Nakba

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— Gilad, eu sei que tu és um rapaz muito discreto e sabes que eu vou em breve casar, assim espero que continues a manter a boca fechada.

Ele sorriu com ronha, pois não era a primeira vez que ela o tinha treinado na arte de beijar e, esperando o seu pedido, deixou que fosse ela a tomar a iniciativa. Recordava-se bem daquele seio pequeno e duro de mamilo rosado que ela pediu para ele acariciar. A sofreguidão foi tal que Gilad não parava de sugar enquanto desnudava o outro também para acarinhar. Porcina ficou de tal maneira excitada que, dando fé do pénis dele a forçar o tecido da carcela, olhou-o com picardia e pondo um dedo em riste sobre os lábios como avisando para manter o silêncio, ajoelhou-se na sua frente, desabotoou a braguilha, beijou-lhe a glande tumefata, como se lambesse uma gulodice e… Kalila nem lhe respondeu, olhou-o daquele jeito enamorado, cujo gesto era um convite e ele, sem complexos, afastou o lençol e exibiu a haste em plena tumescência; Kalila soltou uma gargalhada e expressou:

— Ai, querido, eu nunca fiz, mas desejo satisfazer o meu homem como a minha tia sabia satisfazer o meu tio Rico. Soergueu-se e, sempre rindo, passou a polpa dos dedos pela glande como se fosse masturbá-lo; olhou-o fixamente e, ao sentir a sua aquiescência, beijou aquela cabeça encrespada de vigor. Numa arremetida sôfrega, abocanhou o falo na plenitude do seu orgulho e iniciou um ir e vir lento e suave sobre a pele brilhante e sedosa daquele membro que já lhe tinha provocado três deliciosos clímax, embora na primeira vez lhe tivesse causado um pouco de dor. Sentiu os dedos dele passeando sobre os seus cabelos e de repente aquele empurrar para baixo como se temesse que ela o deixasse a sós com a volúpia que o emergiu, naquela tempestade de prazer que ele não conseguiu silenciar:

— Ai, ai! Querida minha, tu matas-me de gozo, Kalila, meu amor, ai!

Ela libertou-se dele e correu para a casa de banho para cuspir aquela semente que podia ter valido uma gravidez. Lavou a boca daquele sabor e sentiu-se arrebatada de desejo. Sentou-se, abriu as pernas e com a polpa dos dedos deslizou no vértice das coxas, primeiro um roçagar lento e leve como o escorregar de uma pena, depois já afogueada de excitação, introduziu em si dois dedos e resvalou-os com sofreguidão entre os lábios interiores da vulva. Semicerrou os olhos para curtir em plenitude a lembrança daquele pénis que a devassara e sentiu a profusão de cores e luzes como se fossem asas de uma Fénix desabrochando ao sol. Possuída na urgência de expandir a luxúria que se acoitava na sua garganta, respirou fundo para evitar o grito de satisfação que lhe travava a respiração e a obrigava a cerrar os lábios contraídos, que prendiam o sustenido som suspenso em sua alma, porque o prazer de uma cigana também era propriedade do seu homem. Era sua obrigação contentá-lo e jamais se aproveitar da cópula para usufruir da luxúria dele. Riu-se com a sua obrigação, lavou-se e perfumou-se para novamente despertar o desejo de Gilad.

* Alves, Aníbal. O Cruel Josué: Josué, filho de Nun. Lisboa: Edições Ecopy, 2009.

** N. do Ed.: “A família Rothschild é uma família judia, com origem em Hamburgo, Alemanha, que estabeleceu uma dinastia bancária na Europa. Prosperou no fim do século XVIII, e chegou a ultrapassar as mais poderosas famílias bancárias rivais da época, como a família Baring e a família Berenberg.” (fonte: Wikipedia)

Capítulo 3

Acomodar 600 pessoas de diversas proveniências, embora da mesma etnia, num barco caquético que tinha escapado às investidas dos U-Boots alemães no Atlântico Norte, não era de molde a encantar um promotor de viagens turísticas. Aquele navio era o Algor e navegava sob bandeira panamiana, por conveniência estratégica e porque não correspondia minimamente às condições exigidas pela Lloyd para o transporte de seres humanos. Tinha de fato sido submetido a uma reconstrução reparadora que, entre outros benefícios, transformara os camarotes da tripulação, tornando-os mais amplos e suficiente para acrescentar um andar de beliches. Também os seus quatro porões de carga a granel foram transformados em camaratas tipo militar, com divisões para: homens, mulheres e crianças.

Tinha zarpado de Malmo, no sul da Suécia; havia quatro dias e já a costa ocidental da Ibéria o espreitava desde o Cabo da Roca, junto a Lisboa, quando o capitão foi alertado via rádio, que uma tempestade se formava ao largo das Berlengas; assim ao comandante daquela embarcação se apresentou o dilema: arrostar com o perigo e confiar na providência divina e na robustez de um barco cujo casco rebitado era ainda suficientemente forte para enfrentar as arremetidas de Polifemo ou apostar no seguro de um porto e sujeitar-se a uma quarentena sanitária exigida pelas autoridades portuárias de um país dominado por uma ditadura fascista que nada fizera em prol dos judeus durante a guerra. Isso implicava um atraso substancial no programa sionista de emigração a toda a força e expressiva, em número, para ocupar o espaço deixado pelos escorraçados proprietários palestinos, os verdadeiros donos da terra. Afoitou-se o veterano capitão dinamarquês, depois de consultar os líderes dos judeus a bordo, e nessa mesma tarde, já o crepúsculo caminhava para o lusco-fusco de uma noite que se presumia agitada, sentiu a primeira vaga embater com violência na vante do Algor, como prenúncio da batalha que se avizinhava. A ordem partiu serena, mas apreensiva, e os tripulantes já acostumados a enfrentar aquele tipo de situações, perante o terror dos viajantes, iniciaram os preparativos para o fecho dos porões, agora metamorfoseados em camaratas de três plataformas, que, devido à má distribuição da claridade, no sobe e desce do velho casco deturpava nas sombras a visão dos leitos e os assimilava a nichos escavados nas anteparas e no cavername, quando a iluminação esbatia nas pessoas que se moviam naquele exíguo espaço. Para distrair o pavor que havia em todos, algumas mulheres se atarefavam em redor dos fogareiros, aquecendo água para fazer chá e assim entreter a vigília às vagas que as aterrorizavam quando as sentiam chicoteando o convés. A infusão quente, além de aliviar o medo, também servia de lastro aos estômagos que devido àquela ameaçadora borrasca não puderam aconchegar a refeição da noite.

Berger Stein, nomeado desde a partida de Malmo para dar apoio logístico naquela camarata, ordenou que se apagasse tudo quanto era lume, mesmo os poucos candeeiros a gás ou petróleo, para evitar que o derrame de combustível desse azo a algum foco de incêndio. Concordou, no entanto, com o pedido da Sr.ª Katz, para que todos os ocupantes: homens, mulheres e até crianças se reunissem numa prece ao Senhor, clamando por socorro e salvação. As mulheres foram as primeiras a apoiar a ideia e este apoio tornou-se oficial quando um ancião tirou o kippah e o ofereceu a Berger, para tornar a oração mais solene. Também a Sr.ª Katz, remexendo num baú, exibiu um longo tallit de cor azulada e o ofereceu ao jornalista, adiantando:

— Este era do meu Theodore e só o confio a quem me merece confiança!

Entre os dois brilhou um sorriso cúmplice de um porvir intuitivo, que a situação do momento adiou. A imponência do paramento dava ao orador uma solenidade acrescida do misticismo rabínico e foi investido dessa importância que deu início à prece:

— Escuta, ó Israel, o Eterno é nosso Deus, bendito seja o Seu Nome para sempre. É neste momento delicado, quando as agruras do mundo nos açoitam, que nós, seguindo os ensinamentos dos nossos pais, recorremos à tua bondade e ao teu poder sobre os elementos que nos ameaçam, para que o teu auxílio nos livre…

Para alívio de todos, puderam passar o resto da noite tranquilamente e, para gáudio das crianças, o novo dia se apresentou com um luminoso amanhecer. Já podiam brincar ao ar livre. Berger aproveitou o raiar do sol para iniciar a sua sessão de jogging sobre o convés e, quando numa das voltas passou pela entrada para as camaratas, olhou a bombordo e viu a Sr.ª Katz saudando-o e ao mesmo tempo fazendo-lhe sinal, como que desejando meter conversa. Sentindo que algo de urgente lhe teria a comunicar,aproximou-se dela na expectativa:

— Muito bom dia! Desculpe-me a intromissão, mas tinha este desabafo para pôr cá para fora: o senhor ontem aproximou-se da recordação que guardo do meu querido e saudoso Theodore. Olhe que cheguei a visioná-lo como tal, durante a oração! Quando invocou o Senhor nosso Deus, eu admirei-o como a um rabino. O senhor estava solene e investido de profética dignidade!

— Muito obrigado, senhora. Tenha também um bom dia. Eu já me sinto feliz por ter permitido um bom ânimo a uma pessoa carente de apoio e faço votos para que possa satisfazer mais vezes a sua vontade!

— O senhor é uma boa pessoa, já disse isso aos meus filhos e, pode estar certo, vai contar sempre com a nossa amizade!

Uma pequena festa foi improvisada quando o Algor se intrometeu entre as colunas de Hércules para entrar no Mediterrâneo. Entre as cerimónias diversas a evocar a Diáspora, foi realizada uma sessão de ofertas que aproximou mais as comunidades: era uma tentativa de união para o objetivo comum, a fixação permanente na Palestina. Para vincar a sua amizade por Stein, a Sr.ª Ashira Katz aproximou-se e apresentou-lhe os seus dois filhos:

— Estes são os meus rapazes e espero que no futuro grandioso que nos aguarda eles se congratulem com a sua amizade.

Uma vez mais, o olhar daquela senhora oriunda das geladas terras de Odessa transmitiu-lhe mais que um sentir amigo. Havia naquela mirada um ensejo que ele não conseguia identificar sem a suspeição de envolvimento emocional e o seu instinto defensivo alertava-o para a rejeição total, se tal desejo se insinuasse na relação desinteressada com aquela mulher viúva que ele tinha catalogado como carente.

 

O capitão reuniu-se com os líderes judeus a bordo e alertou:

— Não sei qual a receção que nos aguarda na terra que já foi de nossos pais e que uma vez mais passou a ser ensanguentada pelas fações que lutam pela supremacia política, essa ideia que não foi profetizada pelos nossos homens santos. Também temos que contar com a adversidade dos povos invasores que agora se julgam os donos desta Terra Prometida, que foi entregue ao povo hebreu pelo nosso Deus. Os nossos amigos sionistas querem que Israel ressuscite antes do tempo prometido na Sagrada Torá: «Vos trarei de volta à terra que dei aos vossos pais quando o meu povo se tiver purificado com a eliminação de seis milhões». Face a estes obstáculos, solicito que, seja qual for o ambiente que nos aguarda, a vossa colaboração seja de todo eficaz e afetiva para proteger as mulheres e as crianças.

Ao sair da reunião na ponte de comando, dirigiu-se à proa para saborear um cigarro à feição da brisa que vinha do levante e, envolvido na sensação daquele balançar suave que vinha do mar, degustou com deleite o travo agridoce da primeira fumaça, que lhe trouxe ao pensamento o alerta do desembarque. De repente e sem que suspeitasse, foi surpreendido por aquela voz que saiu do breu da noite, aquela entoação que fez vibrar o ser carente que morava em sua alma. Sentia-se enredado numa afetividade que a mente desejava afastar e que o seu instinto de defesa tinha também rejeitado. Ele tinha-se deixado envolver aquando da apresentação dos filhos dela como amigos num porvir onde a solidariedade dava azo a um apoio social de amplo cariz. Pela primeira vez sentiu o seu querer vacilar perante o ânimo do desejo e, na excitação que o foi envolvendo, chegou à conclusão que não só o prazer da companhia, mas também a lascívia era latente em si. Não era dele a ideia e tão pouco a tinha programado, mas sentia, isso sim, que aquela era a sua oportunidade: não era normal que uma mulher ali, àquela hora e naquele lugar, não tivesse o objetivo pecaminoso que bailava em sua cabeça.

— Uma santa noite, Sr. Stein! Parece que não sou sozinha na meditação sobre o porvir desta aventura que se nos apresenta como uma encruzilhada, onde a Diáspora encontrará o melhor caminho para um horizonte feliz. Sou otimista por opção!

— Parece que sim, minha senhora, ambos temos que encontrar um destino nesta clareira que nos aponta a vereda da esperança. A senhora, tal como eu, também é só e ainda tem o encargo de preparar dois homens para enfrentar um porvir que se nos apresenta nebulado.

— Gosto das suas palavras, Sr. Stein. Elas são incentivo de confiança e de índole positiva; levantam a nossa moral ao mesmo tempo que fortalecem o nosso espírito. Junto a si até esqueço o meu Theodore, que também tinha esse predicado e encarava as situações delicadas sempre pelo lado prático e útil. Ele não perdia tempo com cogitações negativas; era objetivo, inventivo e muito empreendedor. Foi devido a essa capacidade e à sua visão de empresário futurista e arrojado que eu me afoitei como emigrante numa terra da qual só tinha ouvido falar. Claro que tenho interesses a defender e, além do capital investido, tomo a peito a defesa do património cultural do meu companheiro de tantos anos. Confio tanto no futuro do seu plano, que aproveito para o convidar a aplicar as suas poupanças no nosso projeto. O nosso empreendimento ainda está aberto a novos acionistas.

Berger sorriu para si próprio e deixou que a viúva discorresse sobre o plano empresarial que o seu irmão estava iniciando sob as diretrizes escritas do seu falecido Theodore. Embora anotando na mente a oferta de negócio, preferiu antes explorar o lado terno da alma feminina:

— É tão forte assim a convicção sobre a visão do seu homem, ou é mais a saudade da sua presença? Tem a necessidade ainda do seu conselho amigo, Ashira?

Ao ouvir pronunciar o seu nome naquela inflexão carinhosa pela primeira vez, a mulher que existia na viúva exultou e deixou-se enlevar no sonho, que era também na sua intimidade.

Por entre a escuridão enlutada por uma lua nova e pela neblina que ofuscava até o reflexo de Sírius sobre a serena ondulação que lambia o deslizar da proa, o lamento da Sr.ª Katz se fez audível:

— Ai, Stein, esta dor nostálgica é mais forte do que o rasgar de um punhal na nossa carne! É algo que vem de dentro e nos estrangula as palavras que gostaríamos de pronunciar! São pensamentos não expressados que nos sufocam o coração!

— Também eu luto, minha cara, com a última estrofe do meu poema inacabado escrito no destino. Há quanto tempo é viúva, Ashira?

— Já lá vão quatro anos de luta com a tentação, pois as oportunidades surgiram logo após a doença dele. Não fosse a lembrança da promessa que lhe fiz e o incentivo para continuar a sua obra em prol dos meus filhos e não sei se sucumbiria e evitava assim as dificuldades inerentes a esta emigração.

Ouviu junto a si o murmúrio da mulher carente como ele, daquele afeto que vibrava na intimidade dos dois, e aquela mão em seu ombro apressava a busca desse arrimo. O instinto voltou a alertar o seu subconsciente ao mesmo tempo que o pudor inibiu os seus dedos de se sobreporem ao afago feminil. Quase a resvalar para a renúncia anotou em seu siso o apelo:

— E você, Stein, não sente a chamada?

Não foi necessário pendurar-se em qualquer argumento para evitar o que já estava implícito naquele espaço tão estreito entre eles e onde a comunicação já tinha iniciado o prólogo do espírito amavioso que os envolvia. A mão buscou a outra mão e os dedos iniciaram a melodia do consentimento; naquele gesto se subordinaram ambos ao espírito do ardor amoroso que se acendeu no interior de suas coxas. O beijo aconteceu e era de tal sorte a carência afetiva dentro dela que, com sofreguidão, seus lábios beberam o licor que molhava o verbo dele. As mãos de Ashira se penduraram no pescoço de Berger, ao mesmo tempo que o suspiro:

— Ai, querido, que saudade eu sinto deste amplexo forte e másculo que ressuscita em mim a mulher carente de amor! Toma-me e faz-me tua meu bem querido!

Stein empolgou-se com o convite, segurou-a pelos glúteos e pousou-a sobre a roldana do escovém; sofregamente lhe arregaçou a saia comprida e ampla que enfolava na brisa; deslumbrou-se em sonhos eróticos de estudante, quando as polpas de seus dedos deslizaram sobre as suaves coxas femininas e, empolgado de desejo, ajoelhou-se no chão metálico e frio do convés e beijou com emoção o interior daquela intimidade envolvida em pelos púbicos. O cunilingus ficou adiado quando a ansiedade dela instou:

— Amor, entra em mim! Estou necessitada de sentir a tua carne devassando o meu ventre! Anda, querido meu, penetra-me!

Ainda antes de invadir aquele jardim privado, cujo aroma o incitava a trespassar como um furtivo, sentiu as águas felizes dela, tempestuosas e cálidas, inundarem as pétalas orvalhadas da flor e os gemidos de volúpia da mulher mais acenderam seu ânimo másculo, cujo instinto de cópula o incitou a devassar com uma estocada sádica a bainha daquela vagina que implorava o seu pénis. De imediato, sentiu a reação feminine, que lhe respondeu com uma trincada na orelha seguida de um gemido ansioso:

— Ai, amor, usufrui em mim do teu ardor! Anda, querido, dá-me tudo!

Segurou-a pelas meias-luas do traseiro e num ritmo forte de ir e vir, de vir e ir dentro dela, usufruiu o deslizar nas carnes tenras e cálidas, que no ardor esquecido pela longa viuvez se contraíam em espasmos de prazer venéreo. Foi na avalanche do gozo, no deliquar entre a fronteira do presente e da volúpia inserida no tempo imutável, que a vergonha se escondeu por não ter mais pudor e que a deliciosa sensação de se sentir outra vez fêmea a fez expandir em entrecortados gorjeios há muito pendurados em sua garganta. A torrente feliz esguichou dentro da vulva escaldante e ele urrou como fera ferida, na tempestade do orgasmo, e misturou os dois fluidos que extravasaram da flor dela, para deslizarem pelas pernas contraídas na conceção sexual da lascívia.

— Ai, amor! Você é um querido! Ai, Stein, amo-o e quero-o meu. Sou possessiva!

Ambos embalados pelo sentir que os unia, como se passeassem numa praia tropical à luz romântica do luar, sem a preocupação de saber se eram observados, encaminharam-se para o aconchego das respetivas casamatas, onde Morfeu os esperava; era véspera do desembarque. Apitos, gritos, uma cacofonia de sons e do ranger das amarras misturaram-se à emoção da atracagem e fizeram descorar a segurança. Foi necessário fazer valer a liderança para assegurar um desembarque ordeiro e, para gáudio de todos os chegados, as ameaças de turbulenta receção não se concretizaram. Era festivo o ambiente do cais onde muitos dos emigrantes até tinham familiares aguardando. Era o caso dos Katz, cujo irmão do falecido Theodore esperava a cunhada e os sobrinhos. Logo que a Sr.ª Katz desceu o portaló de desembarque, foi efusivamente saudada pelo Sr. Albert Katz e mais dois cavalheiros bem aperaltados, que Berger veio a conhecer como dois advogados ligados ao tal projeto proposto pela sua amiga e que também eram acionistas do mesmo empreendimento.

Quando Stein pousou o saco sobre o empedrado do cais, logo Abba, o filho mais velho da Sr.ª Katz, veio ao seu encontro com um sorriso e fazendo um gesto para tomar a sua bagagem, comunicando-lhe:

— A minha mãe pede para o senhor conhecer os seus sócios, que residem em Eilat.

Ainda indeciso, lá seguiu o jovem até o café onde a uma mesa abancavam a família e os cavalheiros subscritores.

— Venha, Sr. Stein, tenho aqui um lugar para tomarmos uma bebida. Que toma?

Mesmo antes de se servir, o cunhado de Ashira estendeu-lhe uns papéis onde estavam explicados os projetos da Sociedade, ao mesmo tempo que lhe murmurava com entusiasmo:

— Eilat é uma mina de ouro ainda não explorada; temos que iniciar a sua abertura para extrair dela um futuro grandioso e lucrativo, antes que os americanos se apercebam deste filão implantado no Mar Vermelho.

Berger gostou da maneira como o plano lhe foi apresentado e resolveu ali mesmo investir uma nota de crédito do seu banco UBS, no valor de 20.000 dólares. Selou o pacto com a sua assinatura e todos fizeram um brinde de êxito ao novo acionista.

Já a caminho do escritório da Agência de Notícias da Herold, fez uma retrospetiva da sua vida nos últimos tempos e novamente aquele ultimato da maldita ocupou-lhe a mente: «Continuarás amaldiçoado pelo meu nome secreto e só te livrarás do meu anátema quando praticares a salvação de uma jovem em perigo de vida e a protegeres para sempre»— — uma vez mais sentiu-se vazio por dentro e bandalho no coração; tinha chegado ao desprezo absoluto pelos outros e, como tal, era justo ser desprezado por si próprio. Ganhou um pouco de ânimo e, num folgo, interrogou-se: será que encontraria naquela terra estranha o caminho para mudar de vida? Para encontrar a dignidade de antes, aquela inocência que foi apagada com a sua subserviência ao jogo sujo dos nazis, onde mergulhou na escuridão a sua alma e a honra de ser humano? Era esta culpa que destruía a essência de tudo o que poderia ser um lampejo do bem em si. Sentiu-se mal com o vazio que era o valor do nada em sua vida e o caricato da situação é que nem coragem encontrava na esperança de encontrar uma janela que lhe apontasse uma nesga de claridade no horizonte do caminho, para ao menos tentar a via que o feiticeiro lhe indicara, para se livrar do travo amargo que era a maldição da cigana.Tentou abstrair-se daquele pesadelo. Era um repórter em terreno ensanguentado por uma guerra fratricida e estava sobre uma mina prestes a explodir. Releu a placa da Herold e entrou.

Dois sujeitos amigáveis no trato e ligados à administração receberam-no efusivamente e, depois de uma conversa breve e amena para o porem ao corrente do que esperavam dele, o acordo ficou assinado com dois apertos de mão.

A tiracolo, uma Zenit de repórter e no saco um fornecimento substancial de rolos fotográficos para captar durante meses as tragédias de uma guerra que se adivinhava cruel na vingança e atroz no sentir; era sem quartel! Ele tinha sido apologista da criação da célebre Legião Judaica proposta por Vladimir Jabotinsky, em 1935: homens obedientes até à morte! O tal movimento que foi abençoado por Mussolini, por intermédio de um seu colaborador judeu, César Sarafatti. O Duce propunha, para o êxito dos judeus, uma aliança com os fascistas italianos, para conseguir um estado independente, uma bandeira e uma língua próprias e, para enaltecer o fascismo do líder judeu, deu-lhe o título de Cidadão Fascista. Jabotinsky aceitou no seio do seu movimento dois grupos paramilitares: a Irgun e o grupo Stern. Ambas as organizações tinham por missão prioritária combater os ingleses na Palestina e a Irgun, sob o comando de Begin, era a favor de uma revolta imediata contra os britânicos. A Stern era a favor de uma luta contra os ingleses, mesmo durante a guerra, com o apoio alemão e para o efeito ofereceu a Hitler um exército de 40.000 homens a serem treinados pelos nazis. Esses soldados seriam oriundos da Europa Oriental e seria o início de uma aliança com o Eixo apadrinhada por Mussolini, mas Hitler rejeitou e preferiu apostar na carta árabe por causa do petróleo. Mas para quê estar a desperdiçar o tempo para uma bebida com pensamentos retrógrados? Israel já era um estado independente por decreto das Nações Unidas e já tinha enfrentado com êxito cinco países da região. Agora era só consolidar as fronteiras e ocupar legalmente as propriedades que pertenciam aos verdadeiros palestinianos. O barão Rothschild tinha já contribuído com avultado financiamento, para comprar essas terras agricultáveis que se destinavam a desenvolver as chamadas cooperativas sociais, os kibutz. Tudo se preparava para dar curso às promessas messiânicas e concretizar o sonho de Bem Gurion em 1937 — «Uma maioria palestiniana compelirá os colonos judeus a usarem a força para provocarem o sonho: uma Palestina puramente judia!» Ele tinha afirmado também:

 

«Os palestinianos podem ser presos em massa ou afugentá-los; é melhor expulsá-los!» — E mais afirmou: «As fronteiras de Israel serão decididas pela força e não pelo diálogo!»

Estas cogitações foram bruscamente interrompidas pelo tinido do telefone:

— Olá, camarada! Amanhã de madrugada deves acompanhar o teu grupo, conforme o juramento. A partir da tua chegada ao sagrado solo da Terra Prometida, serás um dos seus libertadores. Seremos nós a dar-te a verdadeira informação sobre os combates a travar na luta pelo que nos pertence, o que nos foi oferecido por Javé, o Altíssimo! Serás um privilegiado repórter ao serviço da nossa causa. Estranhando aquela algaraviada de palavras destituída de nexo, interrogou:

— Mas quem raio é você? — Uma gargalhada sarcástica soou no auscultador:

— Já esqueceste o juramento de: «obediente até à morte»? Prepara-te para assumires!

Foi como um balde de água fria sobre a sua cabeça já aquecida pela recordação maldita. Sim, ele jurara fidelidade absoluta e obediência incondicional quando se filiara na Irgun de Begin.

No improvisado campo de Schoa, em território jordano junto ao Mar Morto, tinham-se albergado milhares de desalojados e cada um com a sua história sobre o sadismo e a brutalidade dos malditos sionistas judeus. Ali se encontravam amontoados, sem teto, nem alimento, mulheres, crianças e velhos impiedosamente escorraçados e espoliados das suas terras e dos seus lares, pelos desalmados judeus que tinham exercido sobre eles toda a espécie de sevícias: violação, roubos descarados, pedofilia e práticas sádicas de tal horror que os pobres coitados se viram obrigados a abandonar tudo para se livrarem da tortura. Os poucos sobreviventes dos combates estavam por ali disseminados: feridos, debilitados, alguns estropiados e moribundos já. Os terroristas judeus do movimento Aganah tinham-nos deixado escapar para aumentar o seu sofrimento, depois de lhes roubarem todos os valores.

O Exército de Salvação, única reminiscência do domínio britânico na Palestina, teimara em ficar como ajuda humanitária à hecatombe selvagem que se abatera sobre os indefesos palestinianos. Eram poucas as senhoras que se atreveram a ficar pelo amor cristão que residia nelas e foi graças à sua coragem que conseguiram aquele campo de refúgio improvisado logo no início da guerra dos 28 dias, que opôs Israel às forças árabes. Em virtude do afluxo de refugiados, as senhoras inglesas se viram obrigadas a apelar às bondosas monjas passionistas que, arregaçando as mangas e mandando às urtigas as diferenças de conceção religiosa, sujeitando-se assim a uma excomunhão da Romana Cúria, lá vieram em socorro da desgraça. Estas caridosas freiras acharam-se insuficientes também para ajudar aquela população de refugiados tão carentes de tudo e apelaram à Cruz Vermelha Internacional que, com a sua divisa benfazeja, não lhes virara as costas.

No improvisado campo de aterragem de Sheila, em pleno deserto jordano, expectantes freiras passionistas e elementos do Exército de Salvação perscrutavam o céu azul sobre o reflexo salino do Mar Morto. O último texto via rádio tinha informado que um avião de carga Nord Atlas já estaria a sobrevoar a Palestina e trazia a bordo, além de um hospital de campanha apetrechado com tudo, ajuda sanitária e cinco médicos para valer aos feridos e dar assistência aos deslocados.

Tinha sido a enfermeira Angélique da Ordem das Passionistas quem tinha recebido esta mensagem de socorro e a comunicara a todo o pessoal de enfermagem e auxiliar em serviço no campo. Foi a Sr.ª Sara Douglas, a responsável pelo pessoal colaborador no campo, quem convidou algumas das presentes para se deslocarem no seu jeep ao aeródromo, para assistirem à chegada do socorro prometido na mensagem. Angélique declinara o convite, porque havia já dezoito horas que estava ao serviço daqueles infelizes e necessitava urgentemente de algum repouso para aliviar a carga psicológica do esforço despendido. Embrulhada no hábito alvo da profissão e com o hejab da Ordem orlando e velando suas faces, não deixava transparecer o quanto a natureza pintara de belo em seu rosto. Quem tivesse a dita de a surpreender sem o véu da Ordem ficaria de certeza extasiado com aquela beleza meridional, nascida no Sul de França: os olhos vivos e sempre alegres eram de um tom castanho de mel, tão suave, que refletiam sempre a inocência de sua alma, e as linhas suaves que moldavam a sua boca de imediato faziam vislumbrar um arbusto vivaz com framboesas róseas ofertando-se. A magia da harmonia celestial estava inscrita naquelas pupilas virginais e traziam-nos o encanto da felicidade, onde tudo era quietude e paz na euritmia divina. A tez, sem uma única ruga ou embrulho, demonstrava a beleza de uma fonte cristalina, onde, no seu espelho, as musas recitavam poemas líricos. Tudo naquele rosto era idílico e ao mesmo tempo de ingénua inocência. Quem próximo dela tivesse a ousadia de dar um não ao seu apelo de ajuda, teria de ser dono de tal alma desumana que só um lobo por um osso. Ela tinha o condão de desarmar as más cataduras e tornar os corações duros em manteiga sobre torradas quentes. Mas — cautela! — aquele queixo lindo, com uma covinha enganadora e o nariz levemente arrebitado, não era de molde a deixar indiferente quem perturbasse a sua paz interior ou o seu querer, já o tinham experimentado algumas personagens de mau feitio. Angélique, como chefe das enfermeiras, era admirada pela competência e também o seu caráter de menina inocente e compassiva lhe tinha granjeado a fama de anjo bom. Muitos se interrogavam porque uma jovem com tais predicados de beleza e de índole pertencia a uma ordem católica de freiras. Ela não se coibia de dizer, com serenidade, que a dor sofrida pela morte do seu noivo na guerra lhe trouxera o amor pelos outros e essa tinha sido a janela onde vislumbrara este novo horizonte que a fazia feliz: cicatrizar a ferida do seu coração curando outras feridas.

Logo após a ordenação ofereceu-se para servir num dos lugares mais perigosos do mundo. A Palestina foi o seu destino e aqui nesta terra, que diziam santa, milhares de seres desgraçados necessitavam da sua ajuda porque a divina era uma caricatura destes três deuses inventados que disputavam com exacerbada crueldade a hegemonia. O coração de Angélique não era só venerável, era enorme e sangrava! Sim, ali naquela terra estava também o lugar onde a bandeira do seu país fora humilhada pela canalha sionista. Foi numa das igrejas do Convento de Santo Estêvão, sob a proteção da flâmula tricolor, que os paramilitares da Aganah se apossaram do edifício em 27 de junho de 1948 para dar início ao roubo de tudo quanto tinha valor; profanaram as imagens sacras, os livros santificados, sacrários, crucifixos e fizeram da igreja um lugar de latrina, chegando, no paroxismo do ódio, a fazer as necessidades sobre uma estátua mutilada da Senhora Santa Virgem. Isto levou a que Sr. Neville, então Cônsul Geral de França, declarasse perante o grotesco espetáculo perpetrado pelos sionistas:«Estes vinte e oito dias de guerra e dezassete dias de tréguas ensinaram-me mais sobre o nazismo do que vinte anos de regime de Hitler.»

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