Buch lesen: «Caravana»
CARAVANA
um romance de
Stephen Goldin
Tradução publicada por Tektime
Caravan Copyright 1975 Stephen Goldin. Todos os direitos reservados
Título original: Caravan Tradutor: Fernando Luiz Schumann Sessegolo
SUMÁRIO
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Sobre Stephen Goldin
Conecte-se com Stephen Goldin
CAPÍTULO 1
WASHINGTON-Reuniões internacionais sobre a economia começaram aqui na Segunda-feira com tons de melancolia e angústia sobre o aumento dos preços do petróleo e a ameaça de depressão mundial.
H. Johannes Witteveen, diretor do Fundo Monetário Internacional, previu persistente recessão e inflação em todo o mundo, juntamente com tensões financeiras sem precedentes.
O Presidente do Banco Mundial Robert S. McNamara estima fome em massa nos países mais pobres do mundo, contendo populações totalizando um bilhão, a não ser que tanto nações exportadoras de petróleo como as industrializadas aumentem fortemente sua ajuda—um movimento que poucos destes países parecem dispostos a fazer.
Los Angeles Times
Terça-feira, 1o de Outubro de 1974
* * *
Estamos sentados na beira de um precipício, enfrentando a força da gravidade que nos puxa para o fosso. O fundo é indistinguível porque subimos tão alto que acabamos perdendo ele de vista. Nada é tão trivial como uma recessão; mesmo uma depressão semelhante a dos anos 30 ficaria pequena em comparação. Aquilo que nos deparamos enquanto observamos o abismo é nada mais nada menos do que a total destruição da nossa atual civilização - e a maioria de nós, por medo de altura, fecha seus olhos…
Se você escalar uma ladeira um pouco e escorregar, você provavelmente não se machucará muito. Quedas de alturas maiores podem ser fatais. Nós subimos tão alto nas ladeiras do Progresso que uma queda irá nos partir como um vidro caindo do Everest…
Peter Stone
Colapso do Mundo
* * *
A placa em cima da escrivaninha dizia “Posto de Controle de Granada Hills”, mas isso não disfarçava o fato que esse prédio era um mercado abandonado próximo a um centro de lojas deserto. Corredor após corredor de prateleiras vazias eram testemunhas mudas dos maus bocados que essa comunidade passou. Na verdade, o estado do prédio pareceu a Peter ser um símbolo do Colapso da civilização.
O guarda atrás da escrivaninha olhou para ele desconfiado. Peter não sabia muito sobre armas, mas a que o guarda tinha no seu coldre parecia ser grande o suficiente para deter uma manada de elefantes desgovernados. Peter tossiu nervosamente e pigarreou. “Eu... Eu gostaria de entrar para sua comunidade, se possível,” disse ele. “Tenho trinta e dois anos e sou um bom trabalhador. Posso fazer quase qualquer coisa que precisa ser feita.”
A carranca do guarda permaneceu impassível. “Qual é mesmo seu nome?”
“Peter Smith”, mentiu. Seu sobrenome verdadeiro, Stone, adquiriu diversas conotações ruins recentemente, e ele nunca mais o usou desde então. Ele já tinha problemas o suficiente para passar despercebido sem ter que divulgar muito de si.
“Smith, é? Alguém em Granada Hills pode responder por você?”
“Uh, não, eu recém entrei. Eu venho pedalando de San Francisco já faz alguns meses, e esse me pareceu um bom lugar para me estabelecer.”
“Como vão as coisas por lá?”
“Ruins,” disse Peter. “Estão ruins em toda costa. Pelo que vi, sua área me pareceu na média.”
O guarda grunhiu. “Temo, Sr. Smith, que não podemos aceitá-lo aqui. Já temos pessoas demais sem ter que adicionar forasteiros. Há muitos dispostos a ajudar, mas os recursos são limitados para alimentar a todos, se sabe o que quero dizer.”
“Claro,” Peter acenou. Essa estória já era familiar para ele. “Nesse caso, me pergunto se poderia comprar alguma comida de vocês. Tenho dinheiro—”
“Granada Hills opera em escambo até que a situação do dinheiro se normalize. A menos que tenha algo para trocar, está sem sorte. Teria balas, baterias, velas, ferramentas ou fios de cobre?” Peter balançou a cabeça negativamente. “Que tal sua bicicleta? Outra bicicleta é sempre útil.”
“Desculpe, eu preciso dela também. Não é seguro ficar a pé; a bicicleta me confere esta vantagem, pelo menos.”
O outro acenou. “Dureza, é verdade. Eu nunca pensei que esse tipo de coisa aconteceria com a gente.”
“Tem algum lugar nessa área que aceita dinheiro?” O sol estava descendo e Peter queria estabelecer-se em algum lugar antes do cair da noite. Ele já tinha vivenciado situações apavorantes no escuro ultimamente.
“Você poderia tentar San Fernando; pelo que ouvi, eles ainda estavam aceitando dinheiro. É melhor ter cuidado com eles, contudo—eles têm um pessoal arruaceiro por lá.”
“Como chego nesse local?”
“Você pega essa estrada ali, Balboa, e siga para o norte por uma milha até a Avenida Missão San Fernando, então leste por algumas milhas. Não tem como errar.”
“Obrigado.” Peter começou a pedalar saindo do mercado.
“Boa sorte,” falou o guarda atrás dele. “Eu não gostaria de ser um stoner1 agora nem por todo o ouro de Fort Knox.”
Peter pensou enquanto pedalava se haveria algum ouro sobrando em Fort Knox. Provavelmente haveria, ele decidiu; ouro não valia a pena ser roubado no momento. As pessoas tinham interesses mais urgentes, como comida, água, gasolina e eletricidade. Em algum lugar, pensou ele, o governo dos EUA deve estar se esforçando para continuar como se nada tivesse acontecido, guardando aquele ouro e as riquezas que ele supostamente representa como se fosse um dinossauro estéril guardando um ninho de ovos inférteis. E se eles pensam sobre o Colapso de algum modo, eles provavelmente põe a culpa em mim—como se eu não fosse outra coisa se não o mensageiro que trouxe as marés do desastre.
Ser um profeta da desgraça não é uma carreira recompensadora.
Enquanto pedalava pela Avenida Balboa, Peter olhava ao redor e tentava imaginar como a vizinhança teria sido há dez anos, antes do Colapso estar realmente em processo. A sua esquerda outro shopping center e um prédio alto que uma vez foi, de acordo com a placa, um hospital; atualmente sendo usado como uma série de apartamentos. A sua direita mais apartamentos, certa feita luxuosos, mas agora desgastados e feios. Resíduos que não puderam ser queimados foram largados no lado de fora, ao longo da rua e conferindo um odor desagradável.
Ele passou por outro supermercado deserto enquanto cruzava a Rua Chatsworth e continuou para o norte. Havia casas em ambos os lados, as ticky-tacky boxes2 tinham sido muito populares em comunidades suburbanas certa época. Elas tinham pequenos jardins frontais que agora continham hortas ao invés de grama—alface, rabanetes, tomates e melões pareciam ser populares. Os jardins eram cercados por cercas—algumas delas, ele percebeu, eram feitas com o material divisor de estradas expressas. Um sinal de pare foi colocado em um jardim e vestido com roupas rasgadas para formar um espantalho improvisado. Algumas casas pareciam ter sido derrubadas para dar lugar a plantações de milho. As hastes verdes balançavam orgulhosamente na brisa.
Cães perambulavam pelas ruas e patrulhavam a frente das casas. Eles latiam para ele enquanto passava, mas não se preocupavam em persegui-lo quando percebiam que ele não era uma ameaça ao jardim de seus donos. Havia algumas cabras por lá e um bom número de galinhas, mas Peter não avistava gato algum correndo por ali—eles e os coelhos seriam colocados em cercados e usados como fonte de comida. Animais de estimação não eram mais um luxo viável. Pássaros, também, eram escassos; sem dúvida a pontaria da meninada da vizinhança estava melhorando no estilingue.
Peter se perguntava o que fazia ele se apegar a centros urbanos. As cidades, ele sabia, eram armadilhas mortais, devido ao colapso de seu próprio peso em um futuro imediato, e qualquer um pego dentro delas compartilharia da destruição. Foi o relativamente pequeno número de pessoas vivendo no campo que suportou melhor, embora eles ainda fossem afetados da mesma forma. Qualquer pessoa sensível deveria prever isso e tentar obter um pedaço de terra antes que o caos total se instalasse na nação. Mas Peter foi, e sempre será, um garoto da cidade e era atraído a elas mesmo sabendo que significasse sua morte a qualquer momento.
Meu problema, decidiu, é que eu dou bons conselhos mas, como todo mundo, me recuso a segui-los.
Talvez já fosse tarde de mais para se fazer alguma coisa, sete anos atrás, quando o livro dele, Colapso do Mundo, chegou as prateleiras e abasteceu a controvérsia. As vastas forças globais que ele havia previsto já estavam em curso para destruir a civilização. A falta de materiais tornou-se perceptível já nos anos 70, ainda assim a série de pequenas crises continuaram a crescer sem que medidas sérias fossem tomadas para prevenir isso. A desagregação da sociedade, colocando grupos contra grupos, removeu da humanidade a coesão necessária para lidar com os problemas que ela enfrentava. A Inflação aleijou a economia e greves enfraqueceram a confiança das pessoas em conjecturas.
Muitos livros foram escritos antes prevendo que as condições ficariam críticas antes do fim do Século Vinte; eles foram todos taxados como derrotistas e pessimistas ao extremo pela grande maioria das pessoas, que mantiveram uma fé ingênua nas habilidades da Humanidade de se reerguer como a Fênix, de seus próprios excrementos. Então Colapso do Mundo apareceu, com os mais contundentes e apavorantes argumentos até o momento. E Peter Stone, com vinte e cinco anos, provou sem qualquer sombra de dúvida que a civilização estaria condenada em apenas alguns anos a menos que medidas radicais fossem tomadas imediatamente. Ele até mesmo delineou que medidas seriam essas: eutanásia obrigatória, controle de nascimentos obrigatório, redistribuição de riquezas imediata, descentralização imediata da sociedade, por um fim às moradias familiares singulares, por um fim na produção de animais que não fossem para alimentos, movimento forçado de pessoas para equalizar a distribuição das mesmas, estrito racionamento de água e comida, controle total do governo sobre a indústria, trabalho e transporte, e um estrondoso programa multibilionário para cultivar e colonizar o leito marinho.
Para Peter, foi incrível como pode antagonizar com noventa e cinco por cento do país em apenas uma noite. Embora poucos intelectuais o saudassem como “uma das maiores mentes de nosso tempo”, a melhor saudação menos que a maioria das pessoas criou para foi “aquele maldito socialista.” Alguns estavam convencidos que ele era o diabo encarnado apenas por mencionar o óbvio. Mas o livro vendeu milhões de cópias. Era irônico, pensou Peter, que seu livro foi um dos últimos campeões de vendas; pouco depois da vigésima edição do livro, a maioria dos sindicatos de tipógrafos entrou em greve. Até onde Peter sabia, eles ainda estavam.
Peter tinha acumulado fama e fortuna quando as mercadorias perdiam rapidamente as suas recompensas. Aparecia na televisão em numerosos talk shows, explicando e debatendo a sua crença de que a civilização, não apenas nos E.U.A., mas em todo o mundo, estava desmoronando. Dizia às pessoas que ele não gostava de suas próprias soluções, mas de que algo drástico teria de ser feito para evitar um destino ainda pior. Ninguém escutou. Seus inimigos o chamaram de oportunista, fazendo dinheiro da desgraça do mundo, lucrando no desastre. Peter foi tachado como um vilão e marcado como um radical e traidor.
Enquanto isso, tudo o que tinha previsto foi se tornando verdadeiro. Greves de funcionários municipais levaram a uma quebra nos serviços da cidade. A escassez de gasolina tornou-se ainda mais aguda no final da Guerra de Israel, que devastou noventa e três por cento dos campos de petróleo árabes. De um dia para o outro, o mundo enfrentava sua mais grave crise energética. Sem energia, estações de rádio e de televisão saíram do ar uma a uma. Sem gasolina, os caminhoneiros já não poderiam distribuir materiais, suprimentos e produtos acabados com sua antiga eficiência. Tudo estava em falta e cada vez faltando mais. Comunicação, transporte e distribuição—"A Tríade" que Peter havia listado em seu livro—estavam se deteriorando a cada dia.
Peter virou a direita na Avenida Missão San Fernando e continuou a pedalar. Postes telefônicos foram espaçados esporadicamente ao longo dos lados da rua; a maioria foi derrubada para virar lenha. Ao passar pelas casas enxergou muitas pessoas que trabalhavam nos seus jardins. Eles provavelmente continuariam a viver suas minúcias até o dia em que a água deixou de ser bombeada para suas torneiras. Peter estremeceu enquanto pensava sobre o pânico que seria construir sob a superfície como um gênio malvado aguardando o dia inevitável que seria posto em liberdade.
Peter passou por baixo de um viaduto da autoestrada, atravessou uma rua principal e finalmente chegou a uma área que outrora tinha sido um parque. Eram cerca de três quarteirões de comprimento e um de largura. Uma tentativa foi feita para cultivar milho aqui também, mas foi frustrada por uma multidão que se deslocou para lá. O parque era tomado de carros velhos que as pessoas tinham empurrado e estavam usando como habitação. Primeiro Peter perguntou-se por que eles fizeram isso—habitações eram uma das necessidades menos severas no momento. Então ele viu o que havia do outro lado da rua do parque.
Era a Missão de San Fernando, um dos santuários estabelecidos no século XVIII pelo Padre Junípero Serra que veio a ser chamado El Camino Real. Como uma Igreja Católica, ela representava uma das poucas organizações ainda em funcionamento no mundo de hoje. A missão agia como um ponto de distribuição de alimentos, provavelmente alimentando os indigentes como parte de seu trabalho de caridade. Isso era o que tinha levado o enxame de pessoas pobres a mover-se até o parque do outro lado da rua.
Peter tinha sentimentos mistos sobre as igrejas. Não sendo ele religioso, costumava desconfiar delas. É verdade que elas estavam fazendo um trabalho bom agora, fornecendo não apenas cuidados materiais—como a distribuição de comida—mas também cuidando das necessidades espirituais das pessoas e mantendo o moral alto. Como a situação ficou progressivamente pior, as pessoas apelavam cada vez mais à religião como fonte de conforto. Isso foi bom até certo ponto, mas Peter não podia deixar de recordar como a igreja medieval tinha crescido em um monólito entorpecido, incentivando a superstição e esmagando implacavelmente toda individualidade. Se for para a Humanidade crescer novamente, a liberdade de pensamento seria uma necessidade absoluta. Peter tinha medo que as igrejas estivessem trazendo um alívio de curto prazo e uma opressão de longo prazo.
Peter parou fora da missão e desceu da bicicleta. Esta era sua melhor perspectiva para passar a noite. Ele poderia se alimentar na missão e depois passar a noite sentado contra a parede. As noites podem ser geladas em Los Angeles, mas normalmente não eram insuportavelmente frias. Um dos seus poucos pertences—além do dinheiro, que nem sempre era útil—era o cobertor enfiado na sua mochila. Isto seria suficiente para mantê-lo aquecido esta noite.
Começou a empurrar sua bicicleta para a missão quando notou algo acontecendo em uma rua a oeste da parede do edifício. Um homem negro com uma moto estava sendo incomodado por um bando de jovens brancos.
“Eu acho que ele é de Pacoima”, um dos baderneiros estava dizendo. “Vindo aqui para nos espiar, descobrir quais são nossos pontos fracos. Provavelmente ele e seus amigos querem fazer uma pilhagem de gasolina esta noite. E então, brilhoso, onde conseguiu a motoca?”
O negro era jovem, alto e angular; em dias mais felizes, poderia ter sido um jogador de basquete. Ele vestia uma camisa regata vermelha, calça azul e uma bandana também vermelha na testa. O seu rosto era adornado com um nítido cavanhaque e bigode pretos e era coberto por uma juba curta de cabelos encaracolados. Expressava um olhar digno e ardente. “Toque nessa moto”, disse ele, “e eu vou esculpir o Gettysburg Address3 em seu traseiro branco.” A sua voz era tão tranquila, quase inaudível, mas ainda tinha um sentimento de força nela.
O bando ficou surpreendido por um instante, e então começaram a rir nervosamente. Eram nove contra um. “Quem você pensa que é, nego, vindo aqui e dando ordens?”, perguntou o líder, movendo um passo mais perto. O resto do bando fez o mesmo.
Em um movimento rápido, o negro foi a seu bolso das calças, puxou um canivete e abriu a lâmina. A sua mão movia em um pequeno círculo na frente dele, dando a aparência de que a lâmina estava flutuando sozinha. “Não são ordens,” disse ele. “apenas bons conselhos.”
Os baderneiros pararam novamente. As coisas estavam ficando quentes e eles estavam incertos sobre o que fazer. O líder estava na pior situação—ele não queria amarelar na frente de seus companheiros. Assim, após olhar o canivete por um momento, ele calmamente foi a seu cinto e puxou sua própria arma, uma baioneta do exército montada numa haste de madeira. "Se você quer brincar, nós podemos lhe fazer companhia, não é pessoal?" Inspirados pelo seu comportamento, os outros pegaram suas facas.
Peter olhou ao redor. Ninguém no parque estava em uma posição para ver o que estava acontecendo. Se estavam, ignoravam muito bem. Sentiu uma sensação de embrulho em seu estômago e o cuspe em sua boca azedou. Verificou que a sua própria faca estava solta na sua bainha, para o caso de ser necessário.
O bando foi circulando sua presa, mas com menos confiança do que poderia sentir idealmente. A prospectiva vítima não era um impotente forasteiro assustado por seu bullying, mas um homem de aparência poderosa com uma faca afiada e um aparente conhecimento de como usá-la. A gangue avançou com cautela.
O negro ficou parado no lugar, rodando lentamente para manter um olho nas pessoas por trás dele bem como àquelas em frente. A sua faca preparada e apontada diretamente para a garganta do líder.
Com um berro alto, semelhante a um touro, o líder foi para cima. O negro evadiu com facilidade e rapidamente moveu seu punho naquilo que parecia um movimento sem muito esforço—ainda assim, quando o líder se endireitou novamente, Peter pôde ver que um profundo corte tinha trespassado sua orelha esquerda, que sangrava profusamente. “Próximo,” disse o negro, rindo.
Três outros atacaram a partir de direções diferentes. Um recebeu um chute rápido na virilha que o fez dobrar-se de dor; o segundo encontrou apenas o ar quando a vítima já havia se deslocado para causar um golpe na mão do terceiro. “Vamos lá,” gritou o líder da gangue de um canto mais afastado. “O que somos? Um bando de frangotes? Peguem ele!”
Todos eles convergiram de uma só vez, embora mostrando um grande respeito pelas proezas da sua vítima. O negro tinha um maior alcance do que a maioria deles e foi capaz de mantê-los momentaneamente à distância com seus cortes, mas ele não podia durar para sempre contra os seus números superiores.
Peter não era um bom lutador, embora tivesse mais do que a sua quota de prática ao longo do último ano. Ele geralmente evitava brigas se pudesse, mas esta foi uma que ele não podia ignorar se quisesse viver com a sua consciência limpa. Sacando a sua faca e emitindo um grito alto, ele correu para frente.
A gangue foi surpreendida por este ataque a partir de um novo sentido e travou por um momento, dando Peter uma vantagem que precisava muito. Ele incapacitou um dos inimigos com uma punhalada rápida na lateral, sob as costelas. Virando para o próximo homem, golpeou na altura da face, cortando um pouco acima da sobrancelha. Sangue vazou do corte para dentro do olho, cegando o sujeito e fazendo com que ele pensasse que seu olho tivesse sido vazado. O baderneiro caiu no chão, aos gritos.
O negro não hesitou como seus atacantes. A sua faca estava ocupada cortando seus adversários, fazendo-os lutar defensivamente. Mas agora eles tinham se recuperado da surpresa do ataque de Peter e lançaram uma contraofensiva própria. Peter encontrou-se enfrentando dois tipos grandes ameaçadores com homicídio em seus olhos. Sem o elemento de surpresa do seu lado, os dois baderneiros eram sem dúvida os melhores combatentes. Peter afastou-se deles lentamente até que descobriu que a suas costas estavam contra a parede da missão. Os outros dois continuavam se aproximando dele, sorrisos maldosos em suas faces.
O que estava à sua esquerda arremeteu-se contra ele. Peter tentou girar para longe, mas não foi rápido o suficiente—a faca do atacante cortou a parte superior do seu braço esquerdo, enviando uma onda de dor através de seu corpo. O sangue brotou, colorindo sua já encardida camisa, mas teve pouco tempo para se preocupar com isso—lutava por sua vida.
Seu giro o colocou em uma má posição, porque agora tinha o seu lado esquerdo para fora e o seu lado direito—juntamente com a sua faca—contra a parede. Peter teve que se abaixar rapidamente quando o segundo invasor, vendo a abertura, fez um golpe perigoso em direção a sua cabeça. A lâmina assoviou apenas um quarto de polegada sobre seu cabelo.
No entanto, ao fazer o golpe, o jovem ficou com a guarda aberta. Peter avançou e deu-lhe uma estocada na barriga do atacante. O homem soltou um grito de dor e encolheu-se lentamente no chão. Peter com agilidade puxou sua lâmina e rolou no chão para escapar do primeiro atacante, que vinha para cima dele outra vez.
Quando ficou em pé viu o homem diante dele em uma posição agachada de combate. Circularam um ao outro por breves momentos, então o sujeito atacou. Peter tentou dar uma de Matador4, evadindo o ataque e aparando a investida, mas foi apenas parcialmente bem-sucedido. A faca do baderneiro cortou através de sua camisa e arranhou as costelas do lado esquerdo. Peter girou o corpo e tomou distância.
O jovem, sentindo uma presa fácil, atacou de novo. Contudo, ele chegou a apenas meio caminho de Peter. Gritando ele caiu para frente. Um canivete estava enfiado em seu pescoço.
Peter olhou em sua volta, estudando o campo de batalha. Sete corpos estavam espalhados no chão, a maioria deles vivos, mas gravemente feridos. Os dois membros da gangue restantes fugiam descendo a rua. No centro da devastação, o homem negro admirava sua obra com calma. Parecia incólume. Com um sorriso direcionado a Peter, ele aproximou-se e puxou seu canivete da garganta da última vítima, limpou-o na camisa do homem, dobrou a lâmina e o enfiou de volta em seu bolso. Então, ele caminhou para a sua moto, preparando-se para partir.
“Ei,” disse Peter, “você não vai me agradecer?”
O negro virou-se. “Agradecer? Pelo que? Por fazer algo que qualquer um com coragem deveria ter feito?"
“Mas não foi qualquer um, fui eu e estou sangrando.”
O negro aproximou-se, agarrou bruscamente o braço esquerdo ferido de Peter e examinou-o. “Merda, cara, essa ferida não é nada. Ela vai curar, a menos que infeccione.” Ele parou com uma ideia que lhe ocorreu. “Você vive aqui?”
Peter balançou a cabeça negativamente.
“Ah, um stoner, né?” Peter detestava essa expressão. Desde que o Colapso tinha começado, muitas pessoas haviam deixado suas casas e foram levadas a vagar, procurando por um lugar melhor do que aqueles que deixaram. Supostamente o termo "stoner" tinha surgido porque essas pessoas foram descritas como "rolling stones," mas Peter suspeitava de que a palavra era também uma brincadeira com seu sobrenome.
“Veja bem”, o homem prosseguiu, “gostaria de estabelecer-se em um lugar pacífico, onde não há escassez e todos trabalham em conjunto?”
Peter olhou para ele com desconfiança. “Claro, quem não gostaria? Só que onde você vai achar um lugar como esse? É no seu quintal por acaso?”
“Não banque o engraçadinho, cara, fiz uma pergunta legítima”.
“E eu disse que sim.”
“Qual é o seu nome?”
“Peter Smith.” A mentira veio por reflexo agora.
O negro estendeu sua mão. “Kudjo Wilson.” Eles bateram as mãos em vez de sacudi-las. “Ouça, se você realmente deseja ir para algo melhor do que tudo isto”, e gesticulou de uma forma que mostrasse o parque repleto de carcaças de carros, “Acho que será melhor você ter uma conversa com o meu chefe.”
Peter deu de ombros. “Mal não vai fazer, eu acho. Onde está ele?”
“Ah, ele ainda está há algumas milhas daqui. Se quiser, você pode subir na garupa que eu levo você até lá imediatamente.”
Peter balançou a cabeça negativamente. “Desculpe, mas tenho uma bicicleta que eu prefiro não deixar para trás e não podemos levá-la conosco na moto.”
“É mesmo.” Kudjo pensou por um minuto. “Seguinte: Vou de moto na frente e contarei a meu chefe sobre você. Ele passará por aqui de qualquer forma, ou aqui por perto. Por que você não espera junto a rodovia, aquela lá.” Ele apontou mais a leste. “Fica duas ou três quadras naquela direção. Você espera antes da ponte da passarela, na face sul. Você tem um relógio?”
Peter balançou a cabeça novamente. “Foi-me roubado mês e meio atrás.”
“Bem, mesmo assim, ele vai estar lá daqui algumas horas. Depois do escurecer, se isso não incomodar você.”
“Bem.….” Peter começou.
“Esteja lá,” o outro aconselhou. Ele deu a partida na moto. “Nós não esperaremos.” E partiu.
Segurando o braço esquerdo dolorido, Peter voltou para bicicleta. Após a luta com aqueles brutos, a missão pode não ser o melhor lugar para ele para passar a noite. Pois afinal, eles poderiam voltar querendo vingança. Seu estômago roncava por não ter sido alimentado desde o café da manhã, mas seria melhor permanecer vivo do que tentar um rango gratuito aqui e, mais tarde, ser assassinado em seu sono.
Pedalou mais para leste ao longo da Avenida Missão San Fernando e finalmente chegou à passarela que Kudjo Wilson havia mencionado. O sol tinha acabado de sumir e o céu estava ficando sinistramente escuro. Peter parou embaixo da passarela e olhou para cima. Deveria acreditar no que o negro tinha dito? Ele tinha há muito desistido de acreditar nos contos de fadas, e toda essa estória soava como um El Dorado moderno. Um lugar de paz e fartura seria muito difícil de encontrar, e convites para ele não cairiam no seu colo assim tão casualmente. Além disso, como poderia um homem negro ter a chave para Utopia? Não fazia sentido. Se houvesse tal lugar, o que Kudjo Wilson estava fazendo aqui?
Mas enfim, o que é que ele tem a perder? Se isto fosse uma emboscada, o que mais eles poderiam tomar dele além de sua bicicleta, um cobertor e algum dinheiro praticamente inútil? Seria pouco saque para uma armadilha tão elaborada. Além disso, Wilson poderia ter lhe roubado sozinho se quisesse. Toda essa situação era muito intrigante.
Peter pedalou sua bicicleta na rampa e estacionou do lado da ponte.
Sentou lá no escuro, a espera. O tráfego na estrada era praticamente inexistente devido à falta de gasolina—apenas dois carros em mais de uma hora, e passaram por ele na pista rápida sem ao menos diminuir de velocidade. Seriam as pessoas que ele devia encontrar que haviam passado? O teriam visto? Se não fossem eles, será que viriam afinal? Perguntou-se. Tudo isto poderia ser uma piada elaborada e incompreensível.
Você é um tolo, ele disse a si mesmo com firmeza. Escutando histórias da Terra do Nunca na sua idade. Você provavelmente compraria a ponte Golden Gate se alguém oferecesse a você agora. Mas ele ficou, porque não havia nenhum lugar para ir.
Depois do que deve ter sido outra hora, viu alguns faróis se aproximando do norte. Estes viajam mais lentamente do que os carros que passaram zumbindo, e, a medida que se aproximavam, Peter pode notar que era uma fila de carros em procissão. O veículo que encabeçava parou antes de chegar à ponte e saiu no acostamento. Os carros atrás seguiram o seu exemplo.
Um refletor ligou na parte superior do veículo e mirou em Peter, cegando-o com o seu brilho. “Sr. Smith?” chamou uma voz estranha.
“Sim,” ele respondeu.
“Venha, entre, estávamos torcendo que estivesse aqui. Gostaria de jantar?”
1 (NdT) Expressão pejorativa que designa alguém que abandonou seu lar depois do Colapso em busca de algo melhor. O termo será melhor explicado mais a frente.
2 (NdT) Boxes refere-se a um modo de construção urbana, na qual muitas casas eram parecidas (no formato de pequenas caixas) a não ser pela cor, e ticky-tacky refere-se ao material de má qualidade utilizado na construção das mesmas.
3 (NdT) nome do mais famoso discurso do Presidente Abraham Lincoln em 19 de Novembro de 1863.
4 Provável referência ao filme western O Matador de 1950 (em inglês The Gunfighter).