Cativeiro

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Ela tinha a sensação de que aquela porcaria estava prestes a atingir o ventilador e que ela se encontrava em pé, na frente dele, coberta de estrume.

Capítulo Três

— Entre — vociferou Jim, por detrás da porta fechada do escritório.

Liv se encolheu com a voz rude e tentou decifrar o humor dele. Não queria ser questionada sobre o que viu com os shifters. Havia ficado obsessiva com o encontro da tarde anterior e a tequila não ajudou em nada além de lhe dar dor de cabeça. E ela que pensava que era de uma marca decente. Então, mais uma vez, elas beberam a garrafa inteira.

Desistindo de seu exame, Liv abriu a porta e foi recebida por uma expressão solene. Aparentemente, ele estava irritado. Não era o dia certo para chegar ao trabalho sem ter dormido e de ressaca.

Entre o incidente no laboratório, a bebida e a mensagem de texto de seu chefe, ela não havia fechado os olhos. Tomou três xícaras de café antes de sair de seu apartamento, esperando que isso a ajudasse a se concentrar. Infelizmente, ao ouvir a agitação de Jim, havia uma alta probabilidade de vomitar o café.

A grande questão era se Jim estava ciente do possível duplo homicídio e, mais importante, se ele sabia que ela os havia testemunhado. Ela fechava e abria os punhos ao lado do corpo, enquanto seu coração dava a impressão de ser um boneco de molas em uma caixinha de surpresas, pronto para saltar do peito a qualquer momento. O suor escorria por sua espinha enquanto ela caminhava em direção à mesa dele.

— Bom dia, Jim. Espero não tê-lo deixado esperando — gaguejou, odiando o tremor em sua voz.

Se o cara não soubesse os detalhes da noite anterior, em breve saberia. A culpa devia estar estampada em todo o seu rosto. Ela sabia que sua expressão gritava: estou escondendo algo, em grandes letras de néon. Ser evasiva e usar de subterfúgios não eram seus pontos fortes.

Mesmo quando criança, Liv não conseguia escapar através da mentira. Uma declaração acusatória e ela cederia, contando tudo e confessando seus pecados. É claro que, quando criança, seus pecados consistiam em não escovar os dentes antes de dormir, roubar um biscoito ou não terminar o dever de casa.

Agora, ela havia avançado para crimes muito maiores, envolvendo brutalidade e assassinato. Não havia participado, mas ficou inerte enquanto um shifter estava sendo brutalizado e depois viu o homem retaliar, tirando vidas.

Oh, inferno. Liv não considerou o que isso poderia significar para ela. Poderia ir para a cadeia? Ela se amaldiçoou por não ter chamado a polícia. O que a polícia faria com ela por permanecer calada? Isso fazia dela uma cúmplice? Oh, Deus, ela seria presa.

Sua mente girava com as possibilidades. Havia se prendido à ideia, na noite anterior, de que Jim iria lhe poupar, e agora ele a demitiria e, depois, a entregaria à polícia.

Sua respiração ficou irregular e a cabeça girou. Droga, ela precisava se sentar antes de desmaiar. A bebida cafeinada chacoalhava e agitava seu estômago. Ugh. Graças a Deus, ela não havia conseguido comer nada de substancial naquela manhã ou estaria jogando-a na cesta de lixo de Jim antes que ele pronunciasse a primeira palavra.

— Bom dia. Estou aqui há um tempo, mas não por sua causa. Obrigado por vir em um domingo. Por favor, sente-se — ofereceu, com um gesto rápido para a cadeira em frente à sua mesa.

Liv caminhou até a poltrona de couro preto e sentou-se.

— Cuidei do problema do ar condicionado que você me relatou em uma mensagem ontem. Espero que não tenha sido muito difícil trabalhar. Conseguiu fazer alguma coisa? — continuou Jim, erguendo uma sobrancelha curiosa.

O homem forte estava sentado atrás de sua grande mesa, com os braços cruzados sobre o peito. Ele era grande e corpulento, para não dizer intimidador.

Era sério que ele a chamara para perguntar sobre trabalhar no calor? Ele sabia que não devia questioná-la. Ela havia sido a funcionária do mês mais vezes do que se lembrava. Fugir dos deveres não fazia parte da composição genética de Liv.

Ele estava testando-a para ver o que ela sabia? Os olhos azuis escuros dele não davam pistas sobre seus pensamentos interiores. O homem conseguia fazer uma tremenda cara de paisagem, e ela pensou em lhe sugerir que ele jogasse cartas em vez de golfe.

— Hum, na verdade o calor estava insuportável e terminei mais cedo. Sem dúvida, ele está funcionando agora — expressou ela, esfregando os braços, com frio.

Estava gelado no escritório de Jim e um calafrio percorreu a espinha dela. Era verdade que seus tremores tinham mais a ver com o medo que sentia de que ele a despedisse e a entregasse à polícia.

— Olivia, gosto de você, realmente, e é por isso que você precisa parar enquanto está vencendo — aconselhou ele, estreitando os olhos enquanto se inclinava para a frente e apoiava os cotovelos na mesa.

— Não sei se estou entendendo bem o seu raciocínio, senhor — respondeu ela com cautela, descruzando as pernas e remexendo-se na cadeira.

Torcendo as mãos no colo, Liv sentiu um rubor nas faces. Nossa, ela era patética. O desejo de confessar agitava seu estômago. Se não vomitasse a verdade, tinha certeza de que desmaiaria.

— Vamos ser francos, não é? — perguntou ele. — Cheguei ontem à noite para acabar encontrando dois homens mortos em um dos laboratórios. Você pode imaginar meu choque e preocupação. Não é o tipo de coisa que precisamos vazar para a mídia. Esta é uma empresa respeitável e eu gostaria que continuasse assim. Agora, por que estou compartilhando isso com você? Bem, digamos que revi as fitas de segurança da noite passada. Quer conversar sobre o que viu? — perguntou Jim.

O tom dele perdeu a aspereza e seus olhos se arregalaram de preocupação. Liv se perguntou se a preocupação que ela via no rosto dele era sincera. Ele não parecia aborrecido ou preocupado por dois homens estarem mortos. Ela não viu remorso, o que era alarmante.

— Sr. Jensen, juro que não estava bisbilhotando. Estava a caminho da sala de descanso quando notei uma porta aberta. Esperava que outra pessoa estivesse trabalhando e pudesse me ajudar com o problema do ar — despejou ela, quando finalmente as comportas se abriram e as palavras saíram de sua boca.

— Está bem. Não estou acusando-a. Você deve ter perguntas sobre o homem acorrentado. Por favor, sinta-se à vontade para dizer o que estiver pensando — persuadiu ele, com um sorriso de escárnio, antes de rapidamente mascarar sua expressão.

Os cabelos na nuca de Liv se arrepiaram. Ela precisava proceder com cautela até descobrir a verdadeira intenção dele. O seu instinto lhe dizia que sua vida estava em risco. O perigo vinha dele, não da polícia. Ele sabia dos abusos ocorridos em seu laboratório e os tolerava. O que isso dizia sobre o chefe dela? Nada de bom.

— Bem, não vou mentir. Ver aquele homem acorrentado e espancado foi chocante, horrível — murmurou ela, sabendo que ele vira sua reação inicial na fita. — Por que estamos mantendo-o contra sua vontade? O que ele fez para merecer esse tratamento? — perguntou ela, esperando não ter cruzado nenhuma linha com seu desafio.

— Você está ciente de que ele é um shifter? — perguntou ele, incrédulo, como se isso explicasse tudo.

— Sim, mas isso não me responde por que estamos mantendo-o prisioneiro — admitiu ela, enquanto se levantava da cadeira.

Seu sangue acelerou nas veias e sua raiva esquentou, sabendo que aquele homem poderia considerar as ações do guarda como justificadas. O shifter estava agindo puramente em legítima defesa. Sim, ele parecia mais um animal raivoso, mas quem não seria assassino sob aquelas condições? De repente, seu senso de autopreservação voou pela janela.

— Olivia — interveio ele, levantando-se da cadeira, contornando a mesa e agarrando as mãos dela. Elas estavam frias e úmidas e, sem pensar, ela as puxou das mãos dele.

Estreitando os olhos, ele continuou:

— Sei que você está ciente sobre a nossa pesquisa contínua sobre câncer, para encontrar uma cura para a doença mortal. Esse é um dos pilares desta empresa. Dito isto, devemos realizar experiências e pesquisas difíceis para obter as respostas que buscamos.

Conhecer os pilares deles? Claro que sim. Era um dos queridinhos dela. Ela tinha milhares de horas investidas no arquivo número 4467557. Sem mencionar que ela havia perdido a avó por causa de um câncer de ovário quando tinha apenas dez anos de idade. Observá-la definhar e morrer, uma sombra da mulher que havia conhecido deixara uma marca indelével.

Liv esfregou o anel com pedra de ametista na mão esquerda enquanto pensava na avó. Era a única joia que sua avó usava, e ela a entregara à mãe de Liv para que a guardasse até Liv completar dezoito anos. Foi o amor e a devoção de Liv por sua avó que a deixaram tão determinada a encontrar uma cura para a doença.

— Claro que estou ciente. O que isso tem a ver com o shifter? — perguntou ela, sem saber o que Jim estava querendo com aquilo.

— Temos motivos para acreditar que o sangue de um shifter é a chave. Todo mundo sabe que eles têm uma capacidade superior de cura. Estamos no caminho certo… sei disso. Olivia, podemos estar à beira de uma descoberta. Imagine o reconhecimento que minha empresa, nossa empresa, receberia se fôssemos os primeiros a encontrar a cura — vangloriou-se ele, entusiasmado, sorrindo de orelha a orelha.

Mais uma vez, o cabelo da nuca de Olivia se arrepiou. Algo não estava encaixando. Ela desejava a cura tanto quanto qualquer pessoa, mas não às custas dos outros. Lembrou-se do shifter gritando com ela, recusando-se a lhe dar sangue ou a qualquer outra pessoa.

 

Como o LPP encontrou aquelas cobaias? Era contra a lei fazer experimentos em humanos, até mesmo em shifters. Ela não conseguia imaginar aqueles homens respondendo a um anúncio para ganhar dinheiro extra doando seu sangue. Além disso, nenhum dos homens que ela viu estava ali voluntariamente. A única maneira de obter respostas era voltar para a sala onde estava o shifter e conversar com ele. E Jim era seu bilhete de entrada.

— Que notícia maravilhosa, Jim. Nada me agradaria mais do que encontrar uma cura. Muitas vidas foram perdidas. O que exatamente você está me dizendo? Como conseguiu permissão para que esses shifters participassem e por que a situação é tão instável? Ele está se recusando a cooperar? É por isso que está acorrentado? — perguntou ela, tentando uma aliança com Jim.

— Sim e não — afirmou ele, exalando e ignorando completamente a pergunta sobre a legalidade do estudo. — O homem que você viu afirma que seu sangue não pode ajudar. Ele se recusa a mudar de forma por nós, o que acho que precisa acontecer. Minha teoria é que o sangue em sua forma animal difere daquele de seu estado como humano, e esse é o sangue que procuro. Além disso, você viu como ele se torna violento. Está acorrentado para que mais funcionários meus não sejam mortos. Recuso-me a arriscar suas vidas — explicou Jim, enquanto começava a andar pelo escritório espaçoso.

— Posso entender por que você está dizendo isso. Não estava preparada para a raiva e violência que ele mostrou. Sabia que não deveria ter saído correndo da sala, mas estava apavorada. Ele ameaçou me matar também — disse Liv ao seu chefe, e outro tremor percorreu sua espinha ao se lembrar dos olhos cinzentos do shifter, cheios de fúria.

Novamente, ela questionou a ameaça dele. Ela estava perto o suficiente para que ele pudesse agarrá-la se quisesse, mas ele não o fez.

— Sim, ouvi tudo quando vi a fita. Então, você pode entender por que aquela seção do edifício está bloqueada. Temos mais de cinquenta funcionários e não posso me arriscar a repetir os acontecimentos da noite passada. Não quero você perto daquele corredor de novo. Estamos entendidos? — perguntou Jim, mas não era um pedido. Era uma ordem.

Parte de Liv queria evitar aquele corredor terrível. Não estava mentindo quando disse que era assustador. Nada em sua vida foi tão horrível quanto testemunhar dois assassinatos. Saber que aconteceu através das mãos desarmadas do shifter a assustava terrivelmente. Ele poderia quebrar seu pescoço apenas com uma de suas mãos.

Ela colocou a palma da mão sobre o estômago revolto enquanto sua mente continuava com a rotina de Sherlock Holmes. Precisava se aprofundar no assunto. Sem dúvida, Jim queria que aquilo fosse mantido em segredo. Duas vidas foram perdidas. Como ele poderia esconder isso? E quanto às famílias? Ela não lembrava se David tinha família, mas certamente alguém sentiria sua falta. E, por que diabos Jim não envolveu a polícia?

Liv tinha inúmeras razões para evitar o shifter. E, ainda assim, nenhum deles iria mantê-la longe. Seus olhos cinza-metálico ficaram marcados em sua mente e ela não conseguia se livrar deles. Apesar das ações dele, ele estava sendo torturado. Se ficasse parada e não fizesse nada, era a mesma coisa que colocar uma arma na cabeça dele e puxar o gatilho.

Por que ela não podia ser um capacho e balançar a cabeça como uma boa menina e continuar com sua vida? Seria a escolha mais segura, mas ela não conseguia. Não à custa da vida de outra pessoa. Precisava ter acesso ao shifter e descobrir exatamente o que estava acontecendo nos bastidores da empresa para a qual trabalhava, mas precisava abordar o assunto com cautela. E pelo ângulo certo.

— Jim, posso ser de ajuda — sugeriu, colando um sorriso sedutor no rosto e batendo os cílios enquanto se aproximava e colocava a palma da mão no peito dele. Ela poderia ser péssima em mentir e ser uma grande cara de pau, mas sabia como apelar para o sexo oposto.

Como esperado, o comportamento dele abrandou, e seus olhos percorreram todo o corpo dela. Com frequência, ela o pegava olhando para o seu traseiro, mas nunca deu ao homem casado a menor atenção. Agora, enquanto flertava com ele, ele estava praticamente se babando.

— O que tem em mente? — murmurou ele, com a voz tomada pela luxúria.

Manipular Jim era muito fácil. Pelo amor de Deus, ele não tinha qualquer integridade. Era um idiota por ser tão facilmente vítima dos avanços de uma mulher. Eram homens como ele que faziam Liv evitar o altar. Parecia que ninguém mais conseguia ser fiel. Na primeira oportunidade de se perder, a maioria não pensava duas vezes antes de trair.

— Percebi que o shifter parecia ter um fraco por mim, se você pode imaginar isso — incitou ela, enquanto girava um longo cacho vermelho ao redor do dedo.

— Sim, posso imaginar isso. Posso imaginar muito mais — insinuou ele, retirando o cacho de sua mão e envolvendo-o em torno de seu dedo grosso. Ela imaginou o dedo nas calças dele ficando mais grosso a cada minuto.

Dando dois passos para trás, ela colocou espaço suficiente entre eles para que ele soltasse seu cabelo.

— Bem, o que estou pensando é que posso tentar ganhar a confiança dele. Se ele se sentir confortável comigo, talvez considere mudar de forma. Afinal, se o sangue deles é a chave, quero a cooperação dele tanto quanto você quer. Apenas acho que você pega mais moscas com mel — brincou ela, com uma piscadela.

— Aposto que seu mel é o mais doce — professou ele, lambendo os lábios.

Sim, esse cara é um grande ator. Liv não pôde deixar de sentir pena da esposa dele. Ela a havia encontrado uma vez, e a mulher parecia boa pessoa. Por que tantos homens traem? Faltava alguma coisa no casamento deles ou eles estavam simplesmente ansiosos para provar algo diferente? Mais uma vez, razão suficiente para evitar a ida até o altar.

Tentar conseguir que o homem excessivamente excitado se concentrasse era um desafio.

— Posso começar a passar um pouco de tempo com o shifter e ver o que acontece. Talvez precise ficar sozinha com ele — instruiu Liv, esperando obter a aprovação de Jim sem causar alarme.

— Não sei se é bom. Ele é imprevisível. A última coisa que quero é que aquele animal a machuque de alguma forma. Gosto de ter seu belo traseiro por perto — admitiu ele abertamente e estendeu a mão, golpeando seu traseiro. Pervertido.

Não demorou muito para que aquele idiota pensasse que ela havia lhe dado sinal verde. Ela não podia deixar de se perguntar quantas outras mulheres ele havia perseguido no trabalho. Não ouvira nenhum boato por ali, mas isso não significava nada. Casos no escritório aconteciam o tempo todo.

— Vamos apenas experimentar e ver. Se ele mostrar qualquer agressão, vou afastar meu belo traseiro de lá, mais rápido do que ele poderia se transformar — brincou ela, virando-se para que Jim pudesse admirar seu traseiro.

Ela estava vestindo sua calça jeans favorita que cobria seu traseiro da maneira certa e queria que ele visse o que ela tinha a oferecer. Os olhos dele se arregalaram, apreciativos, e Liv não deixou de notar a ereção esticando as calças dele. Antes que ele pudesse agir de acordo com qualquer pensamento malicioso passando por sua mente, ela saiu rebolando do escritório.

— Vejo-o pela manhã, chefe. Aproveite a sua noite — gritou ela, enquanto levantava o braço e dava um até logo sem se virar para olhá-lo. Ela ouviu um gemido quando dobrou a quina do escritório dele e rapidamente se dirigiu para a saída do prédio.

Saindo para a tarde ensolarada, ela pensou que precisava se livrar dos avanços sinistros de Jim. Infelizmente, era provável que haveria mais por vir. Ela teria que dar-lhe corda até saber o que estava acontecendo na área de segurança do LPP.

De um modo geral, ela considerou aquela reunião uma vitória para o Time da Liv. Agora, tudo o que precisava era fazer com que o shifter confiasse nela. Se a história de Jim fosse legítima, ela esperava poder convencer o homem a cooperar. E se o sangue dele contivesse a cura? Pensar nas vidas que eles poderiam salvar a fez pular de alegria durante todo o percurso até o seu jipe. Ela não poderia trazer sua avó de volta, mas poderia salvar outras pessoas, e isso fez seu coração encher de felicidade.

Sem mencionar o que aquilo poderia significar para a sua carreira. As portas que se abririam. Talvez ela não tivesse que viver de salário em salário, pela primeira vez na vida.

Atenção, pessoal. Olivia Kimbro estava pronta para dominar o mundo.

Logo depois de comer, claro. Agora que seu estômago havia se acalmado, estava louca por uma pizza.

Capítulo Quatro

O temido clique da maçaneta alertou Lawson. Ele detestava o som. Para ele, significava mais uma rodada de agulhadas em sua pele ou espancamento em seu corpo. Sentando-se rapidamente, ele agarrou a cabeça quando uma dor aguda explodiu ao redor dos olhos.

Seu rosto não havia se recuperado dos ferimentos recebidos durante sua última surra e ele mal conseguia ver com o olho direito. Normalmente, seu corpo se curava em vinte e quatro horas, mas aquela foi a pior surra até então.

Lawson estava com feridas abertas por ter sido chicoteado com uma corrente de metal, e várias costelas quebradas por chutes repetidos no peito e abdômen. Lembrava-se de ter cuspido sangue bem antes de um golpe na cabeça o ter deixado inconsciente.

Eles o torturaram porque ele havia matado dois homens, mas sua compaixão por aqueles humanos cruéis se foi. Ninguém havia lhe demonstrado um pingo de simpatia. Ele havia sido tratado pior do que um animal.

Seu corpo tinha mais buracos do que um queijo suíço, e ele estava todo preto e azulado. Poderia se curar rapidamente, mas os golpes e agulhadas constantes, juntamente com a falta de comida adequada e instalações de banho, o deixaram mais fraco do que o normal. Mental e fisicamente. Com honestidade, gostaria que drenassem todo o sangue de seu corpo e o deixassem morrer. Seria melhor do que aquele sofrimento contínuo.

As chicotadas se tornaram mais frequentes, e Lawson não tinha certeza de quanto mais seu corpo poderia aguentar antes de desistir. Não ajudava o fato de sua vontade de viver estar desaparecendo lentamente. Se não encontrasse uma maneira de escapar logo, iria morrer naquele maldito buraco e isso só o irritava ainda mais.

Pelo menos ele conseguiu causar um pequeno dano aos lacaios de Jim antes que eles o deixassem inconsciente. Lawson sorriu com a lembrança de ter quebrado o braço de um homem e a perna de outro. Droga, doía como o inferno mover qualquer músculo em seu rosto.

Abrindo o olho esquerdo o melhor que podia, ele ficou chocado ao ver a mulher ruiva entrar no aposento e fechar a porta atrás dela. Era a última pessoa que ele esperava ver novamente. Nunca.

Ele imaginou que ela permaneceria em seus sonhos, ao invés de em carne e osso, diante dele. Infelizmente, ela havia consumido Lawson nas últimas duas noites, assombrando os sonhos dele com seus olhos verdes aterrorizados. Ele se sentia mais preso ao eco interminável do grito horrorizado dela do que às correntes que o prendiam à parede de cimento às suas costas.

Fazendo um balanço rápido, ele se sentiu profundamente humilhado por sua aparência. A calça de moletom que usava desde o primeiro dia estava tão suja que o deixava doente. Não pela poeira, mas pelo mau cheiro de roupas rançosas que precisam desesperadamente de uma lavagem. O cheiro o enojava, e ele só podia imaginar como aquilo devia ser ruim para ela.

O que ele podia ver de seu cabelo escuro e longa barba estava emaranhado, e as unhas de suas mãos e pés estavam crescidas demais e descoloridas. Era uma vergonha e ele queria rastejar para dentro de um buraco e se esconder.

Muitos assumiam que os shifters eram sujos por natureza por causa de seu lado animal, mas não era verdade. Louco por limpeza era um termo que sua família lhe atribuía, devido às suas tendências obsessivas. A maioria dos shifters eram fanáticos por higiene, e ser essa esquálida figura deixava Lawson fisicamente doente.

 

A pior parte era o seu banheiro. Consistia em um grande balde no canto da cela, que não era descartado regularmente, o que aumentava os odores. Ele estava lá há tanto tempo que seus sentidos estavam abafados, mas seu estômago ainda embrulhava-se ao pensar em suas péssimas condições de vida.

— Oh, meu Deus, o que fizeram com você? — exclamou ela, correndo até ele.

Ele rapidamente ergueu a mão, interrompendo os passos dela.

— Não. Fique longe — ordenou Lawson.

Ele ficou impressionado com a bravura dela. Ela o vira cometendo um ato violento contra dois humanos e teve a coragem de retornar para a sua cela. Sozinha. Estava correndo para o lado de um assassino. Tinha desejo de morrer?

Com toda certeza, ele jamais teria voltado para a cena do crime, especialmente para aquele lugar desagradável.

Ela ergueu as mãos defensivamente e recuou.

— Tudo bem, não vou chegar perto de você. Se estiver bem para você, vou apenas me sentar no chão bem aqui, e manter certa distância — murmurou a fêmea, agachando-se no chão frio. Ela se atrapalhou com seu jaleco na altura do joelho enquanto cruzava as pernas.

Ele notou que ela usava calças bege e uma blusa preta sob o jaleco. Seu doce aroma ainda o intoxicava, mas ele descobriu que estava um pouco mais no controle de sua libido naquele momento. Outro resultado de seu encontro no jantar com os guardas. Eles o espancaram tanto que ele não conseguia nem ficar excitado.

Ela colocou uma sacola vermelha no chão ao lado dela. Vermelha. Combinava com os longos fios de seu cabelo sedoso. Também era a cor favorita dele. De repente, ocorreu a Lawson que seu cativeiro estava vazio de cor, e aquela mulher era um farol em seu mundo escuro.

De todas as cores, ela era o vermelho. Para ele, representava amor, vida e paixão. Tudo isso era, naquele momento, lembranças distantes do que sua vida havia se tornado.

Sua voz suave chamou a atenção dele.

— Meu nome é Olivia Kimbro, mas meus amigos me chamam de Liv. Sou uma das cientistas pesquisadoras aqui no LPP. Qual é o seu nome? — perguntou ela, alcançando a bolsa e tirando uma prancheta com alguns papéis presos a ela.

Durante todo o tempo em que ele estivera naquele maldito buraco, nem uma única pessoa teve a decência de lhe perguntar algo tão simples como o seu nome.

Não que saber seu nome lhes concedesse o conhecimento que buscavam, mas havia mostrado como aqueles humanos pouco se importavam com a situação dele. Ele a olhou sem dizer nada. Por que deveria compartilhar algo com ela?

Aqueles humanos não lhe trouxeram nada além de dor, tortura e sofrimento. Por que, então, uma mulher de repente estava mostrando interesse, se era isso que acontecia? Poderia ser uma armadilha, por tudo o que ele já conhecia. Na verdade, ele se perguntou por que não haviam enviado uma mulher antes para coagi-lo a mudar de forma.

— Não posso dizer que o culpo pelo seu silêncio. Provavelmente, eu faria a mesma coisa. Que tal isso? Vou contar um pouco sobre mim, e você pode decidir depois se quer conversar comigo. Tenho que avisá-lo, porém, minha história é bastante tediosa — divulgou ela, enquanto enfiava a mão na sacola de novo e puxava uma maçã verde, jogando-a rapidamente para ele.

Levantando a mão, ele a agarrou no ar.

— Uau, bons reflexos — disse Liv, com uma risada. — Presumo que seja uma característica shifter. Nunca havia conhecido um shifter, então perdoe-me se sou uma ignorante.

Lawson gostava do som da voz dela. Era rouca e suave, o que o intrigava. Na verdade, queria se deitar e ouvi-la falar ou talvez ler para ele. Um romance completo, do início ao fim. Ele nem se importava com o que seria, contanto que levasse horas para que ela o concluísse.

Olhando para a fruta verde brilhante em sua palma, ele a virou, estudando-a mais de perto. Mais uma vez, ver cores era uma lufada de ar fresco. A firmeza e a casca imaculada da maçã eram perfeitas, em sua opinião. Ele vivia de aveia fria e pão velho desde que o capturaram. Oh, eles o encheram de vários suplementos para mantê-lo saudável, mas a comida fornecida era sem graça e sem gosto. Ele não sabia se deveria comer a maçã ou pendurá-la na parede como uma bela obra de arte.

— Vai estragar se não comer — comentou ela, como se lesse seus pensamentos.

Ele levou a fruta à boca e deu uma grande mordida. Um gosto agridoce explodiu em sua língua, e ele fechou os olhos, saboreando a experiência. Não conseguia se lembrar de comer nada com tanto sabor. Dando outra mordida, ele gemeu de prazer. Estava fresca e crocante, e tinha o perfume de um dia ensolarado. Mais uma coisa que ele não via há muito tempo.

— Uau, talvez eu devesse tê-la guardado para mim. Minha vizinha, Cassie, chamaria essa expressão em seu rosto de orgástica — disse Olivia, rindo.

Os olhos de Lawson se arregalaram ao vê-la boquiaberta de interesse. Seus atraentes olhos verdes se fixaram nos dele e ele não conseguiu evitar a excitação que disparou em sua virilha com o olhar caloroso dela. Tudo bem, a surra não desencorajou o seu desejo, porque imagine se ele não a desejava.

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* * *

Liv sentiu um rubor se espalhar pelo rosto e rapidamente desviou o foco, olhando para a prancheta enquanto examinava os papéis em anexo. Não havia nenhuma informação pessoal em seu arquivo, apenas os resultados do que os outros cientistas encontraram nas amostras de sangue dele.

Infelizmente, ela não viu nada além de um borrão devido ao seu desconforto, mas manteve o foco em qualquer lugar, menos nele. Os penetrantes olhos cinzentos do shifter a atingiam e brincavam de esconde-esconde. Liv jurou que ele podia ver diretamente em sua alma e isso a fez cruzar e descruzar as pernas enquanto mordia o lábio. Muito enervante. Ela tinha segredos escondidos como qualquer outra pessoa e certamente não precisava daquele homem dissecando seus erros e falhas.

Respire fundo e volte ao seu objetivo, disse a si mesma. Precisava ganhar a confiança dele. Do contrário, ele nunca mudaria de forma e eles precisavam do sangue da forma animal dele. Ela se perguntou em que animal ele se transformava. Urso? Leão? Era impossível dizer apenas olhando para ele, e ela se sentia péssima vendo os múltiplos ferimentos cobrindo o corpo dele.

O que quer que tivesse acontecido entre ele e seu chefe na noite anterior não foi a favor do shifter. Sim, ele matou dois homens, mas eles o estavam espancando sem piedade. Ela viu, com seus próprios olhos. Eles o estavam atacando enquanto ele permanecia indefeso, tentando se proteger.

Agora, o rosto dele estava inchado a ponto de parecer desfigurado. Um olho estava fechado e o outro não estava muito melhor. A parte superior do tronco estava coberta de vergões e a pele, aberta em vários pontos. Seu coração se condoeu pelo abuso que ele suportou.

Julgando pelos músculos enormes, Liv sabia que o homem era incrivelmente forte, mas mesmo um shifter devia ter limitações. Ele parecia que as tinha excedido.

Novamente, sua mente se perguntou sobre o lado animal dele. Ela ouviu que, quando eles se transformavam, não tinham controle sobre as ações de sua fera. Como isso deveria ser primitivo e duro para eles. Parte dela reconhecia que poderia ser libertador, também. A curiosidade sobre o animal dele a estava consumindo. Liv reconheceu que estava um pouco excitada com isso.

Afastando os pensamentos inadequados, ela considerou por onde começar em sua recapitulação de vida nada interessante.

— Então, sou do Tennessee. Cresci não muito longe de Chattanooga e fui para a faculdade comunitária aqui na cidade. Meu pai desapareceu quando eu era muito jovem. Para ser sincera, mal me lembro dele. Não tenho irmãos ou irmãs, mas minha mãe e eu somos muito próximas. Ela é minha melhor amiga. Você tem algum irmão? — divagou ela, finalmente encontrando os olhos dele mais uma vez.

Nenhuma resposta, mas Liv viu algo faiscar nas orbes cinza-aço do shifter. Seria porque ela falou sobre a família dele? Ele tinha uma família, e eles o estavam procurando? Muitas perguntas passaram por sua mente.

Há quanto tempo ele vinha sendo mantido em cativeiro? Como havia sido capturado? Por que era tão resistente? Parecia que ele deveria querer ajudar a salvar vidas, se pudesse. Ela precisava fazer com que ele se abrisse, se quisesse descobrir o que estava acontecendo em seu local de trabalho.