Revelando O Rei Feérico

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Revelando O Rei Feérico
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REVELANDO O REI FEÉRICO
BRAMBLES EDGE ACADEMY YEAR 1
BRENDA TRIM
Translated by WÉLIDA CRISTINA DE SOUZA MUNIZ ASSUNÇÃO
Copyright © Fevereiro de 2020 por Brenda Trim
Editor: Chris Cain
Capa: Fiona Jayde

Este livro é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos são produto da imaginação da autora ou foram usados de forma fictícia e não foram construídos como fatos reais. Quaisquer semelhanças com pessoas vivas ou mortas, eventos reais, locais ou organizações é mera coincidência.

AVISO: A reprodução não-autorizada desta obra é ilegal. A violação dos direitos autorais é investigada pelo FBI e é punida com cinco anos em prisão federal e uma multa de US$250.000,00.

Todos os direitos reservados.

Com exceção de breves citações usadas em avaliações, esse livro não pode ser reproduzido ou utilizado no todo ou em partes por quaisquer meios existentes sem a prévia autorização por escrito da autora.

Created with Vellum

DEDICATÓRIA

E assim do nada, sabe… é hora de começar algo novo e de confiar na magia dos novos começos. Este livro é para todos os meus fãs. Obrigada por continuarem nesta jornada comigo e por mergulharem neste novo mundo que eu criei.

CAPÍTULO UM


– Você precisa partir, Ryk. Não pode ficar aqui. Se você não for, eles te capturarão – a mãe, Galina, exigiu enquanto enfiava roupas em uma bolsa de lona que ela tinha pegado no fundo do armário dele.

– Do que a senhora está falando, mãe? Não posso te deixar. Não farei como o papai e te abandonar com os humanos – objetou Ryker.

A mãe parou o que estava fazendo e olhou para ele. Odiava ver as lágrimas brilhando nos olhos cor de lavanda. Ela trabalhou duro para sustentá-lo e protegê-lo da sujeirada de Bramble’s Edge.

A vida da maioria dos seus amigos parecia uma partida de queimada enquanto eles percorriam as ruas da Edge tentando arrumar trabalho, comida ou diversão. Não era fácil ser um feérico no reino de Mag Mell. Bem, o reino costumava ser dos feéricos, mas isso foi antes de os humanos o invadirem.

Depois da invasão, os feéricos da idade da sua mãe foram forçados a ir para a pequena Bramble’s Edge. Lá na Edge, todos os feéricos eram controlados e usados para aperfeiçoamento humano. Ryker não sabia como era a vida antes de toda a raça feérica ser mandada para a Edge, e não se importava muito com isso. Tudo o que queria agora era sobreviver e tomar conta da mãe.

– Não é seguro para você continuar aqui. Prometo que ficarei a salvo.

Ryker atravessou o quarto e puxou a mãe para um abraço. Sua altura a deixava no nível de seu peito. A baixa estatura só aumentou o desejo de ser o protetor dela. A mãe já tinha feito muito por ele. E agora ele finalmente poderia retribuir.

Queria envolvê-la com suas novas asas azuis e pretas e protegê-la de todos os maus-tratos. Por cima da cabeça dela, ele tinha a visão perfeita das asas laranja e amarelo. Parte dele estava aliviada por finalmente ter passado pela transição.

Por anos esteve imaginando quando seus poderes apareceriam. Aos vinte e quatro anos, ele estava na média do desenvolvimento. A maioria dos feéricos atingia esse ponto entre os vinte e um e os trinta anos, sendo que a maioria só passava pela transição aos vinte e tantos anos.

A mãe não era velha para uma feérica. Eles não envelheciam como os humanos, o que ele pensava que os deixava muito emputecidos. Por exemplo, o cabelo louro da mãe não entregava a idade como faria com um humano da idade dela. Tinha mais vida nela do que em qualquer humano de sessenta e três anos.

Sua raça vivia por centenas, senão milhares de anos, e tinha habilidades muito superiores às habilidades comuns dos humanos. É claro, havia alguns com habilidade de premonição, telepatia e outras que tinham a ver com a mente, mas não chegavam nem perto de serem tão poderosos quanto os feéricos.

Ryker acreditava que os feéricos não seriam subjugados para sempre. Precisava acreditar que a sua raça ia acabar retomando o poder. As asas se agitaram em suas costas lembrando-o do porquê de eles estarem tendo aquela conversa.

– Você tem que fugir e encontrar o canal subterrâneo – instruiu Galina. – Seus poderes estão se manifestando. – As palavras dela fizeram Ryker olhar para trás, para as brilhantes asas azuis. Parte dele estava animado por descobrir a estirpe dos seus poderes e das suas habilidades, mas o resto dele estava apavorado. Aquilo mudava tudo, e ele não estava pronto para mudanças.

Quando chegavam à sua força total, os feéricos desenvolviam poderes. Eles tinham a habilidade de controlar os elementos. Alguns eram capazes de criar e usar fogo enquanto outros faziam o mesmo com água, terra ou ar. E havia os poucos que podiam controlar todos os quatro, e também a alma.

– Sim, mas eu posso escondê-los. Não vou te deixar. Assim que aprender a controlar os poderes, pretendo trabalhar para que a senhora não tenha mais que limpar casas na zona neutra.

Uma batida na porta da frente ecoou pelo pequeno apartamento antes de a mãe responder. A mão dela foi para a boca e ela olhou pela janela.

– Saia pela janela enquanto me livro deles.

– Como sabia que eles viriam hoje? – imaginou Ryker. Fazia poucas horas que ele soube que seus poderes estavam se manifestando. O repentino influxo de poder fez suas terminações parecerem circuitos elétricos logo antes de a cor inundar suas asas pálidas. Cada feérico nascia com asas da cor pêssego com leves detalhes mais escuros e quando faziam a transição, elas mudavam de cor. Na maior parte das vezes ficavam pretas ou de alguma outra cor escura.

As luzes no banheiro explodiram quando ele tentou tomar banho e a água foi de quente à fria e então quente de novo em uma corrida vertiginosa. A mãe explicou o que estava acontecendo e que ela pensava que ele seria perito em mais de um elemento, e logo começou a arrumar as suas malas.

– Nada passa batido por eles. Você sabe muito bem, Ryk. Vá agora – ela o enxotou para a janela. – Encontre a peridun do outro lado do bordel. Ela te levará até o subterrâneo. Eu amo você.

Ryker jogou a bolsa sobre o ombro e seguiu para a janela antes que pudesse repensar a sua partida. Não desejava ir para o Conservatório Bramble’s Edge Academy. Todo mundo que passava por lá saía como escravo.

– Eu vou voltar – prometeu.

A voz da mãe soou alta na morada humilde enquanto ele erguia a vidraça. Passos ecoaram no segundo em que a janela rangeu em protesto. Ryker saltou pela janela imediatamente. O prédio ao lado estava a pouco mais de um metro de distância e ele quase escorregou no rebordo cheio de fuligem em que pousara.

– Pare. Não tente resistir – ordenou um macho, desde a janela aberta. Ryker ficou de pé na minúscula sacada e abriu as asas em resposta. O feérico xingou e se arrastou pela janela atrás dele. Ryker odiava ficar com raiva ou brigar com os de sua espécie.

Sempre que via a polícia patrulhando a Edge, imaginava quantos deles queriam estar fazendo aquilo. Seu instinto dizia que, agora, nada era o que parecia naquele mundo. Desconsiderou os rumores sobre o estado do resto do reino junto com os de como os humanos chegaram ao poder. Devia ter mais em jogo.

Ryker rosnou e agachou para alçar voo. O som de metal o fez parar antes de sair.

– Puta merda – xingou enquanto batia as asas e tentava voar para longe. Infelizmente, não foi rápido o bastante.

Seus pulsos caíram para a lateral do corpo no segundo em que as algemas mágicas entraram em contato com a pele. Caindo de joelhos, Ryker tentou se livrar das contenções. Precisava se libertar ou iria terminar no Conservatório.

Do canto do olho, notou vários vizinhos pairando dentro de suas casas observando o que se passava. Queria mostrar que os feéricos podiam lutar, mas estava impotente para fazer qualquer coisa, exceto suar enquanto a dor em seu torso aumentava.

A faixa mágica envolvia o seu peito e prendia suas mãos. Quanto mais lutava, mais dor irradiava do metal. Queimava-lhe a pele, fazendo-o imaginar se o aço tinha se fundindo com os seus ossos depois de a eletricidade vir comendo a sua pele.

– É inútil, Ryker. Desista. Será mais fácil se vier por vontade própria – disse o macho.

Erguendo os olhos verdes, Ryker notou que o macho estava mais perto e ficou chocado ao perceber que o conhecia. Não havia como confundir aqueles olhos azuis e o cabelo vermelho, ou as asas rubro-negras.

– Aidan? É você?

– Sim. Sou eu. Olha, você precisa ficar calmo. A mágica vai dissipar se você parar de lutar. O Conservatório não é tão ruim quanto ouvimos quando crianças. Você aprenderá a controlar seus poderes. Sem instruções, você não pode esperar canalizar e dominar suas habilidades.

Ryker quis zombar do amigo de infância. Parecia que ele recitava uma mensagem ensaiada. Era impossível esquecer as histórias que ouviram dos estudantes sendo mutilados pelas práticas de ensino de lá. E, às vezes, até pior.

O problema era que, sem acesso à tecnologia, não havia como saber a verdade, a não ser indo para a escola. A malandrice que o atraíra para Aidan agora estava completamente ausente. Aquilo devia significar alguma coisa, não é?

– Ryker – a mãe soluçou de dentro do banheiro. Outro macho estava com as mãos nos ombros dela, e se erguia acima da pequena forma com ombros fortes e um olhar feio. A ameaça era evidente. E, aquilo fez a náusea agitar as suas vísceras.

 

Ryker esquadrinhou a área rapidamente, e pesou as opções. A área de pedras em ruínas onde os feéricos viviam era urbana e um anátema para o que dava energia a sua espécie.

As velhas lendas diziam que os feéricos criaram Brable’s Edge como uma zona de comércio, mas a área de quinze quarteirões era rodeada por plantas e animais que alimentavam o seu poder. Ryker nunca tinha visto o reino, pois os feéricos não podiam ter acesso a equipamentos ou computadores. Tudo o que sabia era que os humanos viviam de forma muito diferente da deles.

Costumava acompanhar a mãe até as casas que ela limpava para humanos comuns. Eles tinham telas enormes que exibiam filmes e outros equipamentos que ele sequer imaginava o que eram. Diziam que os ricos tinham ainda mais coisas.

Havia apenas uma opção se quisesse escapar e encontrar uma forma de melhorar a posição do seu povo. Ficou de pé. Ryker empurrou o balcão e bateu as asas.

Felizmente, elas estavam abertas quando as algemas de contenção o prenderam ou não teria escolha a não ser a de ir com eles. No ar, ele teve uma visão melhor da Edge. A seção dos centauros era a um quarteirão e meio dali e os condomínios de apartamentos pequenos dos Barghests rodeavam os estábulos do outro lado.

Chamar a área em que os centauros moravam de estábulo era ser bonzinho. Era mais uma ruela cheia de feno e uma área maior para cozinhar. O único abrigo para protegê-los da chuva e da neve era um teto e duas paredes. O prédio dos Barghest servia como os fundos das casas, sendo que a frente era completamente aberta.

Ryker precisou se esforçar muito para voar acima dos prédios altos, mas quando conseguiu, teve um vislumbre do Conservatório e do mar adiante. Se pudesse chegar à água, então talvez fosse capaz de voar pela costa até chegar a uma área livre do controle humano.

Você enlouqueceu? Não há nada além de terra abandonada. Você não é um suicida, seu idiota. A consciência o repreendeu no segundo em que pensou naquilo. Não, não era suicida, mas os outros machos também tinham alçado voo, então não teve muito tempo para mudar de ideia.

Quando passou pela área dos Asrai, pensou que talvez conseguisse fugir. Tentou dar ouvidos ao instinto para decidir o que poderia ser capaz de fazer. Seria ótimo se conseguisse se fundir com as sombras. Não que tivesse muitas sombras naquela hora, disse a si mesmo. A invisibilidade seria perfeita para ajudá-lo a escapar.

– Ryker, você precisa desistir. As autoridades já foram notificadas – Aidan gritou atrás dele. Claro, um segundo depois uma sirene alta soou por toda Edge fazendo duendes e fadas buscar abrigo.

A faixa agora comprimia a sua cintura, fazendo com que fosse difícil respirar. A agonia fez pontos de luz dançarem em suas vistas. Ryker aumentou a velocidade e se esquivou do ataque que Aidan lançou em seu caminho.

A espiral caiu inútil no chão e provocou uma chuva de faíscas.

– Podemos ir ainda mais longe, Aidan. É só você me deixar ir embora.

– Eu não posso. Está claro que seus poderes estão descontrolados e tomando as rédeas do seu comportamento, Ryker. Pare e pense no que está fazendo.

A imensa estrutura de pedra se avultou à distância, distraindo Ryker. Estava longe demais para enxergar os detalhes, mas era óbvio que inúmeros estudantes estavam reunidos no gramado na frente do Conservatório observando o que se passava.

Não havia nada óbvio sobre a instituição para lhe dizer que estaria em perigo caso fosse para lá. Ao longo da vida, a mãe lhe contou inúmeras vezes o que aconteceu durante a guerra contra os humanos e a subsequente ruína.

O pior foi o assassinato do rei e da rainha feérica, o que deixou o povo vulnerável. Sem ninguém para tomar o manto do rei, eles ficaram indefesos. Era comum Ryker imaginar como a vida seria se eles tivessem um soberano. Os humanos não iriam dar meia-volta e fugir, mas precisava acreditar que um rei lhes daria mais uma barreira de defesa.

As asas estavam ficando pesadas com o esforço ininterrupto, mas ele se recusava a desistir àquela altura. Um barulho vindo de trás forçou Ryker a extrair cada grama de energia que ainda tinha e direcioná-la para as asas.

Ele se lançou para a frente e voou mais rápido com o esforço. Balançou no ar como um mosquito bêbado. De repente, facas fatiaram suas asas, roubando toda a sua atenção. Virando a cabeça, notou que não tinha sofrido ferimentos visíveis, mesmo que parecesse ser o caso.

Foi dito a cada jovem feérico que não deveriam voar para longe, porque havia uma barreira ao redor da Edge. Até aquele momento, a informação não passava de uma historinha para os pequenos. À medida que suas asas ficavam dormentes e paravam de bater, Ryker percebeu a dolorosa verdade sobre os poderes controlarem a vida deles.

Aidan e o outro feérico voavam em círculos e observaram enquanto Ryker caía no chão em um emaranhado de asas. Com os braços presos na lateral do corpo, não havia nada para amortecer a queda.

Quando bateu no chão duro, a vista ficou preta por vários segundos. Uma asa ficou debaixo dele enquanto as costelas batiam com força suficiente para estilhaçar as pedras.

O estalo foi logo seguido pela agonia. Cada centímetro do corpo doía, e tinha certeza absoluta de que nunca mais seria capaz de voltar a usar a asa esquerda. Felizmente, a escuridão o emborcou e o engoliu.

Pouco antes de perder a consciência, ouviu os policiais reclamando do quanto os feéricos em transição andavam difíceis aqueles tempos.

Porque estamos cansados pra caralho de ser escravos dos humanos. Pensou.

CAPÍTULO DOIS


O estômago estava revolto, Maurelle se demorou no banheiro para se assegurar de que o resto do que comeu no café da manhã decidisse voltar. Abriu a janela e desfrutou da brisa fresca de outono que soprou no pequeno cômodo. Aquilo recarregou suas baterias de uma forma que não entendeu muito bem, mas que amou mesmo assim.

Apoiando as mãos na pia, ela se encolheu quando viu as olheiras sob os olhos cinzentos e a confusão de nós oleosos que era o seu cabelo cor de rosa. Não parecia nada com a feérica vibrante que normalmente era. Até mesmo as asas rosa e turquesa estavam desbotadas.

Desde que seus poderes se manifestaram um ano atrás, ela foi relegada à casa porque não havia como não reparar na cor berrante das suas asas. Não que o desbotamento momentâneo significasse que ela poderia se aventurar fora do pequeno apartamento da família. Era óbvio que estava em transição, e era seu dever reportar para o Conservatório Bramble’s Edge Academy.

– Já está saindo daí? – chamou a irmã, Nyx, do outro lado, enquanto batia na porta. – Preciso arrumar o cabelo para ir almoçar com o Alek.

Maurelle revirou os olhos para a pressa da irmã e desejou não ter revirado quando o ato enviou uma dor lancinante à sua nuca. Tudo para as irmãs mais novas tinha que ser para ontem, mas especialmente para Nyx, que era quatro anos mais nova que Maurelle. Ela se lembrou de como era sair para almoçar com um macho bonitinho aos dezoito anos.

– Acabei – coaxou Maurelle, ao abrir a porta.

– Eca. Sai para lá. Parece que a peridun da rua dez jogou um feitiço em você. Não quero pegar o que quer que você tenha pegado – informou Nyx, enquanto ela se afastava dela, meio que dançando.

– Valeu, Nyx. Amo você também – murmurou Maurelle, enquanto percorria o curto corredor. Pela centésima vez no último ano, Maurelle estava grata pelo pai ter um trabalho tão bom na Edge.

Na teoria, ele trabalhava em Furness, a área nos limites das favelas da Edge onde os humanos de classe-média viviam. Até mesmo as pessoas mais pobres da Furness levavam uma vida melhor do que qualquer feérico. Eram ignorantes aos sofrimentos dos feéricos. Ajudava o fato de a Edge estar separada dos humanos por arbustos de amoreiras espinhentas tão espessos que grande parte dos feéricos não podia se esgueirar por ali.

Seria bacana se o talento do pai lhes garantisse um imóvel em Furness, ou até mesmo em Dornwich. Infelizmente, não havia a menor possibilidade de o pai conseguir uma loja na área da elite humana em Dornwich, porque mesmo que os opulentos quisessem os relógios de pulso e de parede do pai, eles não o queriam perto deles, sob hipótese alguma.

A renda do pai permitia que vivessem perto de Furness, o que lhe dava uma ótima vista da seção dos humanos além das amoreiras. Partia-lhe o coração saber que os humanos viviam naquelas casas tão boas. A maior parte deles morava sozinho nas casas enquanto os feéricos ficavam entulhados nos prédios lotados que não podiam consertar ou conservar.

Embora os feéricos usassem mágica para fazer o que podiam na Edge, os humanos gostavam do seu setor imaculadamente limpo. Já os feéricos preferiam as coisas um pouco mais selvagens. As pedras lisas das ruas dos humanos eram muito certinhas e pouco atrativas para Maurelle.

Eles podiam não ter muito, mas cada feérico adicionou um pouco da própria magia para delinear as pedras das ruas com grama e flores, dando uma aparência mais bonita ao chão. Os anciãos, como a sua mãe, que eram feéricos da terra, usavam os talentos para conjurar videiras que ajudavam a segurar as paredes dos prédios em piores condições. Vez ou outra, os humanos matavam a grama e as flores e derrubavam as videiras. Maurelle chegou à conclusão de que eles não queriam que os feéricos ficassem confortáveis demais.

Parou à porta aberta do quarto, pensou em se deitar, mas Erlina estava ouvindo música na cama, então Maurelle foi para a sala. A mãe olhou para cima e sorriu para ela.

– Oi, docinho. Como está se sentido?

– Não muito bem – respondeu Maurelle. – Com o meu estômago e minha cabeça, já estou pronta para me deitar toda encolhida.

– Fiz chá de gengibre para você. Posso ir lá embaixo e pegar um pouco de matricária para ajudar com a dor de cabeça – ofereceu a mãe. Não que a botica ficasse muito longe, mas Maurelle odiava ser um fardo maior do que já era.

Sacudindo a cabeça, Maurelle foi até o sofá.

– Está tudo bem, mãe. O chá vai cair muito bem.

Não podia sair de casa agora que estava em transição. Se saísse, acabaria sendo arrastada para o Conservatório. Os pais foram para lá quando os poderes se manifestaram, mas as coisas tinham mudado quando os humanos tomaram o poder.

A mãe e o pai disseram que os feéricos não eram mais os mesmos depois que saíam do Conservatório. Não conseguiam explicar bem, mas não queriam que ela servisse aos humanos e reprimisse os da sua espécie.

Maurelle gemeu enquanto se sentava no sofá. A mãe chegou um segundo depois trazendo o chá.

– Obrigada, mãe – agradeceu e bebericou a mistura quente. Era mais fácil agora ignorar as impressões que teve com a xícara.

Um ano atrás ela não podia tocar nada sem ser bombardeada com visões do passado. Até então, a única habilidade que se manifestou para Maurelle foi a psicometria, e era grata por isso. Não podia imaginar como seria lidar com mais de uma coisa por vez.

E por falar em esquisitice, lembrou… Momentos depois de as asas criarem cor e a eletricidade percorrer o seu sistema, ela tinha ido até a geladeira para pegar uma bebida e teve uma visão do pai dando uns amassos na mãe. Nenhum filho quer ver o pai tendo intimidade com a mãe.

Uma batida na porta interrompeu os devaneios de Maurelle. Chegando à conclusão de que fosse Alek procurando Nyx, ela continuou bebendo o chá. A cabeça virou de repente quando ouviu vozes masculinas raivosas.

– Sua filha virá conosco! – um macho informou à mãe dela.

O pior pesadelo de Maurelle se desdobrava diante de seus olhos. Pela primeira vez na vida, desejou que os feéricos pudessem ter acesso a equipamentos tecnológicos de comunicação para que pudesse ligar para o pai. O único pensamento que Maurelle teve enquanto olhava para o feérico de cabelos vermelhos foi que ele estava lá para levá-la e que ela deveria fugir.

Não tinha ideia de para onde poderia ir, isso se conseguisse escapar. Todo feérico tinha ouvido os rumores sobre o subterrâneo, mas ela não sabia onde era ou para onde aquilo a levaria. Não havia nada fora de Bramble’s Edge e dos assentamentos humanos.

– Vocês não podem levar a minha filha! Ela está doente e não pode ir para o Conservatório agora – a mãe tentou argumentar com o policial.

Nyx e Erlina vieram correndo pelo corredor e pararam de repente quando viram os policiais. Os olhos verde-claros idênticos encontraram os de Maurelle, mostrando o quanto elas estavam aterrorizadas.

 

– Voltem – disse a elas, sem fazer som, e fez sinal para elas saírem dali.

– A doença não a dispensa do Conservatório. Ela precisa vir conosco agora! – ordenou o mesmo policial.

Jogando a xícara de chá no macho, Maurelle saiu correndo pelo corredor. Nyx e Erlina saíram da frente quando ela passou. Prosseguiu até o quarto dos pais e pegou um par de sapatos da mãe enquanto passava.

Um grito a fez virar a cabeça a tempo de ver as irmãs paradas no meio do corredor. Nyx tinha aperfeiçoado o olhar esnobe e arrogante enquanto cruzava os braços sobre o peito e olhava feio.

– Deixe minha irmã em paz – gritou ela.

Maurelle quase riu ao ver Nyx ajustar as mãos para fazer com que os seios ficassem mais juntos e empinados. Uma técnica de distração que raramente falhava. Em especial com feéricos machos. A espécie era muito lasciva.

Não foi algo que os pais já tivessem lhe dito, mas não precisavam porque o desejo furioso era o bastante para dizer a Maurelle o quanto o sexo seria importante para ela. Nyx estava naquele estágio, e por isso que estava afoita para ir almoçar com Alek.

Ter o escape do sexo abrandava os feéricos e os ajudava a ficar estáveis. Maurelle tinha certeza de que sua falta de parceiros era uma das razões para estar doente. Não havia escape para equilibrar os seus poderes. Nada para ajudar a liberar a energia.

O queixo caiu quando o policial feérico não prestou a mínima atenção em Nyx. Assim que o macho tirou a irmã da frente, Maurelle se afastou da janela. Jogou um dos sapatos e ele atingiu o macho na cabeça. Erlina começou a chorar e se pressionou na parede de frente para a que Nyx estava.

A cabeça de Maurelle latejou por causa de toda a agitação, fazendo seu estômago embrulhar. Com a bile na garganta, ela correu na direção do macho. Podia ouvir a mãe discutindo com o outro na sala, mas tinha que se concentrar no que estava no quarto com ela.

O olhar de fúria no rosto dele a fez dar um passo para o lado, colocando a cama king size entre eles.

– Você não escapará de nós. É melhor desistir de uma vez.

Balançando a cabeça, buscou uma forma de escapar daquela confusão. Se conseguisse chegar à janela, poderia voar. Não tinha certeza do quão longe poderia ir com a cabeça latejando e o estômago revirado, mas não ia se entregar.

Quando o macho saltou para as suas pernas, ela pulou e gritou quando o desconforto aumentou. Chutou o Feérico por instinto. Devia ser uma cena engraçada, pensou enquanto os braços se agitavam no ar e os cabelos emaranhados giravam ao redor do rosto.

O pé foi de encontro à lateral da cabeça dele e estalou. Seguindo ao ataque incompleto, ela agarrou o cabelo dele. O braço do macho bateu no seu peito e a arremessou pelo quarto.

As costelas bateram na penteadeira com mais força do que Maurelle pensava ser possível. A mão varreu as bugigangas de vidro da mãe e as mandou para o chão. E logo veio o barulho de vidro quebrado. Ela se encolheu por causa do som e da forma como eles se partiram quando foram de encontro ao piso de madeira.

– Maurelle – gritou Nyx.

Maurelle levantou a cabeça e viu o feérico pulando por cima da cama e pousando bem ao lado dela. Ele levou a mão para trás e puxou um gancho de prata. A eletricidade que faiscava do objeto, fez a sua boca ficar seca.

A resolução se renovou quando começou a mover e impulsionar os cotovelos para todos os lados, esperando quebrar o nariz dele. Um dos braços do policial a envolveu pela cintura, pressionando seu estômago com tanta força que ela temeu que fosse acabar vomitando.

Com a mão livre, ele levou a prata até a boca e murmurou uma palavra que a fez tremer. Antes que soubesse o que estava acontecendo, ele a atingiu com aquilo nas costelas. O metal mudou de forma e envolveu o seu torso.

Pelo xingamento, ele esperava que aquilo a prendesse em um lugar diferente. As asas ficaram livres, assim como as mãos. Ela agarrou o metal com a intenção de puxá-lo de si.

No segundo em que a mão tocou o objeto, o quarto dos pais e o feérico em cima dela desapareceram. Como sempre acontecia quando usava os poderes, não pôde se concentrar em nada por vários segundos.

A única coisa que percebeu antes de a visão clarear foi a impressão geral da memória a qual estava tendo acesso. O que quer que a esperasse do outro lado, tinha causado muito medo, e determinação.

Supôs que não deveria ficar surpresa, já que a arma era usada por um coletador. O coletador podia ser feérico, mas agora era óbvio para Maurelle que eles não tinham um pingo de empatia ou até mesmo de identidade individual.

Foi estranho o bastante para fazê-la imaginar o que acontecia no conservatório para apagar completamente a personalidade de alguém. Pela forma que os pais descreveram sua época na universidade, ela não tinha dúvida de que agora o estabelecimento era algo bem diferente.

Quando a neblina deixou a sua mente, ela olhou para o macho feérico mais maravilhoso que já viu na vida. Será que foi a seca ou o desejo sexual desenfreado que a fez achar o macho da sua visão tão bonito?

Não, decidiu enquanto tinha um vislumbre dos traços bem marcados e dos olhos verdes profundos e deslumbrantes. O cabelo negro estava bagunçado em volta da cabeça e um pouco mais longo sobre a testa.

O olhar de determinação ecoava o que ela sentiu no momento em que os policiais apareceram na sua casa. O coração começou a bater com força quando ele rosnou e se elevou no ar um segundo depois. Ela queria gritar um aviso para ele.

Com as mãos presas na lateral do corpo, não havia como ele ir muito longe. O mesmo equipamento brilhava ao redor da cintura dele, fazendo-a perceber que ele tinha sido usado naquele macho pela última vez.

Quanto mais ele se afastava do feérico que a atacou, mais a garganta dela se apertava. Se ele tivesse conseguido escapar, aquela coisa não estaria nela naquele momento. O voo falhou quando ele olhou para trás, para o macho que agora o perseguia pelo céu.

Quando o oceano apareceu, Maurelle prendeu o fôlego. O Conservatório era exatamente como os pais o descreveram. Os enormes prédios de pedra rodeados pela vegetação exuberante com amoreiras espinhentas de um lado e o oceano ao fundo.

A enorme quantidade de fagulhas a distraiu da vista. O olhar foi desviado no minuto em que o macho atraente bateu em uma barreira invisível no céu. Ninguém jamais contou a Maurelle o que aconteceria exatamente caso ela resolvesse voar para longe, só disseram para não tentar, se não ela se arrependeria.

Observou a asa dele acender como se tivesse sido atingida por um raio logo antes de ele cair com força do chão. Aquilo fez a náusea aumentar. Observou com os olhos arregalados e o coração acelerado enquanto ele atingia o solo.

Podia jurar que o impacto estremeceu a terra onde ele pousou. A asa estava dobrada em suas costas e a lateral do corpo sangrava. A cena era tão pavorosa que ela duvidava que o macho fosse se recuperar.

Relutante em ficar tão vulnerável com os dois policiais na sua casa, Maurelle forçou a mente a abandonar a visão e a voltar para casa. A cabeça estava sendo rachada por uma picareta e a bile preencheu as suas narinas.

Foi quase impossível abrir os olhos, já que eles pareciam estar colados. Quando conseguiu, o macho de cabelo vermelho a arrastava do chão. Uma mão segurava o dispositivo e a outra o seu braço.

As irmãs se abraçavam e choravam. Maurelle tropeçou junto com o policial que a segurava. A desorientação causada pela visão durou mais que o normal. Não tinha ideia se era porque tinha sido forçada a abandoná-la ou se era porque estava doente. Podia ouvir a mãe implorar para que eles a deixassem, mas o outro macho se recusava a ouvir.

– Vai cooperar agora?

Maurelle tentou escapar das mãos do policial que apertava o seu braço com força, mas viu a ação interrompida quando a mão se recusou a levantar. Um rápido olhar para baixo lhe mostrou que, de alguma forma, os pulsos tinham sido incorporados pelas algemas.

– Não. Você não vai levar a minha filha – soluçou a mãe, enquanto Maurelle era arrastada pela casa. A mãe atacou o macho que a segurava e, mais uma vez, o tempo passou mais devagar para Maurelle.

No segundo em que a mãe tentou alcançá-la, o outro macho ergueu um longo bastão preto liso e atacou. O objeto entrou em contato com a cabeça da mãe emitindo um ruído alto. As irmãs gritaram com ela enquanto a cabeça da mãe caía para o lado e o sangue espirrava na parede.

– Que porra você fez? – gritou o policial que a segurava.

Aquilo só podia ser um pesadelo, Maurelle pensou enquanto observava a mãe caída no chão. Parte do crânio dela tinha sumido, e os olhos castanhos e inexpressivos olhavam para o nada.