O sol abate-se

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Aus der Reihe: Colecção Claro Enigma #1
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O sol abate-se
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© Editora Gato-Bravo, 2021

Não é permitida a reprodução total ou parcial deste livro nem o seu registo em sistema informático, transmissão mediante qualquer forma, meio ou suporte, sem autorização prévia e por escrito dos proprietários do registo do copyright.

editora Paula Cajaty

coordenação editorial António Carlos Cortez

revisão Margarida Fontes

projecto gráfico Bookxpress

ilustração Passeios Lisboetas 1, Paula Calleja

Título

O sol abate-se

Autor

Elsa Ribeiro Alves

Colecção Claro Enigma

volume 1

Impressão

Europress Indústria Gráfica

ISBN 978-989-8938-96-1

e-ISBN 978-989-8938-97-8

1ª edição: Abril, 2021

Depósito legal: 482321/21

GATO BRAVO

rua Veloso Salgado 15A

1600-216 Lisboa, Portugal

tel. [+351] 308 803 682

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De todos os dísticos, o único útil:

aos meus pais.

Agradeço à minha professora do Ensino Primário, irmã Emília Seixas, por pedir, como trabalho de casa, tantas composições subordinadas a temas estranhos e aos professores de português que continuaram a cultivar essa estranheza: José Eduardo Correia, Helena Sendas, Laura Caldeira, Lia Montanha e José Lemos de Campos. Por fim, agradeço também ao poeta António Carlos Cortez e à editora Paula Cajaty pela publicação d'O Sol Abate-se.

Sumário

Prefácio

I

O sol abate-se

Canção bucólica I

Canção bucólica

A casa abnegada soluça

Contrabando

Helénico-espartano

Didascália

A manhã estrutura

Natureza morta

Quiaios

Na salina do movimento das vagas

II

Biografia

Um corpo para o resto

A praia

Uncanny

Um dia

Anónimo

Eremita

Mãe

A roda-viva do teu dia lúdico

Parasita

Sadicamente os ossos

Pelos bairros magros da mesma vida

Êxodo

Náusea

Num viés

Interdito

Ao som de hélices bélicas, na Bósnia

Epitáfio

III

Na limpa e leda casa

A distração

O trabalho liberta

Ainda que preferisses não o fazer

Common people

Em branda espera

Um suculento osso de ócio

Pietá à hora de ponta

Sísifo contemporâneo

O homem

Síncope de um cigarro

Perante

O rubor e a graça

Morte ao sol

Visto o meu anonimato

IV

Raro pomo insular

A fome

Provinciana

Leitor

O tampo de mesa expectante

Lápide

Logro

Último ósculo de sal

Usura

Favo intacto de metáforas

Poema-bacante

De Venn

Na casa em leda (vede-a) mansidão

Soneto a um galgo

Abate do sol

Uma definição não académica

Prefácio

Há muitos anos, num livro de ensaios de Maria do Céu Fraga dedicado a Camões, defendia-se a tese de que o poeta de «Sôbolos rios» seria dos que, no quadro do bucolismo português, mais profundamente teria transformado tópicos clássicos do bucolismo (o «locus amoenus», a «aurea mediocritas», o «carpe diem»), relendo-os à luz duma inquietação (ou inquietude) que estaria de acordo com o desconcerto enquanto tema maior da sua lírica. Onde se lê desconcerto, leia-se absurdo.

Camões, no século XVI, será, de facto, o poeta que transfere para um novo tempo da literatura europeia as amenidades bucólicas, agora transferidas, ou melhor, transformadas em modos de representação e de oposição relativamente à idade nada bucólica, e sem amenidade alguma, que é já a Idade Moderna. Verdadeira contra-prova do bucolismo como tendência literária, ou corrente de pensamento e até de perspectivar o mundo, fazer-se hoje qualquer aposta no bucolismo, sobretudo em poesia, é arriscar, é ousar recuperar um tempo literário que passou. Fiama Hasse Pais Brandão, a grande voz da poesia portuguesa da segunda metade do século XX, a par de Sophia, escreverá, no seu livro de 2000, Cenas Vivas, «o bucolismo deixará de ser um canto». Se deixaria, em 2000, de ser um canto, que pode o bucolismo ser em 2021?

Esta é uma das perguntas que Elsa Ribeiro Alves parece colocar neste seu livro de estreia. A resposta não virá senão de diversos momentos deste livro, em cujo título, O Sol Abate-se, igualmente podemos identificar uma raiz, clássica já agora, que reenvia a Francisco Sá de Miranda e ao conhecido soneto «O sol é grande, caem co’a calma as aves» e que, na tradição poética portuguesa de novecentos, animou certa concepção da poesia. Em Gastão Cruz, nome maior da «Poesia 61» e talvez o mais camoniano poeta português depois de Jorge de Sena, esse sol mirandino traduz-se no «sol oxidado» dum livro de 2015, Óxido, funcionando como símbolo da solidão dum corpo que se despede do Verão da vida e reconhece estar no seu ocaso. Mas já assim era num livro de 1969, As Aves, onde o soneto comparecia como forma superior dum pensamento a braços com o absurdo dum tempo político, cerceador das liberdades. Por isso a imagem dum verso onde se podia ler «o sol apodreceu».

 

O sol deste nosso tempo, de pandemia, de outras formas doentes de existir, aparece como tema, ou problema, e também enquanto símbolo, posto que, a partir dum título assim – O Sol Abate-se – é todo um sentido que se constrói. Ou sentidos. O sol, astro-rei, estrela vital, primeiro mito (os mitos solares, o culto a Osíris), abate-se. Morre. Destrói-se. No pronome reflexo - «abate-se» - está já a ambiguidade que a linguagem de Elsa Ribeiro vai cultivar. Quem o abate? Que sujeito? Ou o sol, num movimento de eclipse, a si mesmo se abate? O poema de abertura, que dá título ao volume, parece indiciar, na cena da escrita, a resposta: «O sol abate-se sobre o mar». Ou seja, onde lemos o verbo «abater», temos de ler «cair». O sol cai sobre o mar. Regressa o tópico mirandino: co’a a calma da tarde o sol cai. O poema, de resto, que abre o livro, indicia outra coisa ainda: as duas últimas estrofes são tercetos. As duas primeiras quadras são dísticos. Dístico-dístico-terceto-terceto. O que se destruiu, logo na mancha gráfica do primeiro poema é, se vejo bem, o soneto, essa composição clássica que serviu a Sá de Miranda e a Gastão para cantar um tempo de declínio. Logo, em Elsa, na mesma senda, o sol que cai não será apenas o sol crepuscular, nem o verbo cair será apenas o literal verbo que relata, desenha ou revela uma queda. O sol que cai é o sol que declina uma forma – precisamente o soneto – que não pode já dizer-se como era costume, em duas quadras e dois tercetos. Restam vestígios: os dois tercetos estão no poema, mas falta-lhe oito versos. Apenas quatro ficaram desse declinar. E aqui, a palavra «declinar» importa, porquanto se trata de saber o sistema de declinações da poesia. Entenda-se: de que modo a poesia pode, como um sistema de verbos, declinar-se, dizer-se. Por outro lado, se se trata de ser fiel a um tardo-bucolismo, a um bucolismo mesmo fora de tempo, anacrónico, mais importa saber se o bucolismo «há-de deixar de ser um canto» ouse, nesta autora, no seu livro de estreia, o tom bucólico, certas paisagens e convocações, têm ainda lugar numa época como a nossa, nem sequer já mecânica, mas absolutamente digital.

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