Buch lesen: «Atração De Sangue»
Victory Storm
Indice
Atração de Sangue
PRÓLOGO
PRIMEIRA PARTE
VISITAS
MUDANÇAS
ENCONTRO
UNIÃO
PROTEÇÃO
SEGUNDA PARTE
AMIGOS
AMEAÇA
ISOLAMENTO
OVERCLOCK
ESCLARECIMENTOS
DECLARAÇÃO
TERCEIRA PARTE
FAMÍLIA
SALVAMENTO
NATAL
HERANÇA
FUGA
Atração de Sangue
Victory Storm
Copyright ©2019 Victory Storm
Email: victorystorm83@gmail.com
Sito web: www.victorystorm.com
Editore libro tradotto: Tektime
Tradutor (de italiano para português): Silvia Rodriguez
Capa do livro: Festball © ISO K° by Fotolia.com
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte do livro pode ser reproduzida ou divulgada por qualquer meio, fotocópia, microfilme ou outro, sem a permissão do autor.
Este livro é um trabalho de fantasia. Personagens e lugares mencionados são invenções do autor e destinamse a conferir veracidade à narrativa. Qualquer analogia com fatos, lugares e pessoas, vivos ou mortos, é absolutamente aleatória.
Atração de Sangue
TRILOGIA DE SANGUE #1
Victory Storm
Tradutor: Silvia Rodriguez
Quando todas as tuas certezas desaparecem e não sabes mais quem és,
só te resta fugir. Fugir deles e da sua sede de sangue…
O teu sangue!
Vera acabou de descobrir a existência de vampiros e agora tem que escapar. Numa fuga entre Dublin e Londres, Vera torna-se a presa de uma espécie sanguinária e feroz, porque no seu sangue esconde-se a arma para destruir a raça vampírica. A persegui-la está Blake, um dos vampiros mais antigos e fortes do mundo, mas um estranho destino lhes está reservado. Aquele que devia ser um confronto entre o bem e o mal resultará numa estranha e explosiva atração que mudará os rumos das suas vidas, revelando os segredos que se escondem no passado de ambos.
PRÓLOGO
16 de novembro de 2018
«Vera Campbell.»
Acenei com a cabeça em concordância.
«Dezassete anos. Cabelos e olhos castanhos, rosto pálido, não particularmente alta, demasiado delgada... Em resumo, insignificante» comentou a madre superiora com um tom carregado de desprezo, fazendo deslizar o olhar sobre o meu corpo em pé, diante dela, tenso como uma corda de violino.
A enésima punhalada nos confrontos do meu físico pouco vistoso. Já o sabia, ouvi-lo dizer tornava a coisa ainda mais óbvia e brutal.
«Das notas do teu último boletim escolar, parece-me que por baixo do aspeto físico também exista muito pouco» continuou a freira com voz severa e maligna, folheando o meu fascículo pessoal que cobria a sua poderosa secretária.
«Verdadeiramente, nunca tive uma insuficiência no boletim escolar e esforço-me...» protestei. Tudo bem que eu era desagradável à vista, mas ignorante não!
Para além disso, não era culpa minha se tinha faltado muitas vezes às aulas por causa da minha saúde.
«Por acaso, disse-te que podias falar?» gritou a mulher cheia de indignação.
Senti-me desfalecer. Há quase vinte minutos que permanecia ali, em pé, em tensão, perante a reitora do colégio católico, onde passarei, de certeza, ao menos os próximos dois meses, longe da minha tia Cecília, o meu único verdadeiro ponto de referência. Sem contar tudo aquilo que passei nos últimos dias, nem com o verdadeiro motivo daquela estadia forçada!
«Órfã de mãe. Pai desconhecido. Confiada à guarda de Cecília Campbell, uma freira que abandonou o hábito para tomar conta da sobrinha. Mmh... Aqui diz também que estás doente... Uma forma muito rara de anemia» Leu a madre superiora numa outra folha com um tom de puro desprezo.
Pareceu-me receber uma bofetada em plena face. Não estava habituada a provocar repugnância quando se falava da minha saúde. Geralmente, era rodeada de carinho e compreensão.
«Tem aqui até mesmo uma recomendação em relação à tua dieta. Rica de proteínas e muita carne de porco ou bovina, mal passada. Nada de aves» comentou a mulher, como se estivesse prestes a vomitar.
Não consegui concordar. Sentia-me o alvo principal daqueles olhos cinzentos, que pareciam querer atravessar-me como punhais.
«Como se não bastasse aqui está escrito também que deves beber, pelo menos uma vez por mês, 50 cl de liquido retirado do sistema arteriovenoso de porcos ou bovinos... Onde já se viu! Beber sangue animal? Isto é escandaloso!» deixou escapar a reitora, com o rosto todo vermelho de repulsa, continuando a ler o meu processo, no qual, aparentemente, alguém se tinha dado ao incómodo de escrever sobre mim e sobre a minha vida.
Apetecia-me responder-lhe que aquele era o único modo para manter-me viva e que a minha tia tinha feito mil sacrifícios para salvar-me, depois que lhe fui confiada após a morte da minha mãe, que faleceu pouco depois do parto.
Para além disso, a minha tia dizia sempre que beber sangue não era assim tão chocante, pois em certos países do oriente era habitual beber o sangue quente de cobra para combater os reumatismos logo, não era uma coisa assim tão estranha.
«O teu médico não sabe que hoje em dia existem as transfusões?».
«Sim, mas infelizmente descobriu-se que para haver benefícios mais imediatos e prolongados no tempo, o meu organismo reage melhor quando também está envolvido o aparelho digestivo» sussurrei, tropeçando nas palavras. Nem mesmo eu tinha percebido verdadeiramente o motivo pelo qual as transfusões não me fortaleciam tanto quanto beber a minha “hemodose”, como lhe chamávamos a minha tia e eu.
Às vezes, a anemia conseguia enfraquecer-me a ponto de perder os sentidos. Bastava o meu “remédio” e rapidamente recuperava a minha audição e vista perfeitas e a sensação de fadiga, que sentia anteriormente, desaparecia por completo.
A madre superiora emitiu um longo suspiro, deixando-se afundar na poltrona dura e negra, sobre a qual estava confortavelmente sentada, enquanto eu nem sequer tinha tido a autorização para me sentar.
«Se estás aqui, é só porque o cardeal Siringer me pediu pessoalmente, mas quero deixar bem claro que isto não é um refúgio para desadaptados, mas um ilustre colégio, que segue e respeita a vontade do Senhor».
O padre Dominick já me tinha falado daquele prestigioso colégio, antigo castelo de Melmore, que se erguia sobre as ruínas sagradas da Melmore Abbey, uma das abadias mais antigas e que resistiu às diversas guerras na Irlanda. Sabia que ali estaria segura, mas naquele momento sentia-me numa prisão escura e fria. Até o clima me era adverso. O inverno estava a chegar e sabia que por muito tempo não voltaria a ver o sol. Para além disso, aquela zona era muito propícia a precipitações e muros de neblina.
Se quisesse sobreviver, tinha que encontrar alguma coisa bela, caso contrário enlouqueceria.
«Bem. Podes ir. Encontrarás a Irmã Agatha que te acompanhará ao teu quarto, onde estarão dois uniformes que deves vestir sempre, uma roupa de ginástica e o horário das aulas, que deves começar a frequentar a partir de amanhã de manhã.
Tens uma hora para guardar as tuas coisas e dirigir-te à igreja para a missa. Sê pontual» dispensou-me a madre superiora com um aceno de mão.
Fiz tanto esforço a mover-me e a voltar-me que tive a impressão que tinha criado raízes.
Não disse nada, voltei-me, abri a porta pesada e saí.
Mal cruzei a saída do escritório, aproximou-se nervosamente de mim uma freira de meia-idade, que tinha ficado todo aquele tempo à minha espera no exterior, sentada numa cadeira cor de nogueira escura. «Sou a Irmã Agatha. Tu deves ser a Vera Campbell, a recém-chegada. Vem. Acompanho-te ao teu novo quarto, o qual dividirás com a Maria Kelson, uma tua coetânea. É um pouco tímida, mas muito devota ao Senhor… Não me surpreenderia se no futuro decidisse fazer os votos» explicou a religiosa absorvida pelos seus pensamentos. À minha volta, abriam-se corredores e escadas de pedra frios e húmidos. O silêncio que reinava naquele lugar era arrepiante.
Escutava apenas o rumor dos nossos passos. Parecia que tinha sido improvisadamente projetada para outra época. Sinceramente, não acreditava que lugares como aquele pudessem ainda ser habitados e, muito menos, usados como colégio para jovens.
Continuava a olhar em meu redor chocada. À direita encontravam-se janelas estreitas e altas, de aspeto gótico, que tornavam a atmosfera ainda mais sinistra. Fiquei tão impressionada com a austeridade daquele lugar, que mal escutava as palavras da freira, que continuava a falar mecanicamente: «Depois das novas leis acerca da integração, também o nosso colégio teve que se adaptar, assim esta instituição é aberta tanto ao sexo masculino, como ao sexo feminino. No rés-do-chão estão as salas de aula, o ginásio e o refeitório, enquanto no segundo piso fica o dormitório. A ala oeste é reservada ao sexo masculino e a ala este às miúdas.
No terceiro piso, como pudeste notar, situam-se os diversos escritórios e os quartos privados dos professores, para além de uma grande biblioteca, à qual poderás aceder apenas com a autorização da Irmã Elizabeth. A capela ocupa a inteira ala a norte, mesmo em frente às hortas e aos estábulos.
Para chegar a estes é necessário sair e dar a volta ao colégio.»
A Irmã Agatha continuava a falar com o seu tom plano mas vigoroso. Também ela não parecia particularmente gentil ou calorosa. Seria possível que ninguém mostrasse um pouco de compaixão perante as novas reclusas?
«Recorda-te também que nos corredores não se grita, não se corre e deve-se respeitar os horários. O pequeno-almoço é às 7h00, o almoço às 12h00 e o jantar às 19h00, depois da missa das 18h00. Lembra-te de usar sempre o uniforme da escola quando saíres do quarto e de nunca deixar os teus pertences pessoais espalhados pelo quarto ou te serão apreendidos e jogados fora».
Aquela não era uma prisão, mas pior!
Descemos as escadas, percorremos um longo corredor para depois virar à esquerda e metermo-nos num outro corredor sombrio com paredes húmidas e escuras. Sentia a humidade penetrar-me nos ossos e um cheiro a mofo enchia-me os pulmões, fazendo-me sentir náuseas.
«Este é o dormitório. O teu quarto é a terceira porta à direita. O banho fica ao fundo. Prepara-te que daqui a cinquenta minutos vamos rezar» concluiu a irmã, antes de ir embora.
«Obrigada» sussurrei, mas da minha boca saiu apenas um pequeno sopro inconsistente.
Percorri sozinha os últimos metros e abri aquela terrível porta de madeira escura com a maçaneta preta, que escondia o meu quarto. Bastou-me uma rápida olhadela: duas camas, duas mesinhas de cabeceira, dois armários para conter o mínimo indispensável, duas pequenas mesas com duas cadeiras e um enorme crucifixo ao centro.
A minha mala e algumas roupas estavam sobre a cama da esquerda, enquanto na cadeira ao lado da cama da direita, estava sentada uma rapariga atenta a ler o livro “Nas mãos de Deus”.
«Olá, sou a Vera Campbell, a tua nova companheira de quarto. Tu deves ser a Maria?» tentei dialogar.
A rapariga levantou os olhos do livro e acenou com a cabeça sorridente.
Tinha o rosto redondo e sardento. Os cabelos castanho claros estavam apanhados em uma cauda de cavalo e os olhos verdes pareciam gentis.
Usava o uniforme que, brevemente, também eu teria que vestir: um fato azul de corte muito sóbrio e com o desenho da abadia bordado no bolso do peito e uma camisa branca.
O meu primeiro pensamento foi que o azul não me ficava bem, mas estava demasiado cansada para preocupar-me com isso.
Lentamente, abri a mala. Continha apenas o mínimo indispensável que consegui trazer de casa, antes da fuga inesperada que tive que fazer.
Por cima do monte de vestidos, coloquei uma foto minha e da tia Cecília abraçadas em frente à cancela da quinta.
Ver aquela imagem fez-me coçar os olhos.
Quanto me fazia falta!
Gostava que tivesse estado ali comigo!
Seguramente nunca teria permitido que alguém se dirigisse a mim da forma como tinha apenas acabado de o fazer a madre superiora.
Posei a foto sobre a mesa-de-cabeceira. Queria-a por perto, na medida do possível.
«Desculpa, mas é melhor que guardes aquela foto na gaveta da mesa-de-cabeceira, caso contrário, amanhã será deitada fora» disse-me a Maria, aproximando-se de mim.
«Mas eu...».
«Eu sei, eu sei. Também me aconteceu o mesmo... e na manhã seguinte a foto da minha avó não estava mais aqui. Acredita em mim» assegurou-me com voz cândida.
Com um suspiro desconsolado, guardei a foto. Era demasiado preciosa para permitir que alguém a jogasse no lixo.
Ordenei os vestidos e os objetos pessoais.
Estava prestes a guardar a mala, quando me dei conta que faltava alguma coisa.
O estojo de maquilhagem.
«O meu batom, a minha máscara, as minhas sombras... desapareceram!» gritei indignada.
Olhei a Maria.
Ela limitou-se a encolher os ombros e explicou-me: “Perdidos! As freiras controlaram-te a bolsa, como fazem sempre às recém-chegadas e deitaram-te fora aquilo que aqui não te serve».
Queria gritar! Não tanto pelos cosméticos deitados fora, mas porque detestava as pessoas que vasculhavam nas minhas coisas privadas!
Praticamente no limite das minhas forças, mudei de roupa perante o olhar embaraçado da Maria, que voltou a ler sentada na sua cadeira.
Tinha razão: o azul não me ficava particularmente bem!
Olhei para o relógio. Tinha ainda vinte minutos antes da missa. Dei mais uma olhadela ao quarto.
Tinha as paredes acinzentadas e os móveis cor de nogueira escura.
Resumindo, deprimente. Como tudo o resto.
Atirei a mala ao chão e joguei-me sobre a cama.
Queria apenas esquecer. Fechei os olhos.
A imagem de dois olhos cor de gelo que me atravessavam surgiu imediatamente na minha mente.
Uma série de arrepios percorreu-me toda a coluna.
Vacilei de medo.
Ele outra vez! Era um tormento. Era culpa sua se me encontrava ali.
Estava tão cansada! Queria tanto ouvir a voz da minha tia Cecília que me tranquilizava, como fazia sempre que alguma coisa corria mal.
Tentei pensar nela e visualizar mentalmente o seu rosto sorridente, mas não consegui afastar aqueles terríveis olhos azuis.
Finalmente, sem aperceber-me, adormeci.
Estava exausta e incapaz de ver o meu futuro.
Há apenas um mês, a minha vida tinha sido interrompida e agora não sabia mais quem era nem para onde ir.
Tudo tinha mudado.
PRIMEIRA PARTE
QUARENTA DIAS ANTES
VISITAS
4 de outubro de 2018
Quatro em biologia.
Não podia mostrar aquela má nota à tia Cecília.
Há um mês que continuava a repetir-lhe que ia recuperar da insuficiência que tive na outra vez e em vez disso...
Sabia que não se ia zangar, mas não queria dar-lhe um desgosto, uma vez que ela me ajudou a estudar para o teste.
O autocarro parou em frente à quinta, pouco antes do fim do Caminho das Quatro Cruzes, que ficava ao pé do espesso pinhal de Landskare.
«Terminal» gritou-me do lugar do condutor Joshua, o motorista, distraindo-me das minhas preocupações.
«Obrigada. Vemo-nos amanhã» cumprimentei-o distraída.
«Até amanhã, Vera».
Poucos metros e cruzei o portão da quinta.
Vi Ahmed, o nosso velho faz-tudo tunisino, tentando reunir as galinhas na capoeira.
«Ahmed, olá! Como foi o teu dia?» perguntei-lhe amavelmente.
O homem soltou um grunhido.
«Frio húmido e dor de costas» respondeu Ahmed.
Foi sempre um homem de poucas palavras. Depois de dez anos de convivência, já tinha percebido que adorava estar comigo e com a tia, mas detestava o clima chuvoso irlandês, que lhe causava frequentemente qualquer dor nos ossos.
«Vamos lá, digo à tia para preparar-te a habitual compressa, que te dá sempre tanto alívio» consolei-o.
Ahmed sorriu-me com gratidão.
Sem dizer mais nada, atravessei a porta da entrada de casa.
Perfume de tarte de maçã. A minha preferida.
Isto significava duas coisas: a primeira, que eu não podia contar à minha tia acerca da minha má avaliação para não estragar o dia e a segunda, que em casa estava o padre Dominick, o padre mais simpático e generoso do mundo.
Ele também adorava tarte de maçã por isso, a tia Cecília preparava-a sempre que ele nos fazia uma visita.
Tirei os sapatos, o casaco e a mochila à entrada e dirigi-me ao salão, onde a minha tia conversava divertida com o padre Dominick.
«Olá.»
«Vera, tesouro, vem. Esperávamos por ti para o chá» convidou-me a tia com a sua voz mórbida e doce, que ponha sempre todos à vontade.
«Vera, olá. Passou apenas um mês desde a última vez que te vi, mas parece-me que estás mais crescida» cumprimentou-me o padre.
«Se crescesse pelo menos um centímetro todas as vezes que mo diz, agora teria quase três metros de altura» respondi rindo.
Também Dominick soltou uma estrondosa risada.
Ele nunca se ofendia perante as minhas piadas e a tia já não lhes dava importância.
Depois chegou o lanche. A tia serviu o chá e a tarte de maçã.
Mal afundei os dentes no doce perfumado, senti-me logo melhor, até que me engasguei por causa da pergunta da minha tia.
«Como correu a escola?» perguntou-me.
«Bem».
«O professor Hupper entregou-te o teste de biologia?».
Será possível que a minha tia nunca se esqueça de nada?
Como fazia para ter sempre a mínima coisa sob controlo?
«Não» menti, procurando concentrar-me no aroma do chá.
Ainda estávamos a acabar de lanchar, quando tocou o telefone.
«Eu vou lá. Será seguramente o Duncan McDowell acerca da história do gado que comprei antes de ontem» pensou a tia em voz alta.
Apenas a tia se afastou (era mesmo o Duncan McDowell ao telefone), o padre Dominick dedicou-me toda a sua atenção.
«E então, como estás?» perguntou-me com um olhar sério.
«Bem».
«Pensaste naquilo que te disse da última vez acerca do amor de Deus?».
«Sim, mas já te disse que tenho dúvidas acerca da justiça do Senhor. Neste mundo existem muitas coisas erradas. Eu não vejo todo esse amor de que fala».
«Está dentro de nós».
«Sim, mas então porque tantas pessoas cometem pecados? Sem contar que muitas vezes os mais afortunados são aqueles que menos merecem» me enervei.
O padre rendido sacudiu a cabeça. Há já alguns meses que me falava de amor, misericórdia e justiça divina e eu continuava a trazer à baila episódios de injustiça quotidiana ou de guerras.
«Então, tu nunca cometes pecados?».
Aqui está, tinha chegado o momento da confissão.
«Não, nunca» desafiei-o.
«É já pecado dizer uma frase deste género» repreendeu-me.
«Pois. Ao menos agora posso dizer-te que menti, logo pequei» fiz troça dele.
O padre olhou-me confuso por um instante.
«É tudo?».
«Na verdade, também roubei dinheiro à minha tia para comprar cigarros, depois bati numa colega minha e por fim, também copiei no teste de biologia» concluí divertida ao ver a expressão chocada sobre o rosto do Dominick.
Não consegui controlar o riso e isto tranquilizou muito o velho padre.
«Fizeste isto tudo?» murmurou hesitante.
«Mas achas que eu posso fumar com todos os problemas que tenho devido à minha anemia? Para além disso, nunca poderia roubar dinheiro à minha tia, que já faz mil sacrifícios para manter-nos. A renda que recebe mensalmente mal chega para nós e estamos com um atraso de duas semanas relativamente ao pagamento de Ahmed» esclareci com voz firme.
«Mas bateste realmente numa colega tua?».
«Nem de perto, apesar de não te negar que gostaria de o fazer. Patty Shue é a pessoa mais repugnante do mundo. Só porque é bela e simpática acredita que é superior aos outros» deixei escapar.
«Já te disse que deves ignorar aquela rapariga».
«Sim, mas não o consigo fazer, pois chateia-me sempre. Diz que sou cadavérica. Imagina o comportamento dos meus companheiros masculinos quando me veem na sua presença. Um fantasma meteria menos nojo!».
«Esquece-a».
Soltei um grande suspiro irritada. Bastava-me falar de Patty Shue para ficar de mau humor.
«Pelo menos diz-me se é verdade que copiaste no teste» perguntou-me, tentando mudar de discurso.
«Não, na realidade tive um quatro» confessei aflita.
«A tia já sabe?»
«Não sei como dizê-lo. Penso que desta vez, vou fazer de conta que não aconteceu nada» planeei.
«Vera» voltou a olhar para mim com o olhar carregado de crítica.
«Estou a brincar».
«Fizeste mais alguma coisa, por acaso?».
«Na realidade, sim» sussurrei com um fio de voz.
«Que coisa?».
«Anteontem, fiz uma hemodose às escondidas».
O padre Dominick permaneceu petrificado pelo choque.
«Já não te chega uma dose a cada vinte dias?» perguntou-me preocupadíssimo.
«Sim, mas ultimamente esforcei demasiado o meu organismo e dei por mim com as energias baixas. Na escola tivemos um substituto de motora, que não conhece o meu problema, por isso fez-me fazer um monte de exercícios cansativos».
«Mas porque não lhe disseste?».
«Ia dizer-lhe, mas depois aquela idiota da Patty Shue começou a gritar para a professora que a “doentinha”, ou seja, eu não podia fazer isto e aquilo e fiquei irritada.
Queria mostrar que podia fazê-los!»
«Fizeste asneira!».
«Tu não compreendes! De qualquer forma, a culpa do meu enfraquecimento também foi minha, porque anteontem de manhã perdi o autocarro e, uma vez que a tia já tinha saído com o Ahmed para a quinta dos McDowell comprar gado, andei cerca de cinco quilómetros a pé. Cheguei à escola com uma hora de atraso, mas não me arranjaram problemas porque contei que não me senti bem pelo caminho».
«Imagino que a tia não saiba nada de toda esta história» comentou o padre consternado.
«Não. Só o Ahmed sabe, porque viu que eu estava mal e contei-lhe o que me aconteceu» terminei.
Entretanto a tia voltou ao salão com um grande sorriso estampado no rosto.
«Do que estavam a falar?».
«Nada» exclamamos em coro.
«Bem, ao contrário eu tenho uma esplêndida notícia para a Vera. Ao falar com o senhor McDowell, soube que o seu filho Ron, é muito bom em ciências, por isso, perguntei-lhe se estava disposto a dar-te explicações» revelou satisfeita a tia.
«Fizeste o quê?» explodi furiosa. Ron era um verdadeiro cérebro da matemática e das ciências, mas era presunçoso e intratável por causa do seu hálito com cheiro a ratos mortos.
«Ouviste muito bem e ao que parece precisas muito delas, uma vez que me contou que, depois do teste de ontem, ficaste com uma média de três e meio» sussurrou a tia.
Presunçoso, intratável e traidor! Maldito.
Como se permite revelar a minha nota à minha tia?
Eu não disse ao seu pai que o filho tinha uma necessidade extrema de rebuçados para refrescar o hálito.
Estava furiosa.
«Quando pensavas dizer-me que o último teste também tinha corrido mal?»
«Não sei. Talvez numa outra vida» procurei brincar, mas a minha tia não parecia estar com muito sentido de humor.
Não resisti a olhar o padre Dominick, que se ria a bom rir com a típica expressão “eu te avisei!”.
Dei-me conta que era hora de sair em retirada.
«Então, vou estudar» despedi-me timidamente.
«É melhor» disse de novo a minha tia com tom de ameaça.
«Bem. Então, adeus e boa continuação sem mim» dirigi-me a Dominick.
«Até à próxima. Adeus, Vera» cumprimentou-me o padre, abraçando-me.
Peguei na minha mochila e noutra fatia de tarte e fui para o meu quarto, que ficava no piso superior, para refletir.
Posei a bolsa sobre a secretária vazia.
Como gostaria de ocupá-la com um belo computador, mas infelizmente não podíamos permiti-lo.
Troquei de roupa, tentando abrir com cuidado a porta estragada do guarda-roupa, na esperança que o Ahmed conseguisse repará-la, e sentei-me sobre a cama pensativa, mastigando as últimas migalhas de tarte.
O relatório de história que devia fazer para o dia seguinte podia esperar. Naquele momento tinha definitivamente de encontrar um modo para livrar-me do Ron. Antes morta que fazer uma hora de biologia com ele.
Podia dizer-lhe que a minha doença era contagiosa.
De certeza que uma coisa deste género o faria fugir rapidamente.
Estirei-me sobre a cama e comecei a planear mil soluções para evitar o Ron e, já que ali estava, para destruir aquela bruxa da Patty.
Por fim, adormeci e não pensei em mais nada.
Quando acordei era quase hora de jantar.
Como tinha a garganta a arder, decidi ir à cozinha beber um pouco de sumo de toranja que tinha aberto de manhã para o pequeno-almoço.
Ia a descer as escadas quando ouvi a voz do padre Dominick.
«…hemodose?».
«Sim, sabia-o. O Ahmed contou-me. Só se sentiu mal, não creio que seja nada de grave. Pareceu-te mudada?» comentou a minha tia.
«Não, de tudo, mas a Ordem já a tem debaixo de olho. Continuam a pedir-me relatórios atrás de relatórios e frequentemente, vem cá alguém para ver como está a situação. Ao que parece, pelo que percebi, chegam até a fazer-se passar por substitutos da sua escola. É uma vergonha!».
«O importante é que a Vera não se aperceba de nada! Ela deve continuar a viver a sua vida aqui comigo. Uma vida tranquila» murmurou a tia Cecília com a voz afetada pela emoção.
«Tem calma! Enquanto o cardeal Montagnard for vivo, não lhe acontecerá nada. Apesar dos pedidos do cardeal Siringer, a Ordem não pode fazer nada sem uma autorização de Montagnard e ele nunca permitiria que acontecesse alguma coisa à Vera» tranquilizou-a o padre Dominick.
«Pois».
Os dois ficaram em silêncio.
Por fim, despediram-se e o padre foi-se embora.
Fiquei parada no cimo das escadas.
Era a primeira vez que ouvia falar de cardeais e desta Ordem. Quem eram? O que queriam?
Mas sobretudo, porque estavam interessados em mim?
Queria pedir explicações à minha tia, mas sabia que, desta vez, tinha que guardar isto para mim.
Ninguém deveria saber que tinha escutado aquela conversa. Nem a tia, nem Ahmed, nem o padre Dominick.
Na manhã seguinte, custou-me a levantar. Estive até às duas da manhã a trabalhar no relatório de história e, a seguir, não consegui pregar olho por causa da conversa que escutei às escondidas entre a tia e o padre Dominick.
Pela enésima vez, estava atrasada e não consegui tomar o pequeno-almoço. Saí de casa a correr, apesar das reprimendas da minha tia que não queria que me cansasse e apanhei o autocarro por pouco.
Ainda não tinha entrado na sala de aula, Patty Shue, acompanhada das suas duas amigas, Claire e Martha, aproximou-se de mim ondulando as suas ancas sensuais, enfatizadas por uma mini-saia de tirar o fôlego e dirigiu-me o beicinho mais malicioso e despeitoso que conseguiu fazer com aqueles lábios infláveis, vermelhos escarlate.
«Vera diz-nos, como estás hoje? Prevês algum desmaio? Beh, caso percas os sentidos, sabemos quem chamar. Tenho a certeza que o Ron não hesitaria em fazer-te respiração boca a boca! Sobretudo depois das suas explicações, certamente que precisarás!» aquela bruxa sorriu.
E assim, já se tinha espalhado o rumor acerca de mim e do Ron.
Quem poderia ter-me humilhado perante todos, senão ele?
Felizmente, tinha feito uma hemodose há muito pouco tempo, logo a vista estava bem reativa.
Num instante, o meu olhar furioso correu a indagar o culpado.
Eis!
O Ron encontrava-se tranquilo no seu banco a copiar desenhos numa folha.
Aproximei-me.
«Ron» pronunciei com o tom de voz mais frio possível.
«Vera, olá. Imagina só, estava mesmo a pensar em ti».
«Ah sim?».
Óbvio, depois do que tinha feito!
«Sim, estava mesmo agora a passar-te alguns exercícios simples para esta folha assim, da primeira vez que nos encontrarmos, pode ser mesmo amanhã se quiseres, podemos examiná-los juntos. Aqui, por exemplo, deves escrever como se chamam as partes do corpo que te desenhei» disse-me todo emocionado, mostrando-me a folha.
Fiquei espantada. Seria possível que não se apercebesse do que tinha feito?
Antes daquela noite, todos pensariam que eu e o Ron, conhecido como “Hálito Podre”, andávamos juntos.
Sem sombra de dúvidas, deveria agradecer a Patty por tudo aquilo.
Não sabia bem quando nem como, mas após as aulas da manhã, todos reuniram-se no refeitório, onde estava um grande burburinho.
Durante a tarde, começaram os primeiros olhares e risadinhas.
No autocarro de regresso a casa, estava já noiva com o Ron há um mês, segundo os rumores que circulavam nas proximidades.
Faltou pouco para afixarem cartazes: “A história de amor entre a Pálida Vera e o Hálito Podre”.
Estava enojada.
Quando cheguei a casa, encontrei a tia Cecília com os cabelos amarrados numa suave trança dourada e com um enorme avental verde, determinada a preparar as conservas de tomate para o inverno.
Descalcei nervosamente os sapatos e atirei a mochila ao chão, antes de correr para a minha tia e carregá-la com os meus problemas.
«Aqui faz falta pão e mel» disse-me ao escutar quanto rancor havia na minha voz ao falar da Patty e do Ron.
«Por acaso, acreditas realmente que vou às explicações com aquele cretino?» desabafei.
Entretanto a tia preparou-me o lanche.
«Come para te acalmares» disse-me estendendo-me uma fatia de pão e ignorando as minhas palavras.
Devorei o pão, continuando a falar, cuspindo migalhas aqui e acolá. Todavia, por fim acalmei-me. Era o mel. Quando estava nervosa ou zangada, o sabor do mel tinha sempre um efeito relaxante em mim.