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Memorias de José Garibaldi, volume II

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– Vamos, quarenta homens de boa vontade para uma expedição em que um quarto morrerá e o outro ficará ferido.

E apesar do programma todo o regimento se apresentava, de fórma tal, que para não excitar ciumes era mister tiral-os á sorte.

A 12, ao meio dia, um batalhão do regimento da União trabalhava em executar uma aproximação á esquerda da via Vitellia, quando os francezes tentaram perturbar-lhe o trabalho. Immediatamente os majores Lanzi e Panizi fizeram tomar armas aos trabalhadores, ao corpo da guarda, e com uma incrivel temeridade lançavam-se sobre o parapeito da muralha franceza. Foram acolhidos por um fogo terrivel. Pedro Lanzi poz-se á frente de seus bolonezes; mas n'um instante teve a mesma sorte que o seu companheiro, e cahiu ferido no braço e no peito. Entretanto os outros conduzidos pelo official Meloni, conservavam ainda o terreno, impotentes para proseguir o ataque, mas gritando com todas as suas forças: «Viva a Italia!» e dando assim coragem a seus companheiros. O regimento da União combateu n'este dia com um valor admiravel: para não perder tempo a carregar, feriam ora com a bayoneta, ora com a coronha das espingardas. Outros, como os Ajax e os Diomedes da Iliada, arrojavam pedras aos seus adversarios.

A exasperação era tal que o capitão bolonez Vern, que tinha muitas cruzes ao peito, e entre estas a da Legião de Honra ganha em Africa, em pé sobre a barricada, batia com a palma da mão no peito e gritava:

– Aqui, aqui, atirae aqui sobre a cruz da Legião de Honra!

Uma balla o feriu na cabeça.

– Mais abaixo, gritava elle, mais abaixo, maldictos!

Segunda balla lhe acertou; levaram-n'o para fóra do combate. Volveu, e depois foi morrer na Grecia.

Assisti do meu mirante a este combate. Ainda que pouco prodigo de elogios – os que me conhecem me farão justiça – julguei dever fazer delle uma descripção ao governo.

A 14 de maio, pela manhã, pelo menos assim o julgo, – escrevo sem documentos á vista e posso enganar-me nas datas – almoçámos na villa Spada, n'uma camara do terceiro andar, com Sacchi, Bueno e Corcelli; estavamos todos em mangas de camisa; eu, um pouco taciturno, porque acabava de condemnar á morte um dos nossos officiaes, um napolitano, que tomado de terror na noite passada tinha abandonado o seu posto, quando ouvimos passos apressados no corredor. Abriu-se a porta, e dou um grito: era Annita que vinha juntar-se a mim, conduzida por Orrigoni.

Os meus companheiros reconhecendo minha mulher, vestiram os uniformes e deixaram-nos.

– Sabeis em que ella se tem divertido vindo da via Corrici aqui, general? perguntou-me Orrigoni.

– Não.

– A parar ao longo de S. Pedro in Montorio para ver a bateria franceza. Olhae, vêde a poeira que nos cobre a ambos: é a que as ballas produziam batendo sobre a muralha. E quando eu lhe dizia «Vinde, senhora, vinde! é inutil fazermo-nos matar aqui!» respondia-me: «Como achaes, meu charo, que os francezes arranjam as nossas egrejas?»

Chara Annita! apertei-a contra meu coração. Parecia-me que agora ia tudo marchar á medida de meus desejos.

O meu bom anjo volvera a meu lado.

Tive pesar de não poder conceder a Annita o primeiro pedido que me fez, e que era o perdão do official italiano; mas era preciso um exemplo. Não podia recompensar Medici por sua admiravel conducta no Vascello, mas devia dar punição ao fraco pela sua fraqueza. Foi fusilado.

XIX
A SURPRESA

A 13 de junho os francezes tinham começado um bombardeamento terrivel. Sete baterias vomitando incessantemente fogo, batiam em brecha a face direita do terceiro bastião da esquerda, a cortina e a face esquerda do segundo bastião. As outras occupavam-se particularmente da villa Spada e da villa Savorelli, que ameaçava a cada instante cahir-nos em cima, de sorte que com grande pesar meu, vi-me a 20 forçado a transportar o meu quartel general para o palacio Corsini.

Era impossivel que eu ahi ficasse: estava muito affastado das muralhas.

É verdade que julgava poder estar tranquillo.

Atacado por todos os lados, todos os dias Medici, que nós chamavamos o infatigavel, repellia os ataques e conservava o Vascello e as suas barracas.

Eu não saberei dizer em seu elogio, senão que não sei como elle poude tanto.

A 20 de junho havia tres brechas praticaveis, apezar de tudo o que Manara e eu haviamos feito para nos oppôr aos effeitos dos projectis.

Afóra isto fazia do assalto um divertimento. Os adversarios que tinhamos em frente eram dignos de nós. Já lhes haviamos mostrado que os italianos sabiam bater-se. Esperava ainda mostrar-lhes o que era uma lucta á faca e ao punhal.

Na noite de 21 o segundo batalhão da União estava de guarda ao bastião da esquerda e á defensa da brecha, assim como duas companhias do 1.o regimento, que deviam ser trocadas. Entretanto prolongaram o seu serviço até ao amanhecer, para melhor defensa do terceiro bastião á esquerda.

A primeira e a quinta companhia dos bersaglieri estavam ao serviço no Vascello; a sexta e a setima, de guarda aos approches da esquerda, fóra da porta São-Pancracio, de onde se estendiam nossas sentinellas, sobre a direita, até aos muros do casino e a poucos passos da parallela franceza.

Este serviço era horrivelmente perigoso. Apenas se fazia de noite, e um pouco antes de amanhecer, todos os postos eram retirados e a guarda de noite reentrava nos muros.

O major Calvandro tinha a vigilancia exterior d'esta linha; o coronel Rossi o serviço de ronda interior.

Depois de ter disposto todos os postos avançados, o major estava occupado a dar suas instrucções aos capitães Stambio e Morandoli quando pelas onze horas da noite, se ouviu para o lado dos bastiões n.os 2 e 3 um certo ruido egual ao de cousa que se quebra.

Alguns tiros seguiram este ruido, e tudo reentrou na noite e no silencio.

Que acontecêra?

Que os francezes se haviam apresentado repentinamente ante a brecha, não como um inimigo que sobe ao assalto, mas como soldados que despertam uma sentinella.

De onde sahiram elles? por onde tinham vindo? que caminho haviam seguido? Eis o que foi sempre impossivel saber-se.

Muitos suppozeram uma traição.

A sentinella interrogada respondeu que os francezes tinham sahido debaixo da terra, e lhe tinham ordenado de fugir.

Na mesma noite, apezar de uma energica resistencia, o bastião no 7 e a cortina que o unia ao bastião no 6 cahiu depois de um combate sangrento, nas mãos dos francezes.

Era justamente no dia precedente que eu havia transportado o meu quartel general da villa Savorelli ao palacio Corsini. Quasi immediatamente ao successo fui d'elle prevenido pelo ajudante Delai, do regimento da União.

Confesso que foi grande a minha surpreza, e que não fui dos ultimos a attribuir o facto a uma traição.

Seguido de Manara e do capitão Hoffstetter, cheguei aos postos justamente no momento em que os bersaglieri, sempre promptos e álerta, estavam reunidos na rua que conduz a São-Pancracio.

A legião italiana, seguiu-me a marche-marche; e logo atraz vinham duas cohortes do coronel Sacchi.

Este enviou logo uma companhia a reconhecer os logares; chegada ao segundo bastião foi constrangida a retirar-se para a casa Gallicelli, visto o numero excessivo dos francezes.

A terrivel nova já estava espalhada pela cidade; e o triumvirato prevenido d'ella fez tocar a rebate. A este ruido cada casa pareceu repellir seus habitantes; n'um instante encheram-se as ruas de gente.

O general em chefe Roselli, o ministro da guerra, todo o estado maior e Marini correram ao Janiculo.

O povo em armas rodeiava-nos e pedia para repellir os francezes das muralhas.

O general Roselli e o ministro da guerra eram d'este parecer; mas eu declarei-me contra.

Temia a confusão que poria nas minhas linhas esta multidão, a irregularidade dos movimentos, os panicos nocturnos tão naturaes em gente não habituada ao fogo, e mesmo entre os já habituados, como vimos na noite de 10.

Pedi pois positivamente que se esperasse a manhã.

De manhã vêr-se-hia a que inimigo era mister fazer face, fosse elle á traição.

Vindo o dia, toda a minha divisão estava prompta, reforçada pelos regimentos que o general Roselli poz á minha disposição.

A companhia dos estudantes lombardos que faziam parte da legião Medici estava na vanguarda.

A propria legião Medici recebêra ordem de se juntar a nós.

Os canhões das nossas baterias voltados para os bastiões occupados, ribombavam ao mesmo tempo de São Pedro in Montorio, do bastião no 8 e de Santo Aleixo.

Os estudantes lombardos marcharam na frente ao assalto. Ainda que fulminados pelo fogo dos francezes, precipitaram-se á bayoneta sobre a guarda principal e sobre os trabalhadores, que forçaram a concentrar-se no casino Barberini.

Os bravos mancebos estavam já no terrapleno do casino; mas eu acabava de saber com que forças tinhamos a combater. Vi que um segundo 3 de junho ia roubar-me metade d'estes homens que eu amava como filhos. Não tinha esperança alguma de affastar os francezes da sua posição; ia portanto ordenar uma carnificina inutil.

Roma estava perdida, mas era perdida depois de uma defensa esplendida e maravilhosa. A queda de Roma depois de um cerco tal era o triumpho da democracia na Europa.

Depois restava-me a idéa de que eu conservava quatro ou cinco mil defensores dedicados que me conheciam, que eu conhecia e que corresponderiam á minha primeira chamada.3

 

Dei a ordem de retirada, promettendo para as cinco horas da tarde um outro assalto, que não contava dar se não como o primeiro.

Os estudantes haviam sido admiraveis. Citarei apenas um exemplo.

Um pintor, o milanez Juduno, foi retirado da arena ferido por vinte e sete bayonetadas.

Bertani salvou-o, e hoje gosa uma saude admiravel.

Para mim, pois, tudo estava perdido, pelo menos provisoriamente, não desde o momento em que os francezes estavam senhores das nossas brechas, mas desde o instante em que o partido que sustentava a republica romana na constituinte franceza fôra vencido.

Suppondo que sacrificando um milhar de bravos, eu tinha repellido os francezes das suas posições das villas Corsini e Valentina; como no 3 de junho elles teriam retomado, á força de tropas frescas, todas as posições d'onde eu os repellia.

E aqui não tinha eu as mesmas razões de me obstinar.

A villa Corsini em nosso poder impedia os trabalhos de approche.

Mas uma vez executados os trabalhos de approche, uma vez abertas as brechas, quem podia impedir a tomada de Roma?

Ninguem.

Antes da noticia da fuga de Ledru-Rollin e de seus amigos para Inglaterra, cada dia em que eu prolongava a existencia de Roma era um dia de esperança.

Depois d'esta nova, a resistencia era uma desesperação inutil.

Ora, eu julguei que os romanos tinham feito muitos prodigios em face do mundo para não ter necessidade de recorrer á desesperação.

Os poderes coalligados tinham encerrado a republica romana, isto é a democracia da Peninsula nas velhas muralhas d'Aurelio.

Nada mais tinhamos a fazer do que romper o circulo e levar, como Scipião, a guerra a Carthago.

A nossa Carthago era Napoles.

É ali que nos encontraremos um dia face a face, espero-o, o despotismo e eu.

Deus approxime este dia.

XX
FIM

Estavamos, é verdade surprehendidos, mas não vencidos.

A duzentos passos atraz das muralhas eleva-se o antigo recinto do Aurelio. Ordenei que o fortificassem o melhor possivel. Tinha posto de parte a idéa de um assalto, mas queria defender o terreno passo a passo.

Uma bateria de sete peças foi collocada no bastião no 5, e posta, por nossos trabalhos, a cuberto do fogo dos francezes.

Começou a funccionar na manhã de 23, e secundada pela bateria de Santo-Aleixo e a de São Pedro in Montorio, cruzou de tal fórma seus fogos sobre a brecha que os francezes foram obrigados a abandonar os seus trabalhos. O fim da engenharia franceza era estabelecer sobre a cortina 6 e 7 uma bateria de canhões, apenas estivesse senhor da brecha. O designio era impedir este estabelecimento.

Cobri os incriveis exforços dos francezes e a nossa opposição obstinada. Na noite de 23 estabeleceram elles a sua bateria. Na manhã de 24 esmagados pela nossa artilharia foram obrigados a fechar as suas setteiras. Pensaram então em elevar duas novas baterias sobre os bastiões 6 e 7, d'onde podiam extinguir a bateria de S. Pedro in Montorio defendida pela minha legião.

Esperando, o general Oudinot, para mostrar, como o havia dito em seus boletins o culto que tributava á cidade, mormente desde 24, fazia lançar bombas sobre todos os bairros. Era sobre tudo durante a noite que elle empregava este meio de terror. Muitas cahiram no bairro Transteverino, muitas no Capitolio, algumas sobre o Quirinal, sobre a praça de Hespanha, e no Corso. Uma d'estas bombas cahiu sobre o templo que cobre o Hercules de Canova; mas a cupola resistiu. Uma outra estalou no palacio Spada, e damnificou a famosa pintura da Aurora de Guido Reni. Uma outra, mais impia ainda quebrou o capitel d'uma columna do maravilhoso templosinho da fortuna viril, obra prima respeitada pelos seculos.

O triumvirato offereceu ás familias populares, cujas casas se achavam destruidas, um asylo no palacio Corsini.

O animo do povo romano n'estes dias de provação foi digno dos antigos tempos. Em quanto que á noite perseguido pela saraiva dos projectís que despedaçava os telhados de suas casas, as mães fugiam levando seus filhos apertados contra o peito, em quanto que os ares atroavam de gritos e lamentações, nem uma só voz fallava em se render.

No meio de todos estes alaridos um só grito mofador se elevava quando alguma balla de artilharia ou algum obuz destruia uma parede de casa, e era:

– Benção do Papa!

A certesa maravilhosa das nossas peças durante os dias 25, 26 e 27 de junho, fez callar as baterias elevadas pelos francezes sobre a cortina e os bastiões occupados. Mas duas baterias francezas, uma collocada no bastião no 6 e outra fóra dos muros, abriram o fogo contra as nossas baterias de Santo Aleixo. Além d'isto duas outras baterias collocadas, uma sobre a cortina, outra sobre o bastião no 7, abriram tambem fogo contra a nossa bateria de São Pedro in Montorio.

Uma quinta bateria de brecha, collocada ao pé do bastião no 7, e por consequencia a coberto do nosso fogo, descarregou sobre o flanco do bastião no 8. Uma sexta bateria posta entre a egreja de São-Pancracio, batia o bastião no 8, e o meu quartel general, na villa Savorelli. Uma setima, emfim, ante a villa Corsini, ribombou ao mesmo tempo contra a porta São-Pancracio, contra a villa Savorelli, e contra a muralha Aureliana.

Nunca vi egual tempestade de fogo, egual chuva de metralha.

Os nossos pobres canhões estavam soffucados.

E todavia, digo apenas isto em elogio de Medici, o Vascello e as barracas estavam ainda occupadas.

O cerco do Vascello só por si merecia uma historia.

Durante a tarde de 28, as baterias francezas pareceram descançar um instante e retomar alento. Mas no dia 29 de novo começaram a atirar com redobrada furia.

Roma estava cheia de feridos. O dia 27 de abril tinha sido terrivel, as nossas perdas eram quasi eguaes ás de 3 de junho. As ruas estavam juncadas de homens mutilados. Mal os trabalhadores tinham a pá ou a enxada na mão, logo eram feitos pedaços ou mutilados pelas ballas.

Todos os nossos artilheiros, reparae bem, todos, haviam sido mortos sobre seus canhões. O serviço da artilharia era feito pelos soldados de linha.

Toda a guarda nacional estava em armas. Havia, cousa admiravel, uma reserva composta de feridos, que todos ensanguentados faziam serviço. E durante este tempo, notavel contraste, silenciosa e impassivel a Assembléa, permanecia no Capitolio deliberando debaixo das ballas de fuzilaria e artilharia.

Em quanto tivemos peças sobre seus eixos, respondemos ao inimigo.

Mas a 29 á noite foi desmontada a ultima.

Extinguiu-se o nosso fogo.

A brecha feita no bastião era praticavel.

O muro da porta São-Pancracio e o bastião n.o 9 desmoronavam-se.

A noite de 29 desceu egual a um lençol sobre Roma.

Para impedir a reparação das nossas brechas a artilharia franceza ribombou de noute:

Foi uma noite horrivel. A tempestade do ceu misturava-se á da terra. O trovão troava; o raio cruzava-se com as bombas, o raio cahia em tres ou quatro partes como para sagrar a cidade.

Apesar da festa de São-Pedro, os dois exercitos haviam continuado o seu duelo de morte.

Vindo a noite como se esperava um ataque nas trevas, toda a cidade inclusivè a grande cupula do Vaticano, foi illuminada.

E demais a mais era de uso em Roma, fazel-o na noite de São Pedro.

Aquelle que durante esta noite houvesse fixado a vista sobre a cidade eterna teria visto um d'estes espectaculos que o homem não contempla senão uma vez no decurso dos seculos.

A seus pés teria visto estender-se um grande valle cheio de egrejas e palacios, dividido em dois pelas aguas do Tibre, que parecia um Phlégéton; á esquerda um monte, o Capitolio, sobre cuja torre fluctuava ao vento a bandeira da republica; á direita o transumpto sombrio do Monte Mario, onde fluctuavam ao contrario unidas as bandeiras dos francezes e do papa, ao fundo a cupola de Miguel-Angelo, alevantando-se no meio das nuvens toda coroada de luz; emfim, como painel ao quadro, o Janiculo em toda a linha de São-Pancracio, tambem illuminada, mas pelo fusilar dos canhões e dos mosquetes.

Depois ao lado d'isto alguma coisa mais que o choque da materia: a lucta do bom e do mau principe, do Senhor e de Satanaz, d'Arimano e de Oromaze; a lucta da soberania do povo contra o direito divino, da liberdade contra o despotismo, da religião de Christo contra a religião dos papas.

Á meia noute o ceu se aclarou, o trovão e os canhões se calaram, e o silencio succedeu ao infernal mugido; – silencio durante o qual os francezes se approximavam cada vez mais das muralhas, e se apoderavam da ultima brecha feita no bastião n.o 8.

Ás duas horas da manhã, ouviram-se tres tiros de peça disparados a distancia.

As sentinellas gritaram – alarma, – os clarins tangeram.

Os bersaglieri sempre promptos sempre infatigaveis, sahiram da villa Spada e correram á porta São-Pancracio, deixando duas companhias de reserva para guardar a villa. Embebiam-se até aos joelhos na terra lodosa.

Puz-me á sua frente, com a espada desembainhada, cantando o hymno popular da Italia.

N'este momento, confesso-o, completamente desesperado do futuro, não tinha senão um desejo – o de me fazer matar.

Lancei-me sobre os francezes.

Que se passava então? Não o sei.4 Durante duas horas feri, sem descançar. Quando raiou o dia estava coberto de sangue. Não tinha uma só ferida. Era um milagre.

É n'esta batalha, que o tenente Moronini, pobre moço que ainda não tinha vinte annos e que se batteu como um heroe, foi morto recusando render-se.

No meio da sanguinolenta confusão, chegou-me um mensageiro da Assembléa convidando-me a voltar ao Capitolio.

Devo a vida a esta ordem. Havia de ter feito com que me matassem.

Descendo pela Longara com Vecchi, que era membro da Constituinte, soube que o meu pobre negro Aguyar acabava de ser morto.

Tinha-me prompto um cavallo de retorno, e uma balla lhe atravessára a cabeça. Soffri uma dor terrivel; perdia mais que um servidor, perdia um amigo.

Mazzini tinha ja annunciado á Assembléa o ponto em que estavamos.

Havia só tres partidos a tomar, dissera elle:

Convencionar com os francezes;

Defender a cidade de barricada em barricada;

Ou sair da cidade, Assembléa, triumvirato e exercito, levando comsigo o palladio da liberdade romana.

Quando appareci á porta da salla, todos os deputados se levantaram e applaudiram.

Eu procurava ao redor de mim que coisa deveria despertar seu enthusiasmo a este ponto.

Achava-me coberto de sangue, meus fatos crivados de ballas e bayonetadas. O meu sabre, mocegado á força de golpes, não entrava senão até ao meio na bainha.

Gritaram-me:

– Á tribuna! á tribuna!

Subi.

De todos os lados era interrogado.

– Toda a defensa é d'oravante impossivel, respondi, a menos que não façamos de Roma uma segunda Saragoça. A 9 de fevereiro propuz uma dictadura militar; só ella podia pôr sobre pé cem mil homens armados. Então existiam os elementos vivazes: era mister procural-os, ter-se-hiam encontrado n'um homem corajoso. N'esta épocha a audacia foi repellida, os pequenos meios levaram-na.

 

Eu não podia avançar mais o argumento. Cedi. Retinha-me a modestia; porque, sinto-o, eu teria sido esse homem. Curvei-me n'isto ao principio sagrado que é o idolo do meu coração. Se me houvessem escutado, a aguia romana teria de novo feito seu ninho sobre as torres do Capitolio, e com os meus bravos, e os meus bravos sabem morrer, bem o teem visto, eu teria mudado a face da Italia. Olhemos com a fronte erguida o incendio que já não podemos dominar. Saiâmos de Roma com todos os voluntarios armados que quizerem seguir-nos. Onde nós estivermos, estará Roma. Eu não me comprometto a cousa alguma; mas o que um homem pode fazer, fal-o-hei, e refugiada em nós a patria não morrerá.

Esta proposta, já feita por Mazzini foi regeitada.

Henrique Cernuschi, o bravo Cernuschi, um dos heroes dos cinco dias milanezes, o presidente da commissão das barricadas romanas, regeitou-a.

Succedeu-me na tribuna e com as lagrimas nos olhos e a voz abafada.

– Sabeis todos, disse elle, se eu sou um ardente defensor da patria e do povo; pois bem, sou eu que vol-o digo, não temos um só obstaculo a oppor aos francezes, e Roma e o seu bom povo – as lagrimas o abafavam – devem resignar-se á occupação.

Depois d'uma curta deliberação a Assembléa lavrou o decreto seguinte:

«Republica romana.

Em nome de Deos e do povo.

A Assembléa constituinte romana cessa uma defeza impossivel. Fica no seu posto.

O triumvirato é encarregado da execução do presente decreto.»

3A campanha de 1859 e a expedição da Sicilia provam que Garibaldi tinha razão.
4Eis aqui como o historiador Vecchi, um dos mais corajosos defensores de Roma descreve este combate: «Nós estavamos cerrados na villa Spada, onde sustentavamos um horrivel fogo de mosquetes e carabinas: Começavam a faltar-nos as munições, quando o general Garibaldi appareceu com uma columna de legionarios e alguns soldados do 6.o regimento de linha, commandados por Pazi, decidido a dar um ultimo golpe, não para salvação, mas para honra de Roma. Reunidos aos nossos companheiros, lançamo-nos sobre a brecha, ferindo com lanças, espadas e bayonetas: a polvora e as ballas faltavam. Os francezes espantados d'este terrivel choque recuaram logo; mas outros vieram, ao mesmo tempo que a artilheria apontada sobre nós começava a levar-nos filas inteiras. O recinto Aureliano foi tomado e retomado; não havia ahi nem logar onde pousar o pé a não ser sobre algum morto ou ferido. Garibaldi, durante esta noite, foi maior do que eu nunca o vira, maior que nunca ninguem o vio. Sua espada era um raio; cada homem ferido era um morto. O sangue de um novo adversario lavava o sangue do que acava de cair. Tel-o-hiam chamado Leonidas nas Termophylas, Ferracio no castello da Gavissana. Eu tremia de o ver cair de um a outro instante; mas não; ficou de pé como o destino.»

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