Uma Nênia Para Príncipes

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Aus der Reihe: Um Trono para Irmãs #4
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Sebastian tinha amado Sophia, e, só agora que ela tinha morrido, é que ele conseguia começar a entender quanto, simplesmente por ver o quanto de seu mundo lhe tinha sido tirado desde que ele a tinha visto tão quieta e sem vida, linda mesmo na morte. Ele sentia-se como uma coisa trôpega de um dos contos antigos, vazio, exceto pela concha de carne que cercava sua dor.

A única razão pela qual não estava a chorar era porque se sentia demasiado vazio para o fazer. Bem, por isso e porque não queria dar ao seu irmão a satisfação de o ver sofrendo. Naquele momento, teria até mesmo ficado agradecido se Rupert o tivesse matado, porque pelo menos isso teria acabado com a extensão infinita da dor que se parecia estender ao seu redor.

“Chegou o momento de voltares para casa” disse Rupert. “Tu podes ficar lá enquanto eu relato tudo o que aconteceu à nossa mãe. Ela mandou-me trazer-te de volta, logo, é isso que eu vou fazer. Amarro-te a um cavalo se for preciso.”

“Não vai ser preciso” disse Emeline. “Eu irei.”

Ele disse isso com tranquilidade, mas mesmo assim, isso foi o suficiente para sacar um sorriso de triunfo de seu irmão. Rupert pensou que havia vencido. A verdade era que Sebastian simplesmente não se importava. Já não se importava. Ele esperou que um dos soldados lhe trouxesse um cavalo, montou-o e esporeou-o com membros sem força.

Iria para casa, para Ashton, e iria ser o tipo de príncipe que sua família quisesse que fosse. Nada iria fazer a diferença.

Nada fazia, agora que Sophia estava morta.

CAPÍTULO TRÊS

Cora ficou muito grata quando o chão começou a ficar nivelado novamente. Parecia que ela e Emeline estavam a caminhar desde sempre, embora sua amiga não mostrasse nenhuma fadiga.

“Como é que consegues simplesmente continuar a caminhar como se não estivesses cansada?” Cora perguntou, enquanto Emeline continuava a avançar. “É algum tipo de magia?”

Emeline olhou para trás. “Não é magia, é só que... eu passei a maior parte de minha vida nas ruas de Ashton. Se mostrasses que eras fraca, as pessoas encontrariam forma de te fazerem mal.”

Cora tentou imaginar isso, viver num lugar onde houvesse a hipótese de violência sempre que alguém mostrasse fraqueza. Porém, apercebeu-se que não precisava de o imaginar.

“No palácio, era Rupert e seus amigos” ela disse, “ou as meninas nobres que achavam que podiam abusar de ti só porque estavam com raiva de alguma outra coisa.”

Ela viu Emeline inclinar a cabeça para o lado. “Eu teria pensado que seria melhor no palácio” disse ela. “Pelo menos não tinhas que te esquivar dos gangues ou dos traficantes de escravas. Não precisavas de passar as noites agachada nas caves de depósito de carvão para que ninguém te encontrasse.”

“Porque eu já era uma contratada ao orfanato” observou Cora. “Eu nem sequer tinha uma cama no palácio. Eles simplesmente assumiam que eu iria encontrar um canto para dormir. Isso, ou algum nobre iria querer-me em sua cama.”

Para surpresa de Cora, Emeline deu-lhe um abraço. Se havia uma coisa que Cora tinha aprendido na estrada, era que Emeline não era geralmente uma pessoa que demonstrasse seus sentimentos.

“Uma vez vi uns nobres na cidade” disse Emeline. “Eu pensava que seriam mais inteligentes e melhores do que os dos gangues, até eu me aproximar. Então eu vi um deles a bater num homem, só porque podia, até ele perder os sentidos. Eles eram exatamente iguais.”

Parecia estranho estarem vinculadas daquela forma porque suas vidas haviam sido difíceis, mas Cora sentia-se mais próxima de Emeline do que no início quando tudo isto começara. Não era só porque elas haviam passado por muitas coisas iguais em suas vidas. Elas haviam viajado muito juntas agora também, e havia ainda a perspetiva de mais quilómetros por vir.

“Stonehome vai lá estar” disse Cora, tentando convencer-se a si própria tanto quanto a Emeline.

“Vai” disse Emeline. “Sophia viu isso”

Parecia estranho, colocar tanta confiança nos poderes de Sophia, mas a verdade era que Cora efetivamente confiava nela, em absoluto. Ela ficaria feliz em confiar sua vida às coisas que Sophia tinha visto, e não havia ninguém com quem preferisse compartilhar a jornada do que com Emeline.

Elas continuaram e, a caminho do oeste, começaram a ver mais rios, em redes que se conectavam como capilares que iam dar a artérias maiores. Passado pouco tempo, parecia haver quase tanta água quanto terra, pelo que até mesmo os campos entre elas eram coisas semialagadas, com pessoas a cultivarem na lama que ameaçava transformar-se em pântano a qualquer momento. A chuva parecia ser uma constante e, embora ocasionalmente Cora e Emeline se abrigassem, na maior parte do tempo elas prosseguiam.

“Olha” disse Emeline, apontando para uma das margens do rio. A princípio, Cora apenas conseguia ver juncos que se erguiam ao lado do rio, perturbados aqui e ali pelo movimento de pequenos animais. Então viu um pequeno barco virado com o casco para cima como se fosse a concha de alguma criatura couraçada.

“Oh não” disse Cora, adivinhando o que Emeline pretendia.

Emeline colocou a mão em seu braço. “Não te preocupes. Eu sou boa com barcos. Vá lá, tu vais gostar.”

Ela foi à frente até ao pequeno barco, e tudo o que Cora pôde fazer foi ir atrás dela, silenciosamente à espera que não houvesse remos. Havia um remo de pá larga, e isso pareceu ser tudo o que Emeline precisava. Passado pouco tempo, ela estava no pequeno barco, e Cora teve que saltar para o lado dela ou seria deixada a caminhar ao longo da margem.

Era mais rápido do que caminhar, Cora tinha que admitir. Elas deslizavam pelo rio abaixo como uma pequena pedra atirada de uma mão gigante. Era tão relaxante quanto tinha sido estar na carroça. Mais relaxante, já que elas tinham passado metade do tempo na carroça a saltar lá para fora para ajudar a empurrá-la por colinas acima e para fora das lamas. Emeline parecia estar a gostar de o navegar também, passando pelas mudanças no rio, das águas agitadas para calmas e vice-versa.

Cora percebeu quando a água mudou, e viu a expressão de Emeline mudar no mesmo instante.

“Há... algo ali” disse Emeline. “Algo poderoso.”

O que temos aqui? uma voz perguntou, soando na mente de Cora. Duas coisas frescas e jovens. Aproximem-se, minhas queridas. Aproximem-se.

À frente, Cora viu... bem, ela não tinha certeza do que estava a ver. A princípio, parecia uma mulher feita de água, mas um lampejo de luz depois parecia um cavalo. A vontade de ir em direção a isso era esmagadora. Parecia como se houvesse segurança adiante.

Não, era mais que isso; parecia que era sua casa à sua espera ali. A casa que ela sempre tinha querido, acolhedora, uma família, segurança...

É isso. Vem até mim. Eu posso te dar tudo o que tu quiseres. Tu nunca mais ficarás sozinha.

Cora queria ansiosamente que o pequeno barco se deslocasse para a frente. Ela queria mergulhar do barco, estar com a criatura que tanto prometia. Ela praticamente levantou-se, pronta para fazer exatamente isso.

“Espera!” Emeline gritou. “É um truque, Cora!”

Cora sentiu algo instalar-se em torno de sua mente, uma parede a erguer-se entre si e as promessas de segurança. Ela via Emeline a esforçar-se, e percebeu que tinha de ser a outra menina que estava a fazer aquilo, a bloquear o poder que as empurrava com seus próprios talentos.

Não, vem até mim , a coisa incitou, mas era um eco mais distante do que tinha sido.

Cora olhou para aquilo, olhou mesmo para aquilo agora. Ela viu a água a fazer remoinho ali; viu as correntes ao redor do remoinho que afogariam qualquer um que fosse tolo o suficiente para passar por elas. Lembrou-se de velhas histórias de espíritos do rio, os kelpies, com o tipo de magia perigosa que tinha virado o mundo contra tudo isso.

Viu a água a começar a se mover por baixo do pequeno barco, e só se apercebeu do que estava a acontecer quando a corrente o começou a arrastar para a frente.

“Emeline!” ela gritou. “Está nos puxando lá para dentro!”

Emeline permaneceu imóvel, tremendo num esforço óbvio enquanto lutava para impedir que a criatura as dominasse às duas. Isso significava que estava nas mãos de Cora. Ela agarrou o remo do pequeno barco, remando com toda a força que tinha na direção da margem.

No começo, parecia que nada estava a acontecer. A corrente era demasiado forte, o puxão do kelpie demasiado completo. Cora reconheceu esses pensamentos pelo que eles eram e afastou-os. Ela não teve que remar contra a corrente, apenas para o lado. Ela puxou a água com os remos, forçando o pequeno barco a se mover através da pura força da vontade.

Lentamente, começou a mudar de curso, aproximando-se da margem enquanto Cora remava.

“Depressa” disse Emeline ao lado dela. “Eu não sei por quanto tempo eu consigo continuar com isto.”

Cora continuou, e o pequeno barco moveu-se pelo que pareciam ser polegadas, mas mexeu-se. Aproximou-se cada vez mais até que finalmente Cora pensou que os juncos poderiam estar ao alcance. Agarrou-os, conseguindo pegar um punhado deles e os usar para puxar a pequena embarcação para perto da costa. Ela arrastou o pequeno barco para a margem do rio, e, depois, saltou para fora, agarrando o braço de Emeline.

Ela puxou a amiga para a margem do rio, vendo o pequeno barco a ser puxado pela corrente. Cora viu o kelpie empinar-se em aparente raiva, esmagando a pequena embarcação e reduzindo-a a farpas.

Assim que ficaram em terra firme, Cora sentiu a pressão em sua mente diminuir, enquanto Emeline soltou um suspiro e levantou-se sob seu próprio poder. Parecia que, fora da água, o kelpie não lhes conseguia tocar. Este empinou-se novamente. Depois mergulhou, desaparecendo de vista.

 

“Acho que estamos a salvo” disse Cora.

Ela viu Emeline assentir. “Porém, eu acho que... talvez fiquemos fora de água durante um tempo.”

Parecia exausta, e, então, Cora ajudou-a a se afastar da margem do rio. Demoraram um pouco a encontrar um caminho, mas quando o fizeram, pareceu natural segui-lo.

Prosseguiram pela estrada e agora havia mais pessoas do que tinha havido no norte. Cora via pescadores a virem das margens dos rios, agricultores com carroças cheias de mercadorias. Ela via mais pessoas a vir de todos os lados agora, com cargas de tecidos ou rebanhos de animais. Um homem estava até a pastorear um bando de patos que corriam à sua frente da mesma forma que ovelhas o poderiam ter feito com outra pessoa.

“Deve haver um mercado em viagem” disse Emeline.

“Devíamos ir” disse Cora. “Eles podem colocar-nos de volta na estrada para Stonehome.”

“Ou podem matar-nos como bruxas no momento em que perguntarmos” Emeline salientou.

Mesmo assim, elas foram, percorrendo os caminhos com os outros até verem o mercado adiante. Era numa pequena ilha no meio dos rios, a rota vadeável em qualquer um dos doze pontos. Naquela ilha, Cora viu barracas e espaços de leilão para tudo, desde mercadorias até gado. Estava simplesmente grata por ninguém estar a tentar vender nenhum dos contratados ao orfanato hoje.

Ela e Emeline foram até à ilha, atravessando um dos vaus para alcançá-la. Elas mantiveram a cabeça baixa, misturando-se com a multidão o máximo possível, especialmente quando Cora viu a figura mascarada de uma sacerdotisa perambulando pela multidão, dispensando as bênçãos de sua deusa.

Cora deixou-se atrair até um espaço onde atores representavam A Dança do Santo Cuthbert, embora não fosse a versão séria que às vezes havia sido levada ao palácio. Esta versão tinha muito mais humor obsceno e desculpas para lutas de espadas. A companhia conhecia obviamente seu público. Quando terminaram, eles fizeram uma reverência e as pessoas começaram a gritar nomes de peças e sátiras, na esperança de verem atuar sua favorita.

“Eu ainda não vejo como podemos encontrar alguém que saiba o caminho para Stonehome” disse Emeline. “Pelo menos, não sem nos declararmos aos sacerdotes.”

Cora também tinha estado a pensar nisso. Ela tinha uma ideia.

“Tu vais captar se as pessoas começarem a pensar em Stonehome, não vais?” ela perguntou.

“Talvez” disse Emeline.

“Então vamos fazer com que as pessoas pensem em Stonehome”, disse Cora. Ela virou-se para os atores. “O que tal As Filhas do Guardião de Stone?” ela gritou, esperando que a multidão a bloqueasse de ser vista.

Para sua surpresa, resultou. Talvez fosse porque era um ato ousado, até mesmo perigoso de se pedir: a história de como as filhas de um pedreiro mostraram ser bruxas e encontraram um lar longe daqueles que iriam atrás delas. Era o tipo de peça que poderia prender alguém por a representar no lugar errado.

Porém, eles representaram-na aqui, em toda sua glória, figuras mascaradas representando sacerdotes a correrem atrás dos jovens rapazes que representavam as partes femininas por medo da má sorte. Durante todo o tempo, Cora esteve sempre a olhar para Emeline com expetativa.

“Bem, isto está a fazer com que eles pensem em Stonehome?” ela perguntou.

“Sim, mas isso não significa... espera” disse Emeline, virando a cabeça. “Vês aquele homem ali, a vender lã? Está a pensar numa vez em que foi lá para negociar. Aquela mulher... a irmã dela foi lá.”

“Então tens uma direção para lá outra vez?” perguntou Cora.

Ela viu Emeline assentir. “Acho que conseguimos encontrar Stonehome.”

Não era uma grande esperança, mas era alguma coisa. Stonehome ainda estava adiante e, com isso, a perspetiva de segurança.

CAPÍTULO QUATRO

De cima, a invasão parecia a varredela de uma asa envolvendo a terra em que tocava. O Mestre dos Corvos gostava disso, e era provavelmente o único em posição de o apreciar, com seus corvos a darem-lhe uma visão perfeita enquanto seus navios avançavam para a costa.

“Talvez haja outros vigias” disse ele para si mesmo. “Talvez as criaturas desta ilha vejam o que está a vir na direção deles.”

“E o que é isso, senhor?” um jovem oficial perguntou. Ele era vivaço e loiro, com seu uniforme a brilhar resultante do esforço de polir.

“Nada com que tu te precises de preocupar. Prepara-te para desembarcar.”

O jovem apressou-se, com o tipo de vigor em seus movimentos que pareciam ansiar por ação. Talvez ele se considerasse invulnerável porque lutava pelo Novo Exército.

“Eles são todos comida para os corvos no final” disse o Mestre dos Corvos.

Porém, não hoje, porque ele havia escolhido seus locais para desembarcar com cuidado. Havia partes do continente para lá da Água-Faca onde as pessoas disparavam para os corvos quase como uma coisa natural, mas aqui eles ainda tinham que aprender o hábito. Suas criaturas tinham-se espalhado, mostrando-lhe os lugares em que os defensores haviam colocado canhões e barricadas em preparação para uma invasão, onde tinham escondido homens e fortificado aldeias. Tinham criado uma rede de defesas que deveriam ter engolido uma força invasora inteira, mas o Mestre dos Corvos conseguia ver os buracos nelas.

“Comecem” ele comandou, e soaram cornetas, com os sons a serem transportados através de ondas. Barcos de desembarque baixaram e uma maré de homens que neles estavam invadiu a costa. Na sua maior parte, eles fizeram isso em silêncio, porque um jogador não anunciava a colocação de suas peças numa mesa de jogo. Eles espalharam-se, trazendo canhões e suprimentos, movendo-se rapidamente.

Agora a violência começava, exatamente da maneira que ele havia planeado, com homens a rastejar em torno dos locais de emboscada de seus inimigos para os atacar pela retaguarda, com armas a bater nos grupos ocultos de inimigos que o queriam impedir. A esta distância, deveria ter sido impossível ouvir os gritos dos moribundos, ou até mesmo os disparos dos mosquetes, mas seus corvos retransmitiam tudo.

Ele viu uma dúzia de frentes de uma só vez, com a violência a transformar-se num caos multifacetado, como sempre acontecia nos momentos após o início de um conflito. Viu seus homens a avançarem por uma praia contra um grupo de camponeses, com as espadas a balançar. Viu cavalos a desembarcarem enquanto, ao redor deles, uma companhia lutava com ferramentas agrícolas para manter sua cabeça de praia contra uma milícia armada. Viu ambos os pontos de abate e bravura, apesar de ser difícil distinguir os dois.

Através dos olhos de seus corvos, viu um grupo de cavalaria a ir um pouco para o interior, com suas couraças a brilharem ao sol. Eram suficientes para conseguirem abrir um buraco em sua cuidadosamente coordenada rede de locais de desembarque, e, embora, o Mestre dos Corvos duvidasse que eles soubessem o local correto para atacar, ele não poderia correr esse risco.

Ele expandiu sua concentração, usando seus corvos para encontrar um oficial adequado por perto. Para seu gáudio, encontrou o jovem que havia estado tão ansioso antes. Ele concentrou-se. O esforço de fazer um dos animais transportar suas palavras era muito maior do que simplesmente olhar através de seus olhos.

“Há cavalaria a norte de ti” disse ele, ouvindo o grasnido da voz do corvo enquanto repetia as palavras. “Circunda para o cume a oeste e apanha-os quando eles chegarem até ti.”

Não esperou por uma resposta. Em vez disso mandou o corvo voar, observando de cima enquanto os homens obedeciam às suas ordens. Isso era o que seu talento lhe dava: a capacidade de ver mais, de espalhar seu alcance mais além do que qualquer homem normal conseguia fazer. A maioria dos comandantes encontrava-se atolada no nevoeiro da guerra ou paralisada por mensageiros que não se conseguiam mover com rapidez suficiente. Ele conseguia coordenar um exército com a mesma facilidade que uma criança mostrava ao mover soldados de lata ao redor de uma mesa.

Por baixo de seu pássaro que circulava, ele viu a cavalaria entrar a trovejar, parecendo-se em toda sua extensão com um exército elegante saído de uma lenda. Ouviu o barulho dos mosquetes que os começaram a abater, e, depois, viu os soldados que estavam à espera a avançar na direção deles, rapidamente transformando seu avanço de um livro de histórias numa coisa de sangue, morte, dor e angústia súbita. O Mestre dos Corvos via os homens a sucumbir uns após os outros, incluindo o jovem oficial, apanhado pela garganta por uma lâmina perdida.

“Tudo comida para os corvos” disse ele. Isso não importava; aquela pequena batalha estava ganha.

Ele conseguia ver uma batalha mais difícil em torno das dunas que levavam até uma pequena aldeia. Um de seus comandantes não tinha sido rápido o suficiente a seguir suas ordens, o que significava que os defensores haviam entrado, mantendo a rota até à sua aldeia, mesmo contra a força maior. O Mestre dos Corvos espreguiçou-se e, depois, desceu para um barco de desembarque.

“Para terra” disse ele, apontando.

Os homens que estavam com ele desataram a trabalhar com a velocidade que vinha do longo treino. O Mestre dos Corvos viu o progresso da batalha ao se aproximar, ouvindo os gritos dos moribundos, vendo suas forças a dominar grupo após grupo de supostos defensores. Era óbvio que a Viúva havia ordenado a defesa de seu reino, mas claramente não bem o suficiente.

Eles chegaram à costa e o Mestre dos Corvos caminhou pela batalha como se estivesse a dar um passeio. Os homens ao redor dele mantinham-se baixos, com os mosquetes levantados enquanto procuravam ameaças, mas ele andava alto. Ele sabia onde seus inimigos estavam.

Todos seus inimigos. Ele já conseguia sentir o poder desta terra e seu movimento quando algumas das coisas mais perigosas ali reagiram à sua chegada. Eles que o sintam a chegar. Eles que fiquem com medo do que está por vir.

Um pequeno grupo de soldados inimigos saltou de um esconderijo atrás de um barco virado de casco para o ar, e não houve mais tempo para pensar, apenas para agir. Ele sacou de uma longa lâmina de duelo e de uma pistola num movimento suave, disparando contra o rosto de um dos defensores, e, depois, trespassando outro. Ele desviou-se de um ataque para o lado, contra-atacou com força letal e continuou em movimento.

As dunas estavam adiante e a aldeia estava além delas. Agora o Mestre dos Corvos conseguia ouvir a violência sem ter que recorrer às suas criaturas. Ele conseguia distinguir o choque das lâminas nas lâminas com seus próprios ouvidos, o estrondo de mosquetes e pistolas a ecoar à medida que ele se aproximava. Ele conseguia ver homens a lutarem uns com os outros. Os corvos dele deixavam-no descortinar os pontos em que os defensores se ajoelhavam ou estendiam, com suas armas treinadas para qualquer coisa que se aproximasse.

Ele ficou lá no meio de tudo, desafiando-os a atirarem sobre si.

“Vocês têm uma hipótese de viver” disse ele. “Eu preciso desta praia e estou preparado para pagar por isso com vossas vidas e com as vidas de vossas famílias. Larguem vossas armas e vão-se embora. Melhor ainda, juntem-se ao meu exército. Se o fizerem sobreviverão. Continuem a lutar e eu certificar-me-ei que vossas casas serão arrasadas.”

Ele ficou ali, à espera de uma resposta. Obteve-a quando um tiro soou, com a dor e o impacto a atingirem-no com tanta força que ele cambaleou, caindo sobre um joelho. Naquele momento, porém, havia demasiada morte por perto para o deter tão facilmente. Os corvos estavam a ser bem alimentados hoje, e o poder deles curaria qualquer coisa que não o matasse de imediato. Ele empurrou o poder para dentro da ferida, fechando-a, enquanto se levantava.

“Assim seja” disse ele, e depois avançou.

Habitualmente, ele não fazia isto. Era uma maneira tola de lutar; uma maneira antiga que não tinha nada a ver com exércitos bem organizados ou táticas eficientes. Ele movia-se com toda a velocidade que seu poder lhe dava, desviando-se e correndo enquanto encurtava a distância.

Sem parar, ele matou o primeiro homem, mergulhando sua espada profundamente e depois arrancando-a de uma só vez. Pontapeou o seguinte para o chão, e, depois, acabou com ele com um golpe de sua lâmina. Tirou o mosquete ao homem com uma mão e disparou, usando a visão de seus corvos para saber para onde apontar.

 

Ele avançou para um grupo de homens que se escondia atrás de uma barricada de areia. Contra o lento avanço de suas tropas, isso poderia ter sido o suficiente para os atrasar, criando tempo para que mais homens pressionassem. Contra seu avanço selvagem, isso não fazia diferença. O Mestre dos Corvos saltou as paredes de areia, saltando para o meio de seus inimigos e golpeando em todas as direções.

Os seus homens estariam a seguir atrás, mesmo se ele não tivesse concentração para dispensar a olhar através dos olhos de seus corvos por eles. Ele estava muito ocupado a aparar golpes de espada e golpes de machado, contra-atacando com violenta eficiência.

Agora seus homens estavam lá, se fazendo derramar sobre as barricadas de areia como a maré a encher. Eles morriam quando o faziam, mas agora isso não era importante para eles, desde que eles estivessem lá com seu líder. Era com isso que o Mestre dos Corvos contava. Eles mostravam uma lealdade surpreendente para homens que eram pouco mais do que comida de corvo para ele.

Com seus homens atrás de si, não demorou muito a que os defensores estivessem mortos, e o Mestre dos Corvos deixou seus homens avançarem em direção à aldeia.

“Ide” disse ele. “Abatam-nos pela sua provocação.”

Ele observou o resto dos desembarques por mais alguns minutos, mas não parecia haver mais nenhum grande ponto de estrangulamento. Ele havia escolhido bem seu lugar.

Quando o Mestre dos Corvos chegou à aldeia, partes dela já estavam em chamas. Os seus homens estavam a deslocar-se pelas ruas, abatendo qualquer aldeão que encontrassem. A maioria estava, de qualquer das maneiras. O Mestre dos Corvos viu um a arrastar uma jovem da aldeia. O medo dela era correspondido apenas pelo óbvio prazer do soldado.

“O que é que estás a fazer?” ele perguntou quando se aproximou.

O homem olhou para ele em choque. “Eu... eu vi esta, meu lorde, e pensei...”

“Tu pensaste que irias ficar com ela” o Mestre dos Corvos terminou por ele.

“Bem, ela valeria um bom preço no lugar certo.” O soldado ousou um sorriso que parecia projetado para fazer os dois parte de alguma grande conspiração.

“Estou a ver” disse ele. “Eu não te dei ordens para pensares isso. “Dei?”

“Meu lorde...” o soldado começou, mas o Mestre dos Corvos já estava a erguer uma pistola. Disparou-a tão de perto que as feições do outro homem quase desapareceram com a rajada. Quando seu atacante caiu, a jovem ao seu lado parecia estar demasiado em choque até mesmo para gritar.

“É importante que meus homens aprendam a agir de acordo com minhas ordens” disse o Mestre dos Corvos à mulher. “Há lugares onde permito prisioneiros e outros onde é acordado que não se faz mal a ninguém, a não ser aos dotados. É importante que a disciplina seja mantida.”

A mulher parecia esperançosa naquele momento, como se pensasse que isto não era mais do que algum engano, apesar das depredações dos outros na aldeia. Ela pareceu assim até ao ponto em que o Mestre dos Corvos enfiou a espada em seu coração, num impulso seguro e limpo, provavelmente até indolor.

“Neste caso, eu dei aos vossos homens uma escolha, e eles fizeram-na” disse ele enquanto ela se agarrava à arma. Ele puxou-a para fora, e ela caiu. “É uma escolha que pretendo dar a muito do resto deste reino. Talvez eles escolham mais sabiamente.”

Ele olhou em volta enquanto a matança continuava, não sentindo nem prazer nem desprazer, apenas uma espécie de satisfação de justiça pela tarefa cumprida. Um passo, pelo menos, porque afinal de contas, isto não era mais do que a conquista de uma aldeia.

Haveria muito mais por vir.