Corsini.

Lancei-me no meio da estrada, inquietando-me pouco se o meu ponche branco e meu chapeu de plumas iam servir de alvo aos atiradores francezes, e pela voz e gesto chamei todos os que estavam dispostos a seguir-me.

Officiaes e soldados pareciam sahir debaixo da terra.

N'um instante tinha junto a mim Nino Bixio, meu official de ordenança; Daverio que eu julgava, segundo a minha ordem, em via Carroze; Marina commandante ordinario dos meus lanceiros; emfim Sacchi e Marocchetti, meus antigos companheiros de guerra de Montevideo. Reuniram os despojos dos bersaglieri boloneses, pozeram-se á frente da legião italiana, e foram os primeiros a avançar levando apoz si os mais.

Nada poude suster a sua furia: a villa Corsini foi retomada; mas antes d'ahi chegar, ficaram tantos homens na estrada que foi preciso atravessar, que os que n'ella penetraram não poderam resistir ás numerosas columnas que vieram assaltal-os.

Foram obrigados a recuar.

Mas durante esta carga outros haviam chegado e a elles se juntaram; os chefes furiosos da sua derrota pediam para marchar de novo. Marina que tinha recebido uma bala no braço, levava-o ensanguentado gritando: «Ávante!» Para secundar estes valentes soldados entreguei a Vascello os homens que poude; tocou de novo a carga e a villa foi retomada.

Um quarto de hora depois foi reperdida, custando-nos um sangue precioso.

Marina, como disse, estava ferido no braço; Nino Bixio recebêra uma bala na ilharga; Daverio fôra morto.

No momento em que exigi de Marina que fosse vedar o sangue, aonde eu faria conduzir Bixio; Manara que tinha corrido do campo Vaccino, apesar das ordens contradictorias, que tinha recebido, estava ao pé de mim.

– Faz sahir a tua gente, lhe disse eu; bem vês que é preciso retomar esta casita.

A sua primeira companhia, commandada pelo capitão Ferrari, antigo ajudante de campo do general Durando, era já posta em atiradores fora da porta de São-Pancracio. Ferrari era um bravo que tinha feito comnosco a dupla campanha de Palestrina e de Velletri; em Palestrina tinha sido ferido de uma bayonetada na perna, mas estava curado.

Manara fez tocar á chamada; Ferrari arranjou a sua gente e veiu receber as ordens do coronel.

Fez armar bayonetas, tocar á carga e avançou.

No momento em que chegou á grade, quero dizer a tresentos metros do «cosino» uma saraivada de balas começou a chover sobre elle e os seus.

Não deixou todavia de avançar sobre a villa, que lançava chammas como um vulcão, quando o seu tenente Mangiagalli puchando pela manga da tunica lhe disse:

– Capitão, não vêdes que somos apenas dois?

Ferrari pela vez primeira olhou para traz; vinte oito dos seus homens entre oitenta estavam deitados junto a si mortos ou feridos.

Os outros batiam em retirada.

Mangiagalli e elle fizeram o mesmo.

Manara ficou furioso ao vêr que á sua vista o resto da sua companhia tivesse abandonado seus dois officiaes.

Chamou a segunda companhia commandada por Henrique Dandolo, nobre e rico milanez de raça veneziana como o indica seu nome ducal. Reuniu-lhe os despojos da primeira e gritou: – Ávante! lombardos! Trata-se de morrer ou tomar a villa. Pensae que Garibaldi vos contempla.

Ferrari fez signal que tinha uma cousa a dizer.

– Falla, disse Manara.

– General, me disse Ferrari, o que vou dizer-vos não é na esperança de diminuir o perigo, mas na de aproveitar. Conheço as localidades, saio d'ellas, e vêdes que hesitei mais em sahir que em entrar.

Fiz-lhe com a fronte um signal de assentimento.

– Pois bem: eis o que proponho: em vez de seguir a rua e atacar de frente, nós nos esconderemos, a companhia de Dandolo á esquerda e a minha á direita, atraz dos silvados de myrtos. Uma pedra lançada por mim á companhia de Dandolo lhe significará que a minha gente está prompta; uma outra lançada de seu lado, será sua resposta; então as nossas oito trombetas tocarão a um tempo e lançar-nos-hemos ao assalto do pé do terrasso.

– Fazei o que quizerdes, respondi eu, mas retomae a casa.

Ferrari partiu á frente da sua companhia, e Dandolo á frente da sua.

Fil-os seguir pelo capitão Hoffstetter e por cincoenta estudantes, encarregados de occupar a casa da esquerda da que já fallei, e que foi mais tarde conhecida pelo nome de casa queimada.

Ao fim de dez minutos ouvi as trombetas e quasi immediatamente a fuzilaria.

Eis o que se passava:

As duas companhias, protegidas pelos silvados e pelas vinhas, effectivamente tinham penetrado, como Ferrari o esperava, cerca de quarenta passos no terraço, sem serem vistas nem presentidas.

Chegadas ahi, deram-se os signaes, as cornetas resoaram, e os meus bravos bersaglieri arremeçaram-se ao assalto.

Porém, do terraço, da sala do primeiro andar, da escada circular que a elle conduzia, finalmente de todas as janellas sahia um fogo espantoso.

Dandolo cahira, porque uma bala lhe atravessara o corpo; o tenente Sylva estava ferido ao pé do capitão Ferrari; o alferes Mancini tinha recebido, quasi ao mesmo tempo, duas balas, uma na perna, outra no braço.

E apezar d'isto, os bersaglieri commandados pelo capitão Ferrari, pois que Dandolo estava morto, tinham continuado, por um supremo esforço, a caminhar para a frente; tinham escalado o terraço e repellido os francezes até á escada circular da villa.

Ahi porém todos os seus esforços foram infructiferos; tinham os francezes na frente e nos flancos; disparavam sobre elles quasi á queima roupa, e cada bala derribava um homem.

Via-os levantarem-se e tornar a cahir; comprehendi que morreriam até ao ultimo sem resultado algum.

Mandei tocar a retirar.

Tinha dois mil homens, os francezes tinham vinte mil, eu tomava o quartel Corsini com uma companhia, elles retomavam-no com um regimento.

É porque, bem como eu, os francezes comprehendiam perfeitamente a importancia da posição.

Os meus bersaglieri voltaram, tinham deixado quarenta mortos no jardim da villa; quasi todos estavam feridos.

Era preciso esperar novas forças.

Mandei Orrigoni e Ugo Bassi percorrer a cidade, com ordem de me trazerem tudo que encontrassem; queria, para descargo de consciencia, tentar um ultimo, mas supremo esforço.

Abriguei os meus homens por detraz do Vascello.

Uma hora depois, pouco mais ou menos, chegaram-me, misturadamente, companhias de linha, estudantes, douaniers, o resto dos bersaglieri lombardos, e fragmentos de diversos corpos.

No meio d'elles vinha Marina a cavallo, que me trazia uns vinte lanceiros.

Tinha ido curar-se e voltava a tomar parte na acção.

Sahi então do Vascello com um pequeno grupo de dragões; immediatamente começaram os gritos de «Viva a Italia! Viva a republica romana!» o canhão troou, e as balas, passando por cima de nossas cabeças, annunciaram aos francezes um novo attaque; e, a um tempo, sem ordem, misturados todos, Marina á frente dos seus lanceiros bersaglieri, eu á frente de todos, lançamo-nos sobre a inexpugnavel villa.

Chegados á porta não poderam todos entrar; os que ficavam de fóra espalharam-se em atiradores nos dois flancos do quartel; outros escalaram os muros e entraram nos jardins da villa; outros finalmente, adeantaram-se até á villa Valentini, tomaram-na e fizeram alguns prisioneiros.

Altersbeschränkung:
12+
Veröffentlichungsdatum auf Litres:
27 September 2017
Umfang:
170 S. 1 Illustration
Rechteinhaber:
Public Domain

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