Uma Forja de Valentia

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Aus der Reihe: Reis e Feiticeiros #4
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Dierdre virou-se e olhou de volta para o lugar de onde eles tinham vindo, para o coração de Ur, onde havia deixado o seu pai. Era para lá que ela iria, para ali e para nenhum outro lugar, mesmo que isso significasse a sua morte.

CAPÍTULO TRÊS

Merk ficou à entrada da câmara escondida, no último andar da Torre de Ur, a olhar para a luz brilhante, com Pult, o traidor, morto aos seus pés. A porta estava entreaberta e ele não podia acreditar no que via.

Aqui estava, a câmara sagrada, no andar mais protegido, a única sala projetada para manter e proteger a Espada de Fogo. A sua porta estava esculpida com a insígnia da espada e as suas paredes de pedra tinham, também, a insígnia da espada esculpida. Era esta sala e apenas esta, que o traidor tinha desejado, para roubar a relíquia mais sagrada do reino. Se Merk não o tivesse apanhado e morto, quem sabe onde a Espada estaria agora?

Ao olhar para a sala com as suas paredes de pedra lisa, em forma de um círculo, ao olhar para a luz brilhante, Merk começou a ver que ali, no centro, estava uma plataforma de ouro, com uma tocha de fogo por baixo, uma armação de aço por cima, claramente projetada para segurar a Espada. E, no entanto, ao olhar, ele não conseguia entender o que estava a ver.

A armação estava vazia.

Ele pestanejou, tentando entender. O ladrão já tinha roubado a espada? Não, o homem estava morto aos seus pés. Isso só poderia significar uma coisa.

Esta torre, a Torre sagrada de Ur, era um chamariz. Toda a Torre – a sala, a torre – era tudo um chamariz. A Espada de Fogo não residia aqui. Nunca tinha residido aqui.

Se não, então onde poderia estar?

Merk ficou ali, horrorizado, demasiado congelado para se mover. Voltou a pensar em todas as lendas que cercavam a Espada de Fogo. Lembrou-se da menção das duas torres, a Torre de Ur, no canto noroeste do reino, e, a Torre de Kos, no sudeste, cada uma delas colocada em lados opostos do reino, cada uma a contrabalançar a outra. Ele sabia que somente uma delas possuía a espada. E, no entanto, Merk sempre tinha assumido que esta era a torre, a Torre de Ur. Todos no reino tinham isso como assumido; todos iam sozinhos em peregrinação a esta torre e as próprias lendas insinuavam sempre Ur como sendo a tal. Afinal de contas, Ur estava no continente, perto da capital, perto de uma grande e antiga cidade – enquanto Kos estava no final do Dedo do Diabo, um local remoto sem significado e longe de tudo.

Tinha de ser em Kos.

Merk ficou ali, em estado de choque, ficando aos poucos claro para ele: ele era o único no reino que conhecia a verdadeira localização da Espada. Merk não sabia que segredos, que tesouros, esta Torre de Ur guardava, se algum, mas ele sabia com certeza que não guardava a Espada de Fogo. Sentia-se desapontado. Ele tinha aprendido o que era suposto não aprender: que ele e todos os outros soldados aqui não estavam a guardar nada. Era matéria que os Sentinelas não deviam saber – para que, naturalmente, não desmoralizassem. Afinal, quem iria querer guardar uma torre vazia?

Agora que Merk sabia a verdade, ele sentiu um desejo ardente de fugir deste lugar, de ir para Kos e de proteger a Espada. Afinal de contas, porquê ficar aqui e guardar paredes vazias?

Merk era um homem simples e, acima de tudo, odiava enigmas. Isto tudo deu-lhe uma enorme dor de cabeça, levantando-lhe mais perguntas do que respostas. Quem mais poderia saber disso? Merk indagava-se. Os Sentinelas? Certamente alguns deles deviam saber. Se eles soubessem, como é que poderiam, eventualmente, ter a disciplina para passar todos os seus dias a guardar um chamariz? Fazia tudo parte da sua prática? Do seu dever sagrado?

Agora que ele sabia, o que devia fazer? Certamente ele não podia contar aos outros. Isso podia desmoralizá-los. Eles podiam inclusivamente não acreditar nele, pensando que ele tinha roubado a espada.

E o que é que devia fazer com este corpo morto, este traidor? E se esse traidor estava a tentar roubar a espada, estaria mais alguém? Tinha agido sozinho? De qualquer das formas, porque haveria ele de a querer roubar? Para onde a levaria?

De repente, enquanto estava ali a tentar decifrar tudo, os sinos soaram tão alto, perto da sua cabeça, como se estivessem naquela mesma sala, que se assustou. Foi tão repentino, tão rápido, que ele não conseguiu entender de onde eles estavam a vir – até que se apercebeu que a torre do sino, sobre o telhado, estava perto da sua cabeça. A sala tremia com o seu incessante badalar e ele não conseguia pensar como devia ser. Afinal de contas, a sua premência significava que eram sinos de guerra.

A agitação surgiu de repente de todos os cantos da torre. Merk podia ouvir o tumulto distante, como se todos lá dentro estivessem a juntar-se. Ele tinha de saber o que se estava a passar; ele podia voltar ao seu dilema mais tarde.

Merk arrastou o corpo para fora do caminho, bateu com a porta, saindo a correr da sala. Ele correu para o corredor e viu dezenas de guerreiros a correr pelas escadas, todos com espadas na mão. Ao princípio, ele perguntou-se se eles estariam atrás ele, mas depois olhou para cima, viu mais homens a subir apressadamente as escadas e percebeu que estavam todos a dirigir-se para o telhado.

Merk juntou-se a eles, correndo pelas escadas, irrompendo para o telhado no meio dos badalos ensurdecedores dos sinos. Ele correu para a borda da torre e olhou para fora – e ficou chocado ao fazê-lo. O seu coração ficou dilacerado ao ver à distância o Mar do Arrependimento, coberto de preto, com um milhão de navios a convergir para cidade de Ur. No entanto, a frota não parecia estar a dirigir-se para a Torre de Ur, que ficava a um dia de distância a norte da cidade, portanto sem perigo imediato, pelo que Merk perguntou-se porque é que os sinos tocavam tão urgentemente.

Então ele viu os guerreiros a virarem na direção oposta. Ele virou-se, também, e viu: lá, emergindo das florestas, estava um bando de trolls. Estes eram seguidos por mais trolls.

E mais.

Ouviu-se um barulho alto, seguido de um rugido e, de repente, centenas de trolls irromperam da floresta, a gritar, a avançar, com as alabardas erguidas, com o sangue nos seus olhos. O seu líder estava à frente, o troll conhecido como Vesúvio, uma besta grotesca que transportava duas alabardas, com o rosto coberto de sangue. Eles estavam a convergir na torre.

Merk percebeu imediatamente que não se tratava de um ataque normal dos Trolls. Era como se toda a nação de Marda tivesse irrompido. Como é que eles tinham conseguido passar As Chamas? Perguntou a si próprio. Todos tinham claramente vindo aqui à procura da Espada, querendo diminuir as chamas. Irónico, Merk pensou, pois a Espada não estava ali.

A torre, Merk apercebeu-se, não podia suportar tal ataque. Estava tudo acabado.

Merk sentiu uma sensação de pavor, preparando-se para a luta final da sua vida, ao ser cercado. Todos ao seu redor, guerreiros apertavam as suas espadas, olhando para baixo em pânico.

"HOMENS!" Vicor, o comandante da Merk, gritou. "ASSUMIR POSIÇÕES!"

Os guerreiros tomaram posições ao longo das ameias e Merk juntou-se imediatamente a eles, correndo até a borda, agarrando num arco e numa aljava, como os outros à sua volta, fazendo mira e atirando.

Merk estava satisfeito por ver uma das suas flechas empalar um troll no peito; no entanto, para sua surpresa, a fera continuou a correr, mesmo com uma seta a perfurar-lhe as costas. Merk disparou contra ele novamente, atirando-lhe uma flecha ao pescoço – e, ainda assim, para sua surpresa, ele continuou a correr. Disparou uma terceira vez, acertando-lhe na cabeça e, desta vez, o troll caiu no chão.

Merk depressa se apercebeu que aqueles trolls não eram adversários comuns e não seriam derrotados tão facilmente quanto os homens. As hipóteses deles pareciam estreitar-se. Ainda assim, ele disparou uma e outra vez, atirando ao chão tantos trolls quanto conseguia. Choviam também flechas de todos os seus companheiros soldados, escurecendo o céu, fazendo com que os trolls tropeçassem e caíssem, obstruindo o caminho dos outros.

Mas muitos avançavam. Em pouco tempo alcançaram as grossas paredes da torre, ergueram as alabardas e bateram-nas contra as portas douradas, tentando derrubá-las. Merk podia sentir as vibrações sob os pés, ficando em alerta.

O ressoar dos metais corria pelo ar, enquanto a nação de trolls batia contra as portas implacavelmente. De alguma forma, Merk ficou aliviado ao ver, as portas aguentaram-se. Mesmo com centenas de trolls a irem contra as portas, como que por magia, estas nem sequer pendiam ou mesmo rachavam.

"PEDREGULHOS!", gritou Vicor.

Merk viu os outros soldados a correr para um monte de pedregulhos alinhados ao longo da borda, juntando-se a eles quando todos se aproximaram e içaram um. Juntos, ele e dez outros, conseguiram levantá-lo e empurrá-lo para cima em direção ao topo do muro. Merk, em esforço e a gemer, içou-o com todas as suas forças. Então, finalmente, todos eles empurraram o pedregulho com um grande grito.

Merk inclinou-se juntamente com os outros e viu o pedregulho a cair, assobiando através do ar.

Os trolls lá em baixo olharam para cima, mas era tarde demais. O pedregulho esmagou um grupo deles no solo, achatando-os, deixando uma grande cratera na terra junto da parede da torre. Merk ajudava os outros soldados içando pedregulhos sobre a borda em todos os lados da torre, matando centenas de trolls, com a terra a tremer com as explosões.

No entanto, eles continuavam a aparecer, um fluxo interminável de trolls, irrompendo da floresta. Merk viu que já não tinham pedregulhos; já não tinham setas, também, além de que os trolls não mostravam nenhum sinal de abrandamento.

Merk, de repente, sentiu algo a zumbir perto do seu ouvido. Virou-se e viu uma lança a passar. Ele olhou para baixo e viu, perplexo, os trolls com lanças, arremessando-as para as ameias. Ele ficou surpreso; ele não tinha noção de que eles tinham força para lançar de tão longe.

 

Vesúvio orientava-os. Levantou uma lança dourada e atirando-a alto, em linha reta. Merk viu, em choque, a lança a atingir o topo da torre, não lhe acertando por pouco ao conseguir esquivar-se. Ele ouviu um gemido e viu que os seus companheiros não tinham tido tanta sorte. Vários deles estavam caídos, perfurados por lanças, com sangue a escorrer-lhes pelas bocas.

Ouviu-se um barulho estrondoso, ainda mais perturbador, e, de repente, saído da floresta vinha um aríete de ferro, transportado numa carroça com rodas de madeira. A multidão de trolls separou-se à medida que o aríete rolava para a frente, liderada pelo Vesúvio, diretamente para a porta.

"LANÇAS", gritou Vicor.

Merk correu com os outros para o monte de lanças, sabendo, ao agarrar uma, que esta era a sua última linha de defesa. Ele tinha pensado que iria poupá-las até que os trolls violassem a torre, deixando-lhes uma última linha de defesa, mas, aparentemente, os tempos eram difíceis. Ele agarrou uma, fez mira e lançou-a para baixo, apontando para Vesúvio.

Mas Vesúvio era mais rápido do que parecia e esquivou-se, no último momento. A lança de Merk atingiu, assim, outro Troll na coxa, fazendo-o cair, retardando a aproximação do aríete. Os seus companheiros soldados atiraram as lanças para baixo, matando os trolls que empurravam o aríete, impedindo o seu avanço.

No entanto, assim que os trolls caíram, apareceu da floresta mais uma centena, substituindo-os. Rapidamente o aríete começou novamente a rolar para a frente. Mas eles eram demasiados – e eram todos dispensáveis. Esta não era a maneira dos seres humanos lutarem. Esta era uma nação de monstros.

Merk apanhou outra lança para atirar, ficando consternado por não ver mais nenhuma. Ao mesmo tempo, o aríete chegou às portas da torre, com vários trolls a estender tábuas de madeira sobre as crateras para formar uma ponte.

"PARA A FRENTE!", gritou Vesúvio lá para baixo, longe, com uma voz grave e rouca.

O grupo de trolls avançou e empurrou o aríete para a frente. Um momento depois, o aríete esmagou as portas com tanta força que Merk podia sentir a vibração lá em cima. O tremor percorreu-lhe os tornozelos, magoando-o até ao osso.

Repetiu-se uma e outra vez, abanando a torre, fazendo com que ele e os outros tropeçassem. Ele caiu de mãos e joelhos em cima de um corpo, um companheiro Sentinela, apercebendo-se que ele já estava morto.

Merk ouviu um zumbido, sentiu uma onda de vento e calor. Olhou para cima, não conseguindo compreender o que via: por cima dele voava um pedregulho de fogo. Explosões soaram à sua volta enquanto flamejantes pedregulhos aterravam no topo da torre. Merk agachou-se, olhou por cima da borda, vendo dezenas de catapultas a serem disparadas a partir de baixo, em direção ao telhado da torre. Em toda a sua volta, os seus homens estavam a morrer.

Outro pedregulho em chamas caiu perto de Merk, matando dois Sentinelas que estavam ao lado dele, homens de quem ele tinha começado a gostar. À medida que as chamas se espalhavam, ele conseguia senti-las perto das suas próprias costas. Merk olhou em volta, viu quase todos os homens mortos ao redor dele. Ele sabia que não havia mais nada que ele pudesse fazer aqui, exceto esperar a morte.

Merk sabia que era agora ou nunca. Ele não ia deixar-se ir assim, desta forma, amontoado no topo da torre, esperando a morte. Ele iria para baixo bravamente, sem medo, enfrentando o inimigo com um punhal na mão, cara a cara, matando o maior número possível dessas criaturas.

Merk soltou um enorme grito, agarrou a corda afixada na torre e saltou sobre a borda. Ele deslizou para baixo a toda a velocidade, em direção à nação de trolls lá em baixo e pronto para cumprir o seu destino.

CAPÍTULO QUATRO

Kyra pestanejou ao olhar para o céu, o mundo em movimento por cima dela. Era o céu mais bonito que ela já tinha visto, roxo profundo, com nuvens brancas e macias à deriva no alto, o céu a brilhar com a luz solar difusa. Ela sentiu-se em movimento e ouviu o envolvimento delicado da água ao seu redor. Ela nunca tinha sentido tal profunda sensação de paz.

Kyra olhou para trás e ficou surpreendida ao ver que estava a flutuar no meio de um vasto mar, numa balsa de madeira, longe de qualquer costa. Enormes ondas levantavam delicadamente a sua jangada para cima e para baixo. Ela sentia-se como se estivesse à deriva para o horizonte, para um outro mundo, uma outra vida. Para um lugar de paz. Pela primeira vez na sua vida, ela já não estava preocupada com o mundo; sentia-se envolvida no abraço do universo, como se, finalmente, pudesse baixar a guarda e deixar que tomassem conta dela, protegida de todo mal.

Kyra sentiu outra presença no seu barco e sentou-se, ficando espantada ao ver uma mulher ali sentada. A mulher, envolta em luz, usava vestes brancas e tinha longos cabelos dourados e surpreendentes olhos azuis. Era a mulher mais bonita que Kyra alguma vez já tinha visto.

Kyra sentiu uma sensação de choque ao sentir, com certezas, que esta mulher era a sua mãe.

"Kyra, meu amor", disse a mulher.

A mulher sorriu-lhe, um sorriso tão doce que lhe restaurou a alma. Kyra olhou para ela e teve um sentido ainda mais profundo de paz. A voz ressoou através dela, fazendo-a sentir-se em paz com o mundo.

"Mãe", ela respondeu.

A sua mãe estendeu-lhe a mão, quase translúcida. Kyra estendeu a mão e agarrou-a. A sensação de sua pele era eletrizante e, ao segurá-la, Kyra sentiu como se uma parte da sua própria alma estivesse a ser recuperada.

"Eu tenho estado a observar-te ", disse ela. "E estou orgulhosa. Mais orgulhosa do que alguma vez saberás."

Kyra tentou concentrar-se, mas ao sentir o calor do abraço da sua mãe, ela sentia como se estivesse a deixar este mundo.

"Estou a morrer, Mãe?"

A sua mãe olhou para ela, com os olhos a brilhar, agarrando a sua mão com mais força.

"Chegou a tua altura, Kyra", disse ela. "E, no entanto, a tua coragem mudou o teu destino. A tua coragem – e o meu amor."

Kyra pestanejou, confusa.

"Não ficaremos juntas agora?"

A sua mãe sorriu-lhe e Kyra sentiu que ela estava a deixar-se ir, lentamente, afastando-se. Kyra sentiu uma onda de medo ao perceber que a sua mãe se ia embora para sempre. Tentou agarrar-se a ela, mas esta afastou a sua mão e, em vez disso, colocou a sua palma sobre o estômago de Kyra. Kyra sentiu um calor e amor intensos a percorrê-la, curando-a. Lentamente, sentiu-se a melhorar.

"Eu não vou deixar que morras", respondeu a mãe. "O meu amor por ti é mais forte do que o destino."

De repente, a sua mãe desapareceu.

No seu lugar estava um lindo rapaz, que olhava para ela com uns olhos cinza brilhantes, cabelos longos e lisos, hipnotizando-a. Ela podia sentir o amor no seu olhar.

"Eu, também, não te vou deixar morrer, Kyra", ele ecoou.

Ele inclinou-se, colocou a palma da sua mão no estômago dela, no mesmo sítio onde a sua mãe tinha posto. Ela sentiu uma onda de calor ainda mais intensa a passar-lhe pelo corpo. Viu uma luz branca e sentiu calor a agitar-se dentro dela. Ao voltar a ela, mal conseguia respirar.

"Quem és tu?", perguntou ela, quase a sussurrar.

Afogando-se no calor e na luz, ela não conseguia evitar fechar os olhos.

Quem és tu?, ecoou na sua mente.

Kyra abriu os olhos devagar, sentindo uma intensa onda de paz, de calma. Ela olhou para todos os lados, na expectativa de ainda estar no oceano, para ver a água, o céu.

Em vez disso, ela ouviu o som omnipresente de insetos. Virou-se, confusa, percebendo que estava na floresta. Estava deitada numa clareira e sentia calor intenso a irradiar do seu estômago, onde havia sido esfaqueada. Olhou para baixo e viu uma única mão lá. Era uma bela mão pálida, que tocava no seu estômago, como no seu sonho. Estonteada, ela olhou para cima e viu aqueles belos olhos cinzentos a olhar para ela, tão intensos, que pareciam estar a brilhar.

Kyle.

Ele ajoelhou-se ao lado dela, com uma mão na sua testa. Quando ele lhe tocou, Kyra sentiu lentamente a sua ferida a ser curada, sentiu-se lentamente voltar a este mundo, como se ele desejasse que ela voltasse. Teria ela efetivamente visitado a sua mãe? Teria sido real? Ela sentiu como se tivesse sido suposto ela morrer, mas, de alguma forma, o seu destino tinha sido alterado. Era como se a sua mãe tivesse intervindo. E Kyle. O amor deles tinha-a trazido de volta. Isso e, como a sua mãe lhe havia dito, a sua própria coragem.

Kyra lambeu os lábios, fraca demais para se sentar. Ela queria agradecer a Kyle, mas a sua garganta estava muito seca e as palavras não saíam.

"Shh", disse ele, vendo o seu esforço, inclinando-se e beijando-lhe a testa.

"Eu morri?", conseguiu finalmente perguntar.

Após um longo silêncio, ele respondeu, com uma voz suave, mas, ainda assim, poderosa.

"Tu voltaste", disse ele. "Eu não te deixaria ir."

Era uma sensação estranha; olhando-o nos olhos, ela sentia como se o conhecesse desde sempre. Ela estendeu a mão e agarrou o seu pulso, apertando-o, tão grata. Havia tanta coisa que ela lhe queria dizer. Ela queria perguntar-lhe porque é que ele arriscaria a sua vida por ela; porque é que ele se importava tanto com ela; porque é que ele se sacrificaria para a trazer de volta. Ela sentiu que ele tinha, de facto, feito um grande sacrifício por ela, um sacrifício que, de certa forma, iria magoá-lo.

Acima de tudo, ela queria que ele soubesse o que ela estava a sentir agora.

Amo-te, ela queria dizer.

Mas as palavras não saíam. Em vez disso, uma onda de exaustão tomou conta dela e, quando os seus olhos se fecharam, ela não teve escolha senão sucumbir. Ela sentiu-se a cair num sono cada vez mais profundo, com o mundo a passar por ela. Ela perguntou-se se estaria a morrer novamente. Teria ela sido trazida de volta apenas por um momento? Teria ela estado de volta uma última vez apenas para dizer adeus a Kyle?

E, ao cair finalmente num sono profundo, ela podia jurar ter ouvido algumas últimas palavras antes de adormecer de vez;

"Eu amo-te também."

CAPÍTULO CINCO

O bebé dragão voava em agonia. Cada bater das asas era um esforço, lutando para se manter no ar. Ele voava há horas sobre o campo de Escalon, sentindo-se perdido e sozinho neste mundo cruel onde tinha nascido. Passavam-lhe pela mente imagens do seu pai moribundo, estendido, com os seus grandes olhos a fecharem-se, sendo esfaqueado até a morte por todos aqueles soldados humanos. O seu pai, que ele nunca tinha tido a oportunidade de conhecer, com exceção daquele momento específico da batalha gloriosa; o seu pai, que havia morrido a salvá-lo.

O bebé dragão sentiu a morte do seu pai como se fosse a sua própria. A cada bater de asas, sentia-se mais sobrecarregado pela culpa. Se não fosse por ele, o seu pai podia agora estar vivo.

O dragão voou, destroçado com tristeza e remorso pela ideia de que nunca teria a hipótese de conhecer o seu pai, para lhe agradecer pelo seu ato altruísta de valentia, por salvar a sua vida. Uma parte dele também já não queria viver.

A outra parte, porém, a arder em raiva, estava desesperada para matar os seres humanos, para vingar o seu pai e destruir a terra por baixo dele. Ele não sabia onde estava, mas sentiu intuitivamente que estava a oceanos de distância da sua terra natal. Uma espécie de instinto levava-o a voltar para casa; no entanto, ele não sabia onde era a sua casa.

O bebé voou sem rumo, tão perdido no mundo, a expelir chamas sobre as copas das árvores, sobre qualquer coisa que conseguisse encontrar. Rapidamente, ele ficou sem fogo, começando logo a perder altitude, a cada bater das duas asas. Ele tentou subir, mas descobriu, em pânico, que já não tinha forças. Tentou evitar uma copa de árvore, mas as suas asas já não o conseguiam levantar e ele foi diretamente embater nela, em sofrimento com todas as velhas feridas que não se tinham curado.

Em agonia, ele saltou e continuou a voar, com a sua elevação continuamente a diminuir à medida que ele perdia força. Pingava sangue, que caia como gotas de chuva. Estava fraco da fome, das suas feridas, dos milhares de lanças que lhe haviam espetado. Ele queria continuar a voar, para encontrar um alvo para a destruição, mas sentiu os seus olhos a fecharem-se, demasiado pesados para ele agora. Sentia-se a entrar e a sair da consciência.

O dragão sabia que estava a morrer. De certa forma, era um alívio; em breve, ele iria juntar-se ao seu pai.

Ele despertou com o som do crepitar das folhas e dos galhos a partirem-se e, ao sentir-se esmagado nas copas das árvores, finalmente abriu os olhos. A sua visão estava obscurecida num mundo de verde. Não mais capaz de se controlar, sentiu-se a cair, agarrou-se aos ramos e, de cada vez que o fazia, magoava-se mais.

 

Por fim, abruptamente, ficou preso entre os ramos no alto de uma árvore, muito fraco para lutar. Ficou ali pendurado, imóvel, com demasiadas dores para se conseguir mover, cada respiração a doer-lhe mais do que a próxima. Ele tinha a certeza de que ia morrer ali em cima, emaranhado nas árvores.

De repente, um dos ramos cedeu, ouvindo-se um grande estalo. O dragão caiu. Caiu de ramo em ramo, partindo-os, caindo uns bons cinquenta pés, até, finalmente, cair no chão.

Ficou ali, sentindo todas as suas costelas a estalar, expelindo sangue. Bateu uma asa lentamente, mas não conseguiu fazer muito mais.

Ao sentir a força da vida a ir-se embora, parecia-lhe injusto, prematuro. Sabia que tinha um destino, mas não conseguia entender qual era. Parecia ser curto e cruel, nascido neste mundo só para testemunhar a morte do seu pai e depois para morrer ele próprio. Talvez isso fosse o que era a vida: cruel e injusta.

Ao sentir os seus olhos a fecharem-se pela última vez, o dragão tinha a sua mente preenchida com um pensamento final: Pai, espera por mim. Eu vou ver-te em breve.