Vida De Aeromoça

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Com frequência, a insatisfação do cliente era influenciada por fatores externos, como atrasos, conexões complicadas, embarques desordenados, aviões desconfortáveis ou serviço de limpeza apressado. Portanto, um comportamento compreensivo e propositivo podia ajudar a resolver os problemas.

Medo de voar

Em um dia de outubro, Eva ficou insuportável depois das discussões que costumávamos ter sobre a arrumação da casa, porque as repreensões eram majoritariamente voltadas a ela.

Eu ouvia os palavrões e as coisas que ela dizia em napolitano, que contrastavam tanto com seu falar comumente desprovido de inflexões dialetais.

Seriam as radiações cósmicas, os campos magnéticos ou o barulho dos aviões responsáveis por aquela mudança de humor?

No meio-tempo, Ludovica decidiu marcar uma massagem ayurvédica para fortalecer os músculos, relaxar o corpo e estimular a circulação com a esteticista indiana que alugou um espaço na vizinhança, e nos informou que, a partir de segunda-feira, estaria de dieta, pois Eva tinha dito que ultimamente parecia ter ganhado peso.

Eu estava aninhada no sofá, com roupas de ficar em casa e um suéter bege masculino; uma coberta sobre as pernas me protegia dos primeiros ventos do inverno, e eu tentava ter um momento de relaxamento.

Não conseguia dormir porque a adrenalina do pós-voo ainda não tinha passado.

De repente, me veio a lembrança do dia anterior.

Eu tinha conhecido a bordo o casal Lucherini: a senhora Lucrezia e o doutor Massimo.

Durante o embarque, logo percebi alguns sinais de tensão em seu comportamento. Eles começavam a tomar assento, com as costas um pouco recurvadas, caminhando rigidamente, com o queixo baixo e uma atitude passiva e dócil.

Os braços dele estavam retos e estendidos rigidamente ao lado do corpo, os dela estavam cruzados, quase se protegendo instintivamente, e ambos olhavam ao redor, como se estivessem procurando algo, uma forma de escapar. As pupilas de ambos estavam completamente dilatadas, como se sofressem de midríase.

Os movimentos do corpo eram lentos, e eu percebia que eles me direcionavam um leve sorriso, que eu retribuía com graça.

Estavam rígidos na poltrona, apoiados na borda externa da cadeira, com um pé para frente e outro para trás, como se quisessem escapar. Mudavam constantemente de posição, como se a poltrona estivesse em chamas.

Meu responsável, que parecia um sósia de James Dean, sempre alegre mas com uma tristeza quase imperceptível no olhar, me fez um sinal para cuidar deles.

Aproximei-me do casal, perguntando se precisavam de minha assistência, e a senhora disse que não, enquanto sua cabeça dizia sim, e começou a balançar o busto, prendendo a respiração como se não quisesse ser notada.

Logo me dei conta da situação. A senhora sofria de um distúrbio bastante comum, que cria diversos problemas e ataca de forma indiscriminada: o medo de voar.

Eu tinha aprendido no curso como me comportar nesses casos: o medo excessivo pode degringolar em pânico, o temor pode ficar insuperável e levar até à total perda do controle.

Os sintomas são vertigem, náusea, nó na garganta, palpitações, suor frio, taquicardia.

Embora eles não tivessem pedido, dei alguns conselhos sobre o que fazer caso sentissem algum mal-estar. Reprimir o nervosismo só o aumenta. Deve-se, no lugar, aceitar os próprios medos e enfrentá-los de forma positiva, para conseguir geri-los e controlá-los.

Além disso, sugeri que não tomassem nenhuma cafeína, lessem um bom livro ou fizessem uma palavra-cruzada para manter a mente ocupada.

Durante a decolagem, vi seus rostos empalidecerem, e a chamada de comissários acender sobre eles.

Depois de tirar o cinto de segurança, fui averiguar a situação.

A senhora começou a se soltar:

 Desculpe se a incomodo - disse timidamente -, mas gostaria de informar que estou aterrorizada. Qualquer movimento que sinto, tenho a impressão de que meu estômago se parte em dois. O problema é que o poço de ar me provoca sensações desagradáveis. Preciso pegar o avião para encontrar com minha mãe, que já está muito velha, na Alemanha, então não posso evitar.

Vi que ela passou a mão pelos cabelos e começou a enrolar um cacho freneticamente.

O marido aproximou-se dela, como se quisesse confortá-la, um pouco duro e desajeitado, os lábios contraídos e as mãos suadas. Também dava sinais claros de desconforto.

 Os temporais são perigosos? - perguntou baixo, engolindo pedaços das palavras e mexendo os músculos faciais continuamente.

O marido começou a tamborilar com os dedos na mesinha à frente.

Com o tom seguro e decidido, disse:

 Não, tudo está sob controle, nós não teríamos partido se houvesse qualquer perigo. Tudo está sob controle – repeti. – A chuva não vai criar nenhum problema para nossa segurança. As sensações desagradáveis que os senhores sentirem será por causa do vento, que causa uma oscilação absolutamente normal.

Voltei ao galley para organizar o serviço com meus colegas.

A senhora me seguiu logo depois.

 Por favor, me ajude. Estou com vontade de gritar e chorar. Todo voo é uma tragédia, e eu começo a ficar nervosa um mês antes da viagem, só de pensar em fazer a mala. Morro de vergonha disso, mas não sei o que fazer, gostaria de desaparecer! – ela implorou com fervor e humildade.

 Fique tranquila, a senhora pode ter a impressão de que o avião dá solavancos, mas isso é só fricção.

Fui me aproximando lentamente, até que cheguei a seu lado, sem hesitar.

Falando baixo, de modo claro e escolhendo bem as palavras:

 Não se preocupe, eu estou aqui – disse levemente recurvada, aproximando-me dela para tentar dar o apoio desejado e tentando diminuir seu embaraço e aquele nervosismo.

Eu respeitava aquele medo irracional e compreendia o desconforto.

Apertei seu braço com firmeza, segurando-a delicadamente com as duas mãos, e olhei em seus olhos para estabelecer um contato mais próximo.

Acompanhei-a de volta ao seu assento.

A senhora parecia minha mãe: mesma idade, muito educada, aparentemente frágil. Foi fácil entrar em sintonia com seus sentimentos.

Durante o voo, passei pela cabine diversas vezes, trocando olhares com ela para tranquilizá-la.

Ela me chamou de novo quando houve mais uma turbulência, e eu tentei sanar aquelas dúvidas e temores que persistiam e transpareciam na postura sempre rígida.

Disse que a segurança do avião é de altíssimo nível, que os controles técnicos e a manutenção são contínuos e que os pilotos são perfeitamente treinados.

Durante a preparação para a aterrissagem, ela me perguntou, com uma tranquilidade fingida:

 São normais esses barulhos ou há algo de errado?

Expliquei a ela de onde vinham todos os barulhos que poderiam causar desconfiança: o posicionamento do trem de aterrissagem, a abertura das escotilhas, a aceleração e as variações dos motores, a abertura dos flaps e slats, o toque do nosso microtelefone, os avisos de chamada dos passageiros.

Senti que ela gostou de saber daquilo, mesmo continuando a roer as unhas inconscientemente.

Aconselhei que ela inspirasse e expirasse profunda e lentamente para oxigenar o corpo e relaxar os músculos, adicionando algumas técnicas de visualização positiva para auxiliar no relaxamento.

A senhora agora parecia sentar-se com mais conforto, mais à vontade, assim como o doutor Lucherini, embora em seu rosto ainda houvesse uma expressão incerta, um pouco de fingimento, com o lado direito do sorriso um pouco mais alto do que o esquerdo.

 Você é nosso anjo dos céus – disse.

Na descida, houve apenas algumas leves turbulências devidas ao mau-tempo, e o voo terminou com uma aterrissagem macia.

 Senhoras e senhores, bem-vindos. Desejamos uma estada agradável.

Chegamos no horário exato a Frankfurt.

Antes de sair, a senhora me deu um abraço discreto e elegante e me agradeceu.

Eu que estava grata por sua gentileza.

O marido apertou minha mão com vigor e a força recuperada, demonstrando a classe que eu reconheci desde o início.

 Até logo!

Estas são as lembranças que nos vêm de súbito quando estamos tentando descansar em casa. De repente, ouvi a porta bater.

Eva havia saído.

Pus a coberta sobre o rosto para evitar a luz que entrava pela janela.

Chegara a hora de relaxar. Eu estava quase dormindo, perdida nos pensamentos, achando que voar, ficar preso dentro de um avião, pode não ser nada natural, portanto, desenvolver medos inconscientes é perfeitamente compreensível. Lembrei naquele momento histórias do meu passado. Compreendi como elas podem nos influenciar por praticamente toda a vida.

A adolescência

Desde jovem, ter pouco tempo disponível sempre foi motivo de sofrimento, porque me sentia prisioneira dos poucos espaços pessoais e dos breves momentos de liberdade, já que devia respeitar rigorosamente os horários impostos de forma atenta.

Eu não era dona do meu tempo.

Lembro que, até os 18 anos, precisava voltar para casa no máximo às 11 da noite, nos poucos sábados em que me permitiam sair.

 

Meus amigos se reuniam às nove para decidir onde comer, então nunca conseguíamos sentar à mesa antes das 10.

Eu sempre tinha pressa, ficava nervosa se o garçom demorava para chegar, não conseguia aproveitar a companhia dos outros porque sabia que precisaria voltar para casa logo.

Só me sobrava tempo para fazer o pedido, na esperança de que um atendimento rápido permitisse pelo menos que eu saboreasse aquela pizza, mesmo depois de perder o apetite, pois meu estômago começava a ficar tenso, e os sucos gástricos se misturavam com a agitação.

De qualquer forma, eu me levantava da mesa já atrasada para voltar para casa no horário estabelecido.

Era sempre difícil convencer alguém a interromper a janta para me acompanhar, mas o horário de retorno era inderrogável e categórico, e eu não tinha nenhum meio de transporte.

No trajeto para casa, eu implorava para que nenhum limite de velocidade fosse observado. Às vezes as luzes vermelhas do semáforo eram simplesmente ignoradas.

Eu morria de medo de correr no carro, e esse medo permanece comigo até hoje. Eu ó via as luzes noturnas passarem voando por mim; os faróis dos outros carros e os postes ficavam para trás muito rapidamente.

Era o preço a pagar para evitar as humilhações e repreensões na minha volta. Se eu saísse da linha, encontrava a porta da frente fechada por dentro e precisava inventar qualquer desculpa para não precisar ver aquela careta ameaçadora de meu pai, enfurecido com minha desobediência, com minha falta de respeito, além de certamente preocupado.

Intimidações e punições vinham na forma de gritos, surras e novas proibições ainda mais rígidas.

Tudo isso só pelo atraso de poucos minutos.

Poucos minutos.

Com certeza meu pai foi severo demais.

Lembro o dia em que eu estava muito feliz por ter conseguido permissão para ir à festa de aniversário de minha melhor amiga. Foram dias tentando convencê-lo.

Iria encontrar um rapaz, colega de classe, de que eu gostava muito.

Como eu precisava deixar minha roupa de acordo com os padrões de meu pai (talvez rigidez de meu pai fosse mais apropriado), a saia não podia ser muito curta, nenhuma peça de roupa justa e sapatos sem salto. Então, decidi provar uma maquiagem que ganhei de presente.

Minhas mãos inexperientes exageraram nas bochechas, aquele blush tão rosa e tão agradável aos olhos, aquele batom tão brilhante, tão vermelho, faziam eu me sentir mais bonita. Um pouco de rímel nos cílios fecharia o look.

Eu tinha 17 anos, e aquela maquiagem ficou horrível aos olhos de meu pai, inadequada para sua garotinha que estava tentando parecer uma moça sedutora.

Irritado, esfregou com força a mão na minha boca, espalhando o batom pelas bochechas para tentar apagar meu trabalho tão cuidadosamente pintado.

Meus olhos começaram a lacrimejar, e o rímel borrou minhas pálpebras inchadas de lágrima. Olhei-me no espelho do banheiro e vi a máscara de um palhaço.

Depois de me lavar com um sabão que queimava os olhos, mas que retirou todos os resíduos da maquiagem borrada, finalmente ganhei permissão para sair e fui àquela tão sonhada festa, com o rosto vermelho e úmido, mas sem maquiagem.

Não consegui me divertir.

Como eu queria, naquela época de adolescente, fugir, ir para longe, partir, viajar, viver sozinha.

Os sonhos, armados de teimosia e força de vontade, às vezes não se tornam realidade. Mas compreendi, naquele dia, onde e quando nascem.

Aos pouquinhos, dia após dia, mês após mês, ano após ano, eu ia aprendendo coisas importantes e adquirindo experiências necessárias para me relacionar melhor com meus colegas e passageiros com personalidade e características diversas e heterogêneas.

Mas também compreendi logo que a organização da minha vida era decidida no fim do mês, quando publicavam a esperada “folha de turnos”, uma planilha aparentemente anônima e fria onde constam as escalas do mês seguinte.

A companhia aérea inseria esse comunicado oficial nos escaninhos pessoais, uma extensão de infinitas caixinhas postais enfileiradas em uma sala no aeroporto digna de filme policial. Hoje o comunicado é feito por e-mail.

A “folha de turnos”, que eu contemplava mês a mês, me dava ansiedade, muitas vezes entusiasmo e grandes expectativas, às vezes desilusão por aqueles repousos e férias que eu pedia e nem sempre eram concedidos.

Todos os encontros, compromissos, casamentos de que poderia ter participado, as finais de futebol, os ingressos de primeira fila no teatro, a despedida de solteira da minha melhor amiga, o aniversário de algum namorado, a ceia de natal, o aniversário dos meus pais, a semana no chalé na montanha, o curso de tango às quintas de tarde: era muito difícil participar disso tudo, e era preciso adaptar-se às decisões tomadas pelo computador da companhia.

A partir daquele momento, era possível aceitar ou recusar convites, combinar encontros importantes, estabelecer horários estranhos para assistir a aulas, fazer de tudo para chegar a tempo em qualquer lugar, ou então chegar, mesmo que atrasada, nas reuniões de condomínio; dizer adeus aos torneios de truco, mas, em compensação, ter a “satisfação” de ouvir Gigi Marzullo, cambaleando de sono por causa do fuso.

Havia cerca de dez dias de descanso por mês, enquanto a divisão valia para os outros 20.

Eu, Eva, Valentina e Ludovica sempre esperávamos ter dias e horários de partida diferentes uns dos outros, tanto para ter mais espaço em casa quanto para poder organizar melhor o tempo em nosso principal problema: banhos muito longos.

Era comum que um voo começasse logo cedo, e o despertar costumava ser uma hora antes.

Depois de um café da manhã muito rápido e uma bela ducha revigorante, punha-se o uniforme preparado no dia anterior, certificando-se de que os sapatos estivesses lustrados e que as meias-calças não estivessem desbotadas da máquina.

Grande parte de nós tinha um segredo “inconfessável”: a camisa ficava por dentro dos collants horríveis – muitas vezes feitos sob medida para evitar o surgimento de veias varicosas e inchaços por causa da pressurização da cabine. Só assim era possível evitar que a camisa escapasse da saia quando levantávamos os braços para organizar as bagagens dos passageiros.

Embaixo da saia éramos uma desgraça!

Organizada a roupa, passávamos a maquiagem, verificávamos se o cabelo estava em ordem e, por fim, os documentos.

Na bolsa de mão, não podiam faltar uma roupa sobressalente, lanterna, o caderno com os comunicados de voo, o manual operacional, meia-calça extra, sapato de salto mais baixo para as rotas mais longas, luvas de pele. No Crew Briefing Center do aeroporto, o lugar onde se reúnem todas as tripulações, começava o briefing em cada uma das salinhas reservadas.

Nós nos reuníamos para conhecer a tripulação, nos apresentávamos, discutíamos questões críticas do voo, sobre as condições meteorológicas, éramos informados dos aspectos comerciais, sobre o tipo de serviço e sobre os passageiros que estariam no voo.

O enquadramento era quase militar: havia uma hierarquia, e ela devia ser respeitada.

À frente de toda a tripulação estava o comandante, depois o copiloto e, a seguir, o assistente de voo, de acordo com o grau.

Todos os assistentes de voo, no que diz respeito ao serviço prestado e o relacionamento com os passageiros, tinham como ponto de referência o responsável da própria área de trabalho que colaborava com o chefe de cabine, o qual, por sua vez, comandava o andamento do voo e mantinha contato com o cockpit, ou seja, o piloto.

Ao final do voo, cada assistente era submetido a uma avaliação escrita e assinada, onde eram avaliados o profissionalismo, a competência técnica, o conhecimento das línguas estrangeiras, a assistência dadas aos passageiros e se a sua aparência estava em conformidade com as normas.

E foi assim que os anos passaram, voo após voo, encontro sobre encontro, fusos horários e noites sem dormir, línguas diferentes, países tórridos e gelados, comidas condimentadas e sabores delicados, céus serenos e turbulências inesperadas.

Uma vida imprevisível

Chegou a primavera e, depois de um inverno muito rigoroso, finalmente encontrei seca a malinha despachada, que fica exposta ao clima durante aquele breve momento que os carregadores precisam para colocá-las no porão.

Seria maravilhoso passar a Páscoa com Valentina, que estava de folga naquele fim de semana.

A companhia havia me deixado de sobreaviso, e eu esperava para saber em qual cidade do mundo eu dormiria naquela noite.

Já havia compreendido que a vida pessoal e as necessidades cotidianas eram mutáveis e variáveis: precisavam adaptar-se às constantes mudanças.

É realmente difícil para um navegante acompanhar tudo, especialmente quem tem família e filhos, e isso acontece sobretudo naquele mês em que aparece o famigerado “sobreaviso”.

Durante o ano de trabalho, em diversos períodos, nós comissários de bordo podíamos ter na escala um período de sobreaviso, que é uma substituição repentina da tripulação por algum infortúnio, indisposição ou outro motivo qualquer.

Por sobreaviso, entende-se que se deve esperar o dia todo para partir em qualquer turno, a qualquer destino, com um aviso de uma hora para se preparar, fazer a mala e organizar uma ausência de casa que pode durar até sete dias.

Nessas situações, não é muito agradável ouvir o telefone tocar, que pode frustrar as esperanças de um almoço ou janta em família.

O departamento que regula e organiza todas as partidas é responsável por essa comunicação e, dadas as inúmeras dificuldades operacionais causadas por ocasionais ausências de tripulação no voo, distribui as rotas provisoriamente descobertas de pessoal. O sobreaviso pode começar às cinco da manhã, e o toque do telefone àquela hora realmente é de arrepiar, então a malinha “básica”, com o absolutamente indispensável, deve estar pronta para evitar esquecimentos na pressa de partir.

Um pullover de lã e uma roupa de banho são úteis para qualquer destino.

O beauty case deve sempre estar à disposição, e é necessário lembrar de substituir a pasta de dente quando estiver terminando.

A camisa de uniforme sobressalente, limpa e passada para o voo da volta, é fundamental, além de alguns sapatos confortáveis que sirvam para qualquer temperatura, pijama e maquiagem.

Eu já fazia a mala automaticamente.

Como quer que seja, eu estava - e ainda estou - convencida de ter um dos melhores trabalhos do mundo, apesar de todas as dificuldades e desvantagens, mesmo com o constante fazer e desfazer de malas, ou com a vontade de voltar para casa, mesmo com o desejo constante de rever os entes queridos. Eu não fui feita para a rotina, e o mundo jamais deixa de me intrigar. Compartilhar visões com outros mundos ou pessoas sempre diferentes me fortalece. Além disso, voltar para casa sempre me faz suspirar e causa uma alegria imensa, principalmente pelas pequenas coisas cotidianas, que ganham um valor imenso.

O cotidiano, no entanto, preme.

 Vou ou não vou? – eu me perguntava naquele dia.

Nada, nenhum comunicado, nenhum telefonema do departamento.

 Eles poderiam avisar com um pouco de antecedência, afinal é Páscoa!

Nervosa e um pouco impaciente, tentei colocar na mala as coisas que serviriam para qualquer destino, dobrei as camisas e, se por um lado esperava ansiosamente não precisar ir, por outro, sentia o desejo de descobrir imediatamente meu destino caso não houvesse possibilidade de ficar em casa.

Às três horas de uma longa tarde, Valentina veio correndo para me avisar:

 O departamento ligou e mudaram seu turno. Você precisa se apresentar às cinco. Acho até que você teve sorte, tem quase duas horas para se preparar e chegar ao aeroporto.

Abri imediatamente o ovo de chocolate para ver a surpresa, comi quase metade dele e fui correndo pelo quarto com o coração batendo cada vez mais forte por causa da pressa.

Procurei nas gavetas peças muito práticas, de dia a dia, bem versáteis. Quando se está de sobreaviso, deve-se sair rapidamente, com poucos minutos para chegar ao aeroporto, já uniformizada, tendo feito a mala antes de saber o destino. No processo, o que passa pela cabeça é:

 Jeans, um cinto, roupa íntima sobressalente, uma camisa azul, uma malha branca, também aquela preta porque vou levar a bolsa e sapatos pretos que combinam com tudo, um sapato e uma malha cinza, que, com uma saia completam um look arrumado e sóbrio… e se eu encontrar aquele colega gato em Milão?

 

Também pus na mala a camiseta de florzinhas rosa e verde que estava na cadeira. Não tive tempo de fazer a chapinha.

Eu sempre ficava tentada a colocar tudo na mala. Também levei uma lata de atum, porque nunca se sabe. Se ficasse tarde e eu encontrasse tudo fechado, se os colegas me abandonassem, se houvesse um terremoto, eu me sentiria mais segura.

Cheguei esbaforida no aeroporto e me dei conta de que eu poderia estar fora por quatro dias consecutivos.

Na pressa, levei apenas uma calça, esqueci até o carregador do celular e o imprescindível trench coat com forro de oncinha.

 Será que já está muito frio na Europa? – me perguntei.

Se não, seria uma ótima desculpa para sair às compras.

Cheguei ao briefing, nosso centro de acolhimento, assinei minha presença e sentei na sala designada onde, em confortáveis poltronas reclináveis, esperei com meus colegas para ser chamada para partir no caso de alguma urgência ou doença inesperada de um membro da tripulação em serviço.

O telefone tocou algumas horas depois: “ganhei” uma rota Roma-Atenas.

Decidi ir antes à área de partida doméstica para comprar na farmácia band-aids para colocar nos calcanhares e evitar as dores lancinantes de um novo par de sapatos que só agora descobri não servirem muito bem.

Fiz mais uma descoberta.

Já tentou andar por um aeroporto de uniforme?

Fiquei parada cerca de 20 minutos respondendo a todas as perguntas que me faziam: onde estavam as farmácias, as paradas de táxi, os ônibus para Óstia, os banheiros, os portões de embarque. As perguntas continuavam, embora eu tentasse explicar que era aeromoça, e ainda por cima atrasada para um voo.

Precisei então desistir dos band-aids e corri esbaforida e mancando para o voo.

O grupo de colegas já estava formado. Estavam em grande sintonia porque fazia dois dias que estavam juntos em serviço, e eu, chegando no último momento, era quase uma intrusa, o que é um tratamento normal reservado aos substitutos.

Tentei me integrar e entrar com gentileza na harmonia que percebi haver entre eles.

Apresentei-me ao comandante na cabine e depois a todos os colegas, esboçando meu melhor sorriso.

A colega que trabalhava na minha zona, ao fundo do avião, era linda, o físico harmonioso, quadris perfeitos, feições delicadas, cabelos de um belo castanho de tom âmbar, olhos verdes com um lápis marrom escuro que delineava suas cores claras e um narizinho perfeito.

Antes do embarque dos passageiros, ficamos conversando e, como sempre, revelamo-nos pequenos segredos da vida pessoal.

A colega chupou uma balinha, ofereceu-me uma, espirrou um pouco do perfume que tinha na bolsa, hidratou as mãos e foi ao banheiro para retocar a maquiagem, que já estava perfeita.

Demos uma olhada nas notícias de um jornal que encontramos no galley.

Chegaram os passageiros, e fomos à cabine para recebê-los:

 Bem-vindos a bordo!

O voo estava lotado, todos estavam saindo para aproveitar o feriado, e, depois do embarque, afivelei o cinto de segurança para a decolagem.

Logo antes de o avião chegar à altura que permitia estar em perfeito equilíbrio, ficamos todos de pé para preparar os carrinhos, esquentar a comida da primeira classe e oferecer o welcome drink.

Também tive contato, infelizmente, com algo que tem pouco a ver com o mundo do voo, mas muito mais com a imbecilidade generalizada em todos os ambientes: um passageiro com quem eu não tinha sido nada além de gentil e profissional, em certo momento, pôs a mão no meu traseiro. Tentando reprimir meu instinto de agarrar seu pulso e rodá-lo 180 graus, preferi, ainda usando a artilharia leve, limitar-me a um olhar de desdém, censurá-lo em voz baixa e, com o sangue fervendo, ameaçar denunciá-lo se aquilo se repetisse. Comecei me perguntando, como sempre faço, se eu mesma não teria dado a ele a impressão de que ele podia se dar ao luxo daquele gesto ofensivo. Eu me culpava inutilmente. Respondi a mim mesma, e para sempre, que não o tinha feito e que ninguém jamais poderia consentir com uma abordagem daquele gênero.

Depois, o chefe de cabine me chamou porque o aviso de incêndio do banheiro estava piscando. Eu esperava não ser obrigada a usar o extintor de incêndio para apagar um possível princípio de fogo, mas na minha mente já tinha localizado os equipamentos necessários mais próximos de mim. Aproximei-me com cuidado e, depois de bater, abri decidida a porta e encontrei um homem de mais ou menos 50 anos que ainda tinha a bituca na mão e um forte hálito de cigarro, que também exalava da roupa. Ele pediu desculpas resoluto e correu para se sentar.

Uma velhinha chamou para pedir sua bagagem no compartimento acima, porque o azeite de oliva extravirgem engarrafado em seu país de origem estava pingando; enquanto isso, um garotinho berrava porque a mãe o obrigava a manter o cinto de segurança afivelado.

Tudo precisava ser feito com pressa porque a aterrissagem estava próxima.

O passageiro do 5B disse que ainda não estava com fome e pediu para comer "depois". Fiquei espantada na hora, mas aquela foi só uma de uma série de extravagâncias que me acompanharam ao longo dos anos, e que ainda acompanham em quase todo voo.

Era preciso guardar os carrinhos e todas as bandejas, fazer os anúncios, contar e guardar todas as bebidas alcoólicas antes de aterrissar, além de preencher o formulário de imigração que, à primeira vista, pareceu complicado.

Quais informações devo preencher? Onde escrevo o meu número de segurança? Quais documentos devo adicionar? A carta de embarque precisa estar junto do formulário?

Minha parca experiência às vezes me obrigava a pedir ajuda aos colegas.

Zaira me explicava tudo com calma, com seus modos delicados, quase me cegando com as luzes de seu fascínio. Conhecia perfeitamente as dinâmicas de serviço e os procedimentos de emergência. Muito solícita, até me mostrou como funcionava o deslocamento de todos os equipamentos.

Já não era uma mulher tão jovem, acredito que tinha passado há tempo dos 40 anos, mas isso não era um problema para ela, que não parecia se perturbar pelo passar dos anos. Acredito que ela sabia poder contar com sua experiência e solidez intelectual mais do que com sua beleza física, que era claro ter possuído na juventude.

Eu pensava que ela sabia muito bem como controlar as emoções, como mantê-las sob controle e adequá-las às circunstâncias.

Fiquei sabendo que tinha enfrentado recentemente um sério problema: seu companheiro, a quem amava muito, havia sido atropelado por um carro que corria loucamente, sem respeitar a faixa de pedestre. Acertou ele em cheio.

Coma profundo. Segundo os médicos, irreversível.

Zaira havia transformado sua dor em silêncio, em som mudo. E tinha continuado a amá-lo, e o amaria para sempre, mesmo sabendo que não poderia mais conviver com ele como antes.

Ela falava pouco, mas também conseguia esboçar um sorriso incrível para os passageiros, em perfeita sintonia com as regras de serviço, demonstrando empatia e calor humano com todos. Sua maturidade inspirava segurança.

Jamais fazia julgamentos apressados sobre as pessoas. Era uma perfeita "dona da casa", sempre disponível. Sempre usava o uniforme de maneira impecável, com os sapatos reluzentes e os cabelos arrumados. O único desrespeito ao código de vestimenta era uma pequena pulseira de ouro branco da Tiffany que ela havia ganhado de aniversário.

Eu a observava, tentando absorver sua força e aquele estilo tão elegante no modo de se apresentar aos outros, tão feminino e profissional.

Conseguia se colocar no lugar dos outros e evitar polêmicas. Sempre dava atenção e mostrava solidariedade com os outros.

Ela vivia de acordo com o manual: aquele manual de existência que cada um de nós lê e escreve ao mesmo tempo dentro de si.

Sempre a tomei como exemplo. Mesmo sem saber, ela é meu ponto de referência profissional. Ainda o é hoje.

Ela era especial, diferente.

Sobretudo depois de ter convivido com alguns outros colegas mais maduros, felizmente não muitos, percebi logo que trotes não são fenômenos exclusivos das universidades.

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