Buch lesen: «Cian»
Cian
por
Charley Brindley
charleybrindley@yahoo.com
www.charleybrindley.com
Traduzido por
Lucas de Oliveira
Editado por
Karen Boston
Site https://bit.ly/2rJDq3f
Arte da capa e contracapa de
Lynette Yencho
lynette@lynettestudio.com
www.lynettestudio.com
© 2019 Charley Brindley, todos os direitos reservados
Primeira edição fevereiro de 2019
Este livro é dedicado à memória de minha mãe:
Avice Exom Walker Jensen
Outros livros de Charley Brindley
(em breve também em português)
1. O Poço de Oxana
2. A última missão da sétima cavalaria
3. Raji Livro Um: Octavia Pompeii
4. Raji Livro Dois: A Academia
5. Raji Livro Três: Dire Kawa
6. Raji Livro Quatro: A Casa do Vento Oeste
7. A Elefante de Hannibal: Livro Um
8. A Elefante de Hannibal: Livro Dois
9. Ariion XXIII
10. O último assento no Hindenburg
11. Libélula vs Monarca: Livro Um
12. Libélula vs Monarca: Livro Dois
13. O Mar da Tranquilidade 2.0 Livro 1 Exploração
14. O Mar da Tranquilidade 2.0 Livro 2 Invasão
15. O Mar da Tranquilidade 2.0 Livro 3 As víboras de areia
16. O Mar da Tranquilidade 2.0 Livro 4 A República
17. A vara de Deus, livro 1: À beira do desastre
18. A vara de Deus, livro 2: Mar das dores
19. Não ressuscite
20. Henrique IX
21. Incubadora de Qubit
Em Breve
22. Libélula vs Monarca: Livro Três
23. A viagem a Valdacia
24. Águas paradas correm profundas
25. Maquiavel
26. Ariion XXIX
27. A última missão da sétima cavalaria Livro 2
28. A Elefante de Hannibal, Livro Três
Consulte o final do livro para obter detalhes sobre as outras publicações.
Capítulo Um
Ouvimos uma movimentação mais pro fim das docas, onde uma luz no teto iluminava uma van de entrega vermelha em um enorme contêiner. Um animal estranho se esgueirou entre o caminhão e o contêiner, fugindo para sua liberdade. Dois homens perseguiam a assustada criatura.
– Oxana vai nos escalpelar por isso! – um dos homens gritou amedrontado.
– O Boi – gritou o segundo homem enquanto corria – ela vai levar é com a SUA pele na parede, não a minha.
O animal, algum tipo de antílope, com chifres longos, curvos e de pontas afiadas na direção da nuca, certamente não era nativo da América do Sul. Ele galopou pela frente do caminhão e foi para longe.
– Cadê tua 38, Silveira? – o primeiro homem gritou. – Atira no pé daquele pequeno antes que fuja!
Rachel e seu cachorro, Hero, estavam vários metros à nossa frente, pareciam determinados a não perder a perseguição dos dois capangas ao animal selvagem.
– Rachel! – Kaitlin, minha irmã, gritou enquanto corria para sua filha de nove anos.
Eu encontrei Kaitlin no momento em que ela puxou a criança pela mochila, a levantando pela alça. Tentei conter Hero, mas ele escapou e correu latindo na direção dos dois homens, ele se enfiou sob o caminhão no momento em que um tiro ecoou do outro lado.
– Tio Saxon! – Rachel gritou enquanto lutava contra a mão de aço de sua mãe que a segurava – Eles atiraram no meu cachorrinho.
Hero saiu correndo debaixo do caminhão em alta velocidade e pulou nos braços de Rachel. Ele estava ileso, mas tremia de medo.
– Vou acabar com esse absurdo – eu disse – Isso aqui não é lugar pra disparar uma arma —minha irmã ou Rachel poderiam acabar atingidas por uma bala perdida dessas.
– Saxon – Kaitlin olhou ao redor do cais vazio. —Vamos sair daqui.
Eu mantive minha mão estendida, balançando-a para frente e para trás, enquanto seguia para a frente do caminhão – São só dois.
O nascer do sol estava a poucos minutos daquelas docas, onde uma bifurcação na selva se espalhava ao longo de uma grande faixa de floresta esculpida nas margens do Rio Negro. Dezoito quilômetros rio abaixo, a água barrenta derramava-se no verde profundo do turbilhão Amazônico. O centro comercial remoto de Manaus, no mais sombrio coração da América do Sul, estava ainda acordando naquela manhã tropical de verão.
Virei de lado para me esgueirar com minha mochila entre a frente do caminhão e uma pilha de caixas. Grunhidos abafados saiam do caminhão. A carroceria estava coberta por uma lona de camuflagem, escondendo os animais dentro.
Logo antes de passar pela frente do caminhão, ouvi um forte ruído. Os dois homens estavam na beira do cais, olhando para a água. Um deles, Silveira, eu acho, segurava um revólver.
– Eu falei pra atirar só no pé – disse o outro homem. Sua cabeça era careca e brilhante, com uma faixa de curto cabelo castanho logo acima das orelhas.
–Agora vai precisar de uma história, ele nunca esteve no contêiner de carga ein.
Quando olhou para seu parceiro, pude ver seu bigode preto e espesso. Silveira tinha uma mandíbula pesada, sombreada por um espesso crescimento de bigodes irregulares, e seus cabelos oleosos caíam em cachos. Ele era muito mais alto que o careca, e eles pareciam um par de traficantes de esquina.
– Pelo menos assim Oxana não vai ficar sabendo o quão idiota você é. – disse Silveira.
– Você deixou a coisa escapar, então eu precisei fazer parar.
Decidi conter minha coragem como Hero havia feito, mas antes que eu pudesse fugir, outro grunhido veio de dentro do caminhão, atraindo a atenção dos dois homens. Quando Silveira me viu, rapidamente escondeu a arma nas costas. Seus olhos pretos e brilhantes olharam para mim sob a espessa sobrancelha de homem das cavernas enquanto ele se aproximava. O homenzinho hesitou, mas depois o seguiu.
– Bom dia! – eu disse, tentando parecer perdido, estúpido e completamente ignorante do evento que acabara de ocorrer.
– Você sabe o caminho para Alichapon-tupec?
Silveira, o imenso homem das cavernas, parou, aparentemente surpreso com o uso de sua língua. O segundo homem parou ao lado de seu comparsa. Depois de um momento, o pequeno falou comigo com um inglês meio esquisito.
– Ele nunca vê esse tipo de conversa.
Inglês? Mas eles estavam falando português antes.
Não queria que eles soubessem que tinha ouvido ou visto alguma coisa.
O careca se inclinou para perto de Silveira e sussurrou algo para ele, mantendo os olhos em mim. Assim que Silveira acenou com a cabeça, alguém chamou meu nome.
– Saxon – disse Kaitlin do outro lado do caminhão. – Tem uns homens vindo para cá – Ela também falava em português.
O homem baixo rapidamente baixou a mão de onde esteve até agora, nas costas do parceiro, na arma. Kaitlin deu a volta na frente do caminhão, seguida por Rachel, que ainda segurava Hero nos braços. O cachorro rosnou para os dois homens.
– Tem mais ou menos uma dúzia deles – Kaitlin pendurou os polegares nas alças da mochila e sinalizou na direção em que os outros homens vinham.
– Um parece polícia.
Ela estava falando comigo, mas olhando para Silveira e seu parceiro.
Obviamente, os dois homens a entenderam. Eles trocaram olhares, depois correram em direção à traseira do caminhão, entraram no contêiner de carga e bateram as portas de metal atrás deles.
– Vamos – Kaitlin sussurrou para mim – precisamos ir.
– Está tudo bem agora – eu disse – o policial vai cuidar deles.
– Seu idiota – ela sussurrou enquanto se afastava – Não tem ninguém vindo.
Eu e Rachel corremos atrás dela.
* * * * * *
Uma hora depois, saí do pequeno café, apropriadamente chamado Extremidade das Docas, para ver se encontrava um guia. Levei um copo com café quente e deixei minha irmã e sobrinha terminarem o café da manhã. Enquanto isso eu explorava as plataformas mais instáveis que ficavam depois das docas comerciais.
Cheguei a um cais de madeira e areia que se estendia até o rio. Estava deserto, exceto por uma pessoa sentada mais pro final. Coloquei meu copo vazio numa tina de lixo e fui caminhando em direção àquela figura. Talvez eu pudesse perguntar sobre a pesca e ter um pouco de informação.
Quando parei ao lado da menina sentada, a jovem me olhou de cima a baixo. Das minhas botas de couro arranhadas, passando pelas calças cáqui e camisa, até meu chapéu Panamá desgastado. Seus olhos hesitaram ao ver meu velho isqueiro Zippo, enfiado na faixa do chapéu. Ela voltou sua atenção para a água, obviamente sem se impressionar.
Ela estava nua acima da cintura, exceto por um amuleto pendurado em um cordão de couro em volta do pescoço. Inclinei minha cabeça para ver melhor.
– Isso é um modem da IBM?
Seus olhos se estreitaram em mim como se eu tivesse dito algo inapropriado. Ela se sentou, com um joelho levantado, apoiando o pé nas tábuas do cais e usava um pedaço de tecido adamascado como saia. Sua outra perna, cortada de forma bruta de um pedaço de mogno ou algo assim, pendia na água barrenta.
Ela me ignorou, puxou um rato, que se debatia de um saco de estopa, e então jogou o roedor cinza às piranhas pretas. Sua expressão era fria, como se ela não se importasse com o que comeu quem, desde que alguém fosse devorado.
O modem dela não aparentava ser lento e antiquado, o tipo que se esperaria encontrar na selva, mas um dispositivo moderno projetado para comunicações rápidas; da largura de uma caixinha de mentos e tão fino quanto o dedo anelar de uma mulher. 'IBM' estava impresso ao lado, seguido de 'USB'; provavelmente pertencera a um notebook e era de fabricação recente. Um pedaço de couro trançado atravessava um buraco em um canto, e triângulos feitos do pelo de animais cobriam as bordas, protegendo as partes macias do seu corpo.
Era uma pena esse buraco no modem, poderia ter servido pro notebook que planejava comprar para Kaitlin, após nossa viagem de volta a Lisboa. Esse computador seria uma grande ajuda para minha irmã na organização dos dados que ela coletou.
– Você sabe o caminho para Alichapon-tupec?
A mulher olhou para mim por um longo tempo, sem falar. Seus olhos escuros tinham uma intensidade suave que era quase hipnótica, eu sentia necessidade de desviar o olhar, mas não conseguia.
Algo espirrou violentamente na água abaixo do final do cais e depois se aquietou. Um papagaio chamava seu companheiro que havia se afastado para se juntar à fêmea no lado oposto do rio. Uma brisa preguiçosa trouxe um leve cheiro de jasmim, tocando o cabelo da mulher e as delicadas pétalas vermelhas e amarelas enfiadas na orelha esquerda. O alto sonido de um macaco reivindicando seu território ecoou por toda a floresta. Todos esses eventos preencheram o espaço em questão de segundos, mas parecia muito mais tempo enquanto a jovem ainda fitava meus olhos, como se fosse capaz de enxergar para além dos meus rasos pensamentos.
Finalmente, ela falou comigo em yanomami e apontou para algumas canoas amarradas ao longo do cais, me dispensando com o gesto. Não entendi as palavras dela, só reconheci a língua yanomami porque a ouvi falada por muitos naquela região do Amazonas. Quando fiz sinais da minha ignorância, ela me lançou um olhar que não posso dizer que era hostil, mas também não foi amigável. Irritação foi a sensação que me que veio à mente. Eu olhei para as piranhas; elas também pareciam um pouco irritadas com a minha intrusão. O rato já não estava à vista.
Ela pegou minha mão para se levantar e fiquei surpreso com sua falta de altura. Seus cabelos escuros e brilhantes estavam repartidos no meio, e o topo da cabeça alcançava apenas o nível do meu peito. Um momento antes, quando estava olhando para mim, pensei que ela fosse tão alta quanto eu, ou talvez maior. Mas era apenas uma projeção de estatura, uma aura de coragem que era surpreendentemente forte. Agora que ela estava de pé, olhava para seu tamanho, mas a aura permanecia.
Ela jogou os longos cabelos por cima do ombro, enquanto o sol brilhava em seu amuleto. Pensando no que teria acontecido ao proprietário anterior do modem quis alcançá-lo, mas antes que meus dedos o tocassem ela me deu um tapa, com força.
Fiquei tão atordoado que não consegui reagir por um momento. O impacto de sua mão no meu rosto sacudiu uma lembrança há muito enterrada. Acho que já fazia uns cinco anos desde a última vez que uma mulher me deu um tapa, a lembrança ficou nítida. Rivadávia, Argentina. No meio do verão, tão quente na varanda tórrida que nada se mexia, nem mesmo o pequeno lagarto verde que subira os galhos de um palo borracho naquela manhã, para uma refeição saborosa de moscas e formigas. Lauren me dera um tapa naquele calor subtropical e na mesma bochecha, embora não tão duro quanto o que eu acabara de receber.
Lauren era uma mulher bonita, mas talvez um pouco abaixo do nível de perfeição. Ela acreditava em todas as teorias da conspiração que ouvia e, como trabalhava em uma agência governamental, lidando, penso, com exportações e coisas do tipo, achava que pessoas obscuras estavam sempre atrás dela. Era nervosa, de temperamento quente, eu deveria saber que ela explodiria algum dia.
Lauren estava há anos e milhares de quilômetros, daquele pequeno cais no Rio Negro, onde eu acabara de levar um tapa novamente. Esfreguei minha bochecha ardente e, quando olhei para as pontas dos dedos, vi uma fina faixa de sangue, junto com um mosquito achatado.
– Um pouco exagerado, não acha? – Eu disse enquanto ajustava meu chapéu de volta no lugar.
Ela não respondeu; só me olhou de novo com um reflexo nos olhos, como se estivesse me desafiando a lhe dar um soco.
Se o mosquito era um espectador inocente de um avanço insolente ou se a mulher estava me salvando de um caso de malária eu não tinha certeza. Reconheci, no entanto, as marcas distintas das asas de um Anopheles Punctipennis, uma fêmea, é claro, e portadora conhecida da temida doença.
Se o tapa na cara era sua maneira primitiva de me manter saudável, então com que propósito? Eu nunca tinha ouvido falar de canibalismo naquela parte da Amazônia, mas também nunca havia visto uma donzela seminua bonita alimentando ratos com piranhas.
Quando ela se abaixou para pegar seu arco e aljava de flechas, senti um impulso há muito adormecido dentro de mim. Antes que esse sentimento se fundasse, ela endireitou-se e disse algo para mim, acenando para a outra bolsa. Isso eu entendi; algumas coisas não precisam de tradução.
Respirei fundo para acalmar meu coração acelerado, depois peguei o saco de ratos e a segui pelo cais, combinando meus passos com os dela. Enquanto caminhávamos, notei as fileiras de pequenos dentes ao redor da marca d' água na perna de madeira; se feita por ratos ou piranhas, eu não saberia dizer.
Chegamos a uma pequena canoa, e ela a apontou. Eu disse que estava viajando com outras pessoas.
Usando um poico de mímica, ela fez uma pergunta. Eu assumi que era sobre minha companhia.
– Duas – respondi – uma delas é dessa altura – Estendi minha mão, na altura dos ombros, para indicar a altura da minha irmã Kaitlin – E uma assim – eu disse, com a mão ligeiramente mais baixa para a altura da minha sobrinha, Rachel – E um cachorro estúpido desse tamanho.
Ela balançou a cabeça e encolheu os ombros me conduzindo a uma canoa um pouco maior. Puxei um mapa da minha mochila. Mostrava uma Manaus às margens do rio Madeira, não na confluência do rio Negro e da Amazônia, como ela realmente é. E Alichapon-Tupec estava marcada vinte e cinco quilômetros a jusante da junção dos dois rios. Se isso fosse verdade, deveríamos ter passado por Alichapon-tupec no dia anterior enquanto viajávamos rio acima no barco, o que não aconteceu; por isso minha pergunta para a jovem do cais.
Eu queria localizar a vila o mais rápido possível, para que Kaitlin pudesse coletar suas amostras de plantas, aprender o uso medicinal das folhas, e poderíamos estar voltando para o Rio de Janeiro. Se perdemos o Borboleta quando partisse para Lisboa, ficaríamos várias semanas à procura de outro transporte.
Entreguei meu mapa para a mulher, que desenrolou e estudou com grande interesse, enquanto eu observava o rosto dela passar por uma progressão de caretas, beicinhos e sobrancelhas franzidas. Meus olhos começaram a vagar, e a National Geographic Magazine veio à mente. Quando eu era criança, a única maneira de ver os seios nus de uma mulher era na biblioteca, na seção de arquivos da revista, onde anos e anos daquelas revistas de capa amarela eram armazenados.
– Bem, senhor Saxon Lostasia – dizia a bibliotecária enquanto eu tentava passar por ela enquanto saía da biblioteca.
– Estamos explorando um pouco hoje, não é?
Ela então sorria e piscava um olho enquanto eu corria para a porta. A senhorita Pentava parecia velha para mim, mas não podia ter mais de vinte e cinco anos.
Essa mulher sob meus olhos de agora seria uma ótima garota de revista, mas não uma bibliotecária muito boa.
Levei meus olhos de volta para o mapa, o tirei das mãos dela e virei com o lado direito para cima devolvendo-o. Mais uma vez, depois de um olhar de soslaio para mim, seu rosto realizou um exercício quase idêntico de expressões como antes.
Inacreditável, pensei. Ela deve estar memorizando a coisa toda; primeiro da perspectiva do sul, e agora do norte! Memória fotográfica, provavelmente.
Atrás de mim, ouvi um cachorro latindo e pude ver Rachel e Hero correndo em nossa direção. A mudança que ocorreu com a mulher quando a criança e o cachorro chegaram até ela foi surpreendente.
Capítulo Dois
Quando a jovem se ajoelhou para se elevar ao nível de Rachel, seu rosto parecia tão altivo e cativante quanto o da criança. O rosto sério e pensativo de adulta foi sumindo completamente e ficando aparentemente esquecido. Eu pensei que ela era linda antes, mas agora, estava ensolarada, envolvente, quase angelical.
–Oi.– Disse Rachel.
A jovem sorriu para Rachel e tocou Hero com a mão, o que o levou a cair no cais, rolar de costas e expor sua barriga para ser esfregada. A mulher riu e agradeceu alegremente.
– O que aconteceu com a sua perna? – Rachel perguntou em português enquanto se ajoelhava e ajudava a colocar Hero em estado de êxtase.
A mulher sorriu para Rachel, balançou a cabeça e deu de ombros. Rachel tentou a mesma pergunta em francês, mas a mulher ainda não entendia. Destemida, a garota usava língua de sinais. A mulher fez sinais para ela.
Eles estavam tendo uma conversa silenciosa, mas eu não tinha ideia do que estavam dizendo.
Kaitlin se juntou a nós e eu vi a sobrancelha direita da minha irmã subir, com um pequeno sorriso curvando seus lábios enquanto me olhava. Talvez a marca vermelha de uma mão ainda estivesse visível na minha bochecha.
Quando a jovem se levantou, desta vez não pegando minha mão para obter assistência, sua expressão mudou mais uma vez. Ela estava bastante triste quando olhou da minha irmã para mim e de volta para Kaitlin.
–Essa é minha mãe. —Disse Rachel, voltando ao português, o idioma mais confortável entre nós três.
Kaitlin era uma cópia maior de Rachel; cachos loiros, olhos cinzentos, esbeltas. Suponho que alguém possa descrever minha irmã como bem definida, mas em suas calças cargo, blusa cambraia folgada, bolsos cheios de canetas, lápis, blocos de notas, repelente de insetos e uma lupa, era difícil perceber sua silhueta.
A jovem olhou para Rachel e com uma expressão interrogativa disse algo para ela.
–Mãe. —Explicou Rachel.
A mulher franziu as sobrancelhas, obviamente sem entender.
–O nome dela é Kaitlin – disse Rachel – minha mãe. Ela juntou os braços, balançou-os no berço e apontou para si mesma.
Isso me fez sorrir. Muitas vezes no passado, nós três colidimos com a barreira do idioma. Alguns meses antes, na cidade de Antalaha, em Madagascar, estávamos tentando comprar em um movimentado mercado de carne. Depois de dez minutos usando todas as palavras e gestos que conhecíamos, Rachel mugiu como uma vaca. Isso deixou todos na loja em um silêncio atordoado enquanto olhavam para a garotinha fazendo sons estranhos. O rosto do açougueiro se iluminou enquanto respondia com algumas palavras em seu idioma, mugindo como uma vaca também logo em seguida. Seus clientes começaram a rir e vários deles vieram ao nosso auxílio com sugestões sobre vários cortes de carne que poderíamos gostar. O açougueiro feliz trouxe bifes, carne moída e peito para nossa inspeção.
A jovem notou minha expressão divertida e me deu um olhar severo.
– Ele é meu tio Saxon – disse Rachel, indicando-me. – Meu nome é Rachel – disse ela, colocando a mão no peito. – E este é o Hero – disse enquanto se ajoelhava ao lado do cachorro.
A mulher também se ajoelhou, seu rosto se iluminando um pouco. Ela então apontou para Hero erguendo as sobrancelhas.
– Hero – disse Rachel.
– Hero? – a mulher perguntou, e o cachorro ficou instantaneamente de pé lambendo o seu rosto. —Hero! – ela disse novamente rindo, depois deu um tapinha no ombro de Rachel e olhou para ela.
– Rachel – disse Rachel.
– Rabel – disse a mulher.
– Não – disse Rachel – Ra-CHEL.
– Ah! – disse ela – Ra-CHEL.
Rachel assentiu vigorosamente enquanto a mulher se levantava para dar um tapinha no ombro de Kaitlin, enquanto olhava para a garota.
– Mãe
– Não, para você ela é Kaitlin – Rachel disse —O nome dela é Kaitlin.
A mulher entendeu logo depois de algumas tentativas. Minha irmã largou a mochila na doca e estendeu a mão, e as duas apertaram. A mulher então olhou para mim, mas não me tocou.
– Esse é o meu tio Saxon – disse Rachel.
– Vio Sacton – disse ela.
Rachel riu.
–Tio Saxon – disse ela – mas você deveria chamá-lo de Saxon.
– Tio Saxon – disse ela – Tio Saxon.
– Qual o seu nome? – Kaitlin perguntou, dando um toque no ombro da mulher.
Ela falou uma frase com uma palavra no final que parecia "Scee-amn".
Ela repetiu a palavra.
–Cian? —Kaitlin disse.
Ela sorriu e disse novamente.
Tive a impressão, não sei porquê, que ela não entendia o nosso relacionamento; Kaitlin e eu sendo irmãos, em vez de marido e mulher. Mas, de que importava?
Eu me virei para minha irmã.
–Tenho certeza – eu disse – que Alichapon-tupec não pode ser mais longe que um ou dois dias daqui. Nossos suprimentos devem ser mais do que suficientes até lá.
–Você acha? – Kaitlin me deu um olhar que eu já tinha visto antes; duvidosa da minha capacidade de analisar qualquer problema em grandes detalhes.
– Essa mulher… – Eu tentei lembrar o nome dela.
– Cian – disse Kaitlin.
–Cian estudou meu mapa e, se você puder convencê-la a nos guiar, podemos encontrar sua erva exótica e voltar para o Rio na quarta-feira.
– Saxon – Kaitlin me disse – Você nunca deixa de me surpreender com o poder do seu vasto intelecto.
– Sério? Eu disse com um sorriso.
* * * * *
No início da tarde, saímos de Manaus remando rio acima. Cinco de nós estávamos na longa canoa. Cian, nossa nova guia na proa, com Hero sentado ao lado dela, seguido por minha irmã Kaitlin, depois Rachel mais para o meio do barco. Nossas mochilas estavam guardadas atrás de Rachel. Eu sentei na popa. Cian e eu trabalhávamos nos remos.
Assim que saímos do cais, manobramos em direção ao meio do rio, sentindo a parte mais fraca da corrente. Cian remava de um lado na frente e eu, atrás, remava do outro. Ocasionalmente, ela parava para observar a direção do barco. Eu acho que ela estava esperando para ver se eu poderia nos manter verdadeiramente em curso. Enquanto ela trabalhava, eu podia ver os músculos em seus ombros e costas contraindo sob seu bronzeado suave enquanto seus cabelos balançavam para frente e para trás. Ela continuou por cerca de dez minutos, sem diminuir o ritmo. Mergulhei meu remo profundamente na água marrom turbulenta e me certifiquei de que ela pudesse me sentir empurrando o barco à frente. Ela o fez e relaxou um pouco me deixando fazer a maior parte do trabalho.
Quando Cian puxou seu remo da água para um breve descanso, remei com mais força para manter nossa velocidade. Ela pegou seu cabelo comprido e brilhante, separou-o em três mechas grossas enroladas e trançou os fios na parte de trás da cabeça, prendendo com o cordão de couro de seu amuleto. Vi a transpiração brilhando em seu corpo e, enquanto ela trabalhava em seus cabelos, uma pequena gota escorreu para suas costas em direção ao cós da saia.
Se Cian pensava que Kaitlin e eu éramos marido e mulher, como eu poderia explicar a verdadeira situação para ela? Eu amava minha irmã e fiquei feliz em dar a ela o pouco de ajuda que pude com sua pesquisa, embora minha contribuição não fosse muito mais do que trabalho braçal.
Onde Kaitlin se educara na arte e na ciência da etnobotânica, eu só aprendera a ser marinheiro. Ah, e não apenas um remador de canoas. Eu era marinheiro há muitos anos e esperava ter em breve o título de primeiro major. Depois disso, eu trabalharia para obter uma licença de mestre. Mas tudo isso viria depois que Kaitlin terminasse seu projeto.