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A Revolução Portugueza: O 31 de Janeiro (Porto 1891)

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CAPITULO XVIII
O dia seguinte ao da derrota

Suffocado o movimento, que fizera triumphar por algumas horas, a dentro dos muros do Porto, a bandeira verde e vermelha, os serventuarios da monarchia apressaram-se a enaltecer os talentos dos vencedores e a amesquinhar o valor da organisação revolucionaria. Não ignoravam elles que fóra d'aquella cidade se tinham dado occorrencias graves, reveladoras da amplitude d'essa organisação e que para evitar maiores complicações se mandara interromper a marcha d'algumas das forças militares a caminho do fóco insurreccional.

«O mesmo regimento de infanteria 18 – affirma-o um chronista da epoca – só ás dez da manhã, terminado completamente o combate, finda inteiramente a lucta, foi, a bandeira desfraldada, apresentar-se ao quartel general. Um dos regimentos do Norte, que chegou a desembarcar na estação de Campanhã, ahi mesmo levantou vivas á Republica. Muitas praças do regimento de caçadores 5 que faziam a guarda ás prisões onde se encontravam os revoltosos que não haviam conseguido fugir, diziam-lhes que tinham feito mal em não prolongar a lucta até á sua chegada, porque o regimento faria causa commum com a revolta…»

Na imprensa monarchica liam-se as cousas mais affrontosas para os derrotados. Todos os que, durante os momentos victoriosos, tinham receiado pela sua integridade pessoal, atropellavam-se no empenho de accumular a metralha accusatoria sobre os vencidos. Sacudiam-se responsabilidades e ninguem queria ter a menor solidariedade com os revoltosos. As mesmas corporações que no caso do triumpho republicano se apressariam por certo a saudar o advento d'um novo regimen com o appoio incondicional e festivo despejavam sobre o throno canastradas de felicitações, algumas n'uma linguagem servil e, por isso mesmo, abjecta.

No dia 31, ao começo da tarde, o governador civil do Porto, Taibner de Moraes, fez publicar um edital suspendendo «as formalidades que garantem a liberdade individual», e o governo central acrescentou a isso a suppressão da imprensa republicana ou d'aquella que não vociferasse tonitruante contra o movimento e os seus promotores. A serie das bajulações á monarchia victoriosa que, afinal, durante a insurreição, não ganhara para o susto, foi aberta pela vereação portuense n'uma mensagem que ella propria veio entregar a Lisboa, dizendo todas estas enormidades:

«N'esse nefasto dia (o de 31 de janeiro) uma parte da guarnição, esquecendo o juramento de fidelidade á sua bandeira e ás instituições que nos regem e não menos o dever da disciplina e da manutenção da ordem e da tranquilidade publica, praticou o maior dos attentados contra a patria, que na occasião se podia commetter.

«Attentando contra a monarchia constitucional que é o mais seguro esteio da independencia portugueza, nem ao menos se ponderaram as criticas circumstancias em que nos collocam no actual momento as pretenções de uma poderosa nação sobre o nosso dominio africano e a situação da fazenda publica.

«E quando todo o cidadão que verdadeiramente ama o seu paiz sente o impreterivel dever de não crear o menor embaraço nem levantar o menor estorvo á melhor solução d'aquellas difficuldades e perigos é que uns poucos de militares e um insignificante numero de individuos da classe civil intentam, verdadeiramente obcecados, mudar a natureza das instituições fundamentaes, abolir a monarchia e precipitar o paiz na revolução á mão armada…»

A mensagem tinha os nomes dos srs. Oliveira Monteiro, Ribeiro da Costa e Almeida, Leão da Costa, Anthero d'Araujo, Mendes Correia, Pinto de Mesquita, Chaves de Oliveira, Christiano Vanzeller, Pires de Lima, Teixeira Duarte, Lima Junior, Silva Moreira, Alves Pimenta, José Arroyo, Fernando Bahia, Silva Tapada, Moreira Monteiro, Manuel da Silva Pinto, Vieira d'Andrade, Pedro de Araujo e Tito Fontes.

A guarda municipal do Porto tambem recebeu a sua quota parte de felicitações e… melhoria de rancho, pelo «denodo com que repellira os insurrectos». Os jornaes da epoca estão pejados de documentos interessantes, revelando o calor bajulatorio projectado sobre os triumphadores do movimento. Um d'elles:

«Satisfeito com o exemplar comportamento e bravura que mostrou o corpo da guarda municipal do Porto, no dia 31 de janeiro para conter os desordeiros e fazer respeitar a lei e o governo do paiz e seguindo as ideias do meu compadre e bom amigo João Pinto Ferreira Leite, tomo a liberdade de remetter a v. ex.ª (o commandante da guarda) a quantia de 50$000 réis destinados para melhorar o rancho dos soldados da mesma guarda. — Januario Bastos».

Outro, egualmente dirigido ao commandante da guarda municipal:

«Meu bravo e glorioso camarada: Felicito a v. ex.ª e felicito a valente guarda municipal do Porto, hoje mais do que nunca, uma honra para o nosso paiz, pela maneira corajosa por que acaba de arrancar da beira de um abysmo a monarchia e a nação. Consinta v. ex.ª que o abrace e este amplexo cinge toda a corporação da guarda municipal do Porto. — Christovão Ayres».

Alguns dos membros do governo provisorio proclamado no edificio da camara municipal, uma vez suffocado o movimento, publicaram egualmente nas gazetas declarações terminantes repudiando a menor ligação com os revoltosos. O sr. Joaquim Bernardo Soares, por exemplo, dizia na sua carta:

«Tenho sido sempre homem de ordem – nem o meu passado, nem as ideias que tenho manifestado inalteravelmente com o maior desassombro, podiam auctorisar um tal procedimento da parte d'aquelles que imprudentemente lançaram o meu nome para o publico e com os quaes não tenho relações de qualquer natureza nem sequer pessoalmente conheço. Repillo, portanto, com a maior indignação, o abuso que do meu nome se fez, sem que possa descortinar o motivo que o determinou».

O sr. Azevedo Albuquerque foi mais laconico:

«Declaro que não dei auctorisação para o meu nome figurar na lista dos membros do governo provisorio proclamado na casa da camara do Porto; e que não concorri nem directa nem indirectamente, para o movimento revolucionario».

A declaração do sr. Rodrigues de Freitas, embora principiasse por affirmar que o seu auctor «desde muito se manifestara republicano-democrata e continuaria a professar firmemente as mesmas ideias» quaesquer que fossem os derrotados ou os victoriosos, acrescentava:

«Não auctorisei ninguem, quer directa quer indirectamente, a incluir o meu nome na lista do governo provisorio lida nos paços do concelho no dia 31 de janeiro; e deploro que um errado modo de encarar os negocios da nossa infeliz patria levasse tantas pessoas a tal movimento revolucionario».

Por ultimo esta declaração do sr. José Ventura dos Santos Reis:

«Sabendo que o meu nome anda envolvido nos tristes acontecimentos que se deram n'esta cidade no dia 31 do mez passado, cumpre-me declarar cathegoricamente que não auctorisei absolutamente ninguem a incluir o meu nome na lista do governo provisorio, que foi lida nos paços do concelho; que fui completamente estranho a quaesquer preparativos ou combinações que precederam as occorrencias d'aquelle dia».

Quarenta e oito horas depois da revolta, o governo fez publicar varios decretos com o fim, dizia elle, de supprir as deficiencias da legislação então vigente «provendo á necessidade de reprimir de prompto e punir com severidade os attentados commettidos contra a ordem publica, segurança do Estado e suas instituições». Por um d'esses decretos entregava á exclusiva competencia dos tribunaes militares, o conhecimento e o julgamento do crime de rebellião, aliás previsto e punido no codigo penal portuguez. Na cidade do Porto, não faltavam edificios onde podessem funccionar os conselhos de guerra nem cadeias onde acumular os individuos presos como implicados na revolta. Mas o governo receiou que a população se interessasse demasiadamente pelo espectaculo dos julgamentos e assim decidiu que os conselhos de guerra reunissem a bordo de navios de guerra.

Para esse effeito, collocaram no porto de Leixões o transporte India, a corveta Bartholomeu Dias, e o vapor da Mala Real, Moçambique, guarnecido com marinheiros da Sado. Como deposito de prisioneiros juntaram a estes tres navios um velho pontão incapaz de navegar. Para o Moçambique foram mandados João Chagas, Santos Cardoso, o capitão Leitão, tenentes Coelho e Homem Christo, as praças do regimento de caçadores 9 e os civis: Miguel Verdial, Felizardo de Lima, Santos Silva, o abbade de S. Nicolau (rev.º Paes Pinto), Eduardo de Sousa, Amoinha Lopes, Thomaz de Brito, Barbosa Junior, Alvarim Pimenta, José Durão, Pereira da Costa, Gomes Alves, Soares das Neves, Pinto de Moura, Pinto de Vasconcellos, Aurelio da Paz dos Reis, Cervaens y Rodrigues, Feito y Sanz e Simões d'Almeida. Para a Bartholomeu Dias foram as praças de infantaria 18 e 10; para o India, o alferes Trindade e os revoltosos da guarda fiscal. Mais tarde, o tenente Coelho passou do Moçambique para aquella corveta. Dos chefes civis do movimento, conseguiram expatriar-se o dr. Alves da Veiga, José Sampaio (Bruno) e Basilio Telles.

Reunidos os conselhos de guerra, os julgamentos decorreram de tal modo que ninguem se illudiu sobre a sorte que estava reservada aos revoltosos. Sabia-se de antemão que sobre elles recahiria o peso d'uma forte condemnação e que quaesquer que fossem os incidentes revelados durante as sessões dos conselhos elles em nada alterariam a sentença já lavrada.

«O tribunal – affirmou-se mezes depois no manifesto dos emigrados da revolução – era uma tão evidente delegação do poder executivo que, em plena audiencia, um dos julgadores, nem sequer resguardando o melindre das conveniencias, declarou que não proseguiria n'um detalhe qualquer de juridicas investigações, em virtude de ordens superiores.

«Foi decerto tambem em virtude d'essas ordens superiores que os julgamentos se realisaram sobre o mar, acossado por uma invernia excepcional. Foi em consequencia d'essas ordens que succedeu que, uma tarde mais aspera, as vagas arrojaram contra os paredões do porto (Leixões) ainda em via de construcção, desamparado e á mercê, consequentemente, um dos navios ahi ancorados, persuadindo-se todos os habitantes do Porto que a verminada carcassa desfeita fôra a d'um dos pontões onde se mandara apodrecer os suppostos criminosos e assistindo-se então ao tremendo exemplo d'uma população de mães e esposas clamorosas accorrendo, em gritos de dôr, a olhar a perfida, movediça sepultura, onde repousariam, emfim, seus desditosos filhos, seus tristes esposos, a alegria das suas almas, as esperanças de suas escuras existencias.

 

«Em virtude e consequencia d'essas ordens superiores foi que um dos navios de guerra (pois que se transformaram os maritimos gloriosos do glorioso Portugal passado em carcereiros dos que almejavam restituir a patria ao seu antigo esplendor) se desprendeu uma noite de tempestade e, com um condemnado a bordo, andou perdido, sem provisões e sem rumo, na serração, pela clemencia infinita das aguas.»

Terminados os julgamentos, os conselhos de guerra condemnaram na pena de prisão maior cellular (e, na alternativa, na de degredo): João Chagas, Santos Cardoso, Verdial, capitão Leitão, os sargentos Abilio, Galho, Silva Nunes, Castro Silva, Rocha, Barros, Pinho Junior, Fernandes Pinheiro, Gonçalves de Freitas, Villela, Pereira da Silva, Folgado, Figueiredo e Cardoso, os cabos João Borges, Galileu Moreira e Pires e o soldado da guarda fiscal Felicio da Conceição. O tenente Coelho foi condemnado a cinco annos de degredo. Aos restantes implicados couberam penas variaveis de deportação militar, degredo e prisão correccional.

Os regimentos de caçadores 9 e infantaria 10 tambem soffreram castigo exemplar: o governo dissolveu-os. E comtudo, em 1826, o primeiro de esses corpos, tendo-se revoltado contra o marquez de Chaves, que defendia o absolutismo do sr. D. Miguel, fôra aclamado fiel e até comtemplado com augmento de soldo…

CAPITULO XIX
Para as despezas da revolta bastou um conto de réis

Uma das accusações graves feitas aos revolucionarios do 31 de janeiro foi a de que o movimento só se levara a cabo para servir interesses inconfessaveis e apoiar especulações financeiras. Envolveram-se durante alguns dias os revolucionarios n'um circulo de malquerença e de odio, attribuindo-se-lhes propositos realmente nefandos – como dizia o governo nos documentos officiaes, classificando os incidentes do movimento. O Diario Illustrado chegou mesmo a affirmar:

«Elles (os revolucionarios) puzeram-se, conscientemente muitos, inconscientemente alguns, ao lado dos inimigos da patria, serviram a causa da Inglaterra, que nos quer expoliar em Africa; serviram a causa dos financeiros que pretendem explorar com onzenices as desgraças da nossa situação

Outro jornal, as Novidades, ia mais longe:

«D'onde veiu e para onde foi o dinheiro que se arranjara para a revolta?

«Houve ha um mez uma reunião no Porto onde foram dois delegados de Lisboa. Ao contrario do que se tem dito, o accordo para a revolução foi completo. Nem os de lá nem os de cá divergiram. No que não concordaram os de cá com os de lá foi na forma da republica a proclamar, oppondo-se os de Lisboa á federação com a Hespanha.

«O que é certo, porém, porque resulta de documentos encontrados, e de depoimentos recolhidos, é que a isto se seguiu a subscripção aberta em Lisboa para a revolta, que produziu rapidamente 20 contos que foram levados ao Porto por dois sujeitos, um dos quaes tem uma alta graduação burocratica. Esse dinheiro ficou nas mãos de Alves da Veiga.

«Escusamos dizer que não foi encontrado na busca que a policia fez. Nem o dinheiro nem os papeis importantes, porque as gavetas foram já encontradas tiradas dos moveis, espalhadas pelo chão e alguns dos papeis que n'ellas ainda havia eram ou insignificantes ou rasgados.»

Em summa, as Novidades diziam claramente que um dos chefes da revolta recebera alguns contos de réis e com elles se locupletara.

Essa e outras accusações despertaram, como é natural, protestos vehementes. Os jornaes republicanos, apesar da mordaça que o governo lhes collocara apoz o 31 de janeiro, esforçaram-se o mais possivel por quebrar os dentes á calumnia e apagar a serie de apodos com que a imprensa monarchica mimoseava os revoltosos. E esse sentimento de protesto conquistou tambem a grande maioria dos jornaes madrilenos, porque um d'elles, o mais accentuada e tradicionalmente monarchico, o jornal ultra-conservador a Epoca fez côro com os collegas radicaes que estygmatisaram a insidia cavilosa.

E comprehende-se que assim succedesse. Não era crivel que o exercito portuguez – a parte d'esse exercito que se revoltara no 31 de janeiro – pensasse em saquear a cidade do Porto, como egualmente a imprensa monarchica pretendeu fazer acreditar. Admittir tal hypothese seria o mesmo que admittir que a revolta, longe de visar á proclamação da Republica, se limitava a favorecer o roubo d'umas tantas casas commerciaes. Narrou-o mais tarde um dos revolucionarios que conseguiu escapar á furia dos serventuarios do regimen, exilando-se em Hespanha:

«Emquanto a estupida imprensa officiosa de Portugal enxovalhava de tal modo o exercito portuguez perante a Europa toda, por um momento occupada quasi exclusivamente do que estava ocorrendo na nossa terra, o jornalismo estrangeiro registava, ainda com os louvores mais rasgados, que a revolução militar do Porto não se devera a nenhum baixo mobil, não fora propulsionada por nenhum mesquinho interesse, antes, pelo contrario, constituira, na solidariedade moral europeia, um caso honroso para toda a humanidade e infelizmente raro, na historia d'um movimento politico, combinado e ultimado pelo simples prestigio das convicções.

«E todavia a imprensa estrangeira ignorava que o traço particularmente typico do movimento de 31 de janeiro foi o da sua essencia genuinamente democratica; ignorava que nenhuma seducção poderia exercer em almas populares o fascinamento das posições sociaes de elevados alliciadores, pois que os não houve; ignorava que não sómente não existia caixa alguma, pittoresca, estolidamente, denominada da revolução, mas ainda que nem sequer o anonymo soldado recebera um real para sahir do quartel; ignorava que na noite famosa que precedeu o acontecimento se deixara bem assignalado que, na hypothese da victoria, nenhum dos militares revolucionados teria a mais somenos promoção ou o mais insignificante beneficio, de qualquer genero que fosse.

«Em tão novas condições se consumou este movimento politico de 31 de janeiro de 1891 que elle fará a admiração das gerações portuguezas e nobilitará o paiz, comprehendendo-o na esphera dos povos que sabem, podem e querem, ao menos tentam pelejar e morrer pela consecução desinteressada d'um ideal de justiça abstracta.

«A historia não ha-de ser commettida aos escribas da imprensa vendida dos nossos tempos; e a historia ha-de considerar o movimento republicano do Porto a uma altura que parece irrisorio talvez á tagarelice insensata de certos portuguezes de hoje».

E tinha razão de sobejo o revolucionario emigrado. Tres dias depois de suffocado o movimento, o presidente da edilidade portuense, n'uma nota distribuida aos jornaes monarchicos, salientava o facto dos revoltosos não haverem tocado no thesouro da camara emquanto occuparam o edificio municipal. Na grande meza da sala das sessões repousaram, durante o tiroteio entre os revolucionarios e as forças fieis, magnificos tinteiros de prata. Pois ninguem lhes tocou, até que os empregados da camara, uma vez liquidado o movimento, os arrecadaram em logar seguro.

A Tarde, jornal de Lisboa affecto ao antigo partido regenerador, bem se esfalfou em asseverar que a muitos dos militares presos tinham sido encontradas libras em ouro, o que provava que na madrugada de 31 de janeiro se fizera larga distribuição de dinheiro. Outras gazetas insinuaram egualmente que a revolução rebentara mais cedo do que fôra determinado pelos seus organisadores, porque um dos sargentos compromettidos tendo defraudado a caixa do respectivo regimento em centenas de mil réis – gastos em alliciar os subordinados – não queria de modo algum que em 1 de fevereiro de 1891 o obrigassem a prestar contas. Afinal, tudo isto cahe pela base sabendo-se que o unico dinheiro que serviu realmente a pagar despezas da revolta foi fornecido ao dr. Alves da Veiga pelo negociante portuense José Ferreira Gonçalves e não excedeu… um conto de réis. Não se dirá, por isso mesmo, que o movimento custou caro!

Junte-se agora a essa quantia a de sete contos – em que se avaliou os estragos causados pelas balas nos predios dos Clerigos, rua de Santo Antonio e praça de D. Pedro – e vêr-se-ha que nunca se fez uma revolução com tanta economia de numerario e tanta nobreza de procedimento da parte dos que a levaram á pratica.

Mas se os revolucionarios dispenderam pouquissimo dinheiro em investir contra o regimen monarchico, em compensação prodigalisaram os actos de heroismo. N'outro logar d'esta narrativa, já assignalámos o ardor com que a guarda fiscal e as tropas do 10 e do 9 sustentaram na rua de Santo Antonio e na casa da camara as arremettidas da guarda municipal. Devemos, no emtanto, registar dois casos typicos que a imprensa da epoca descreveu pormenorisadamente e que qualificam nitidamente o valor dos insurrectos.

Um d'elles é o d'um guarda fiscal – figura de athleta – que, installado n'uma das janellas do Café Suisso, na praça de D. Pedro, ahi se manteve desfechando ininterruptamente a sua espingarda sobre os defensores da monarchia e só abandonou o posto quando lhe faltaram totalmente os projecteis. Essa janela do café ficou crivada de balas, mas o guarda fiscal em questão nunca perdeu o sangue frio e por espaço de horas visou, certeiro, a guarda municipal. O segundo caso é a reproducção do primeiro e occorreu n'outra janella do estabelecimento já citado, onde se entrincheiraram quatro estudantes.

Compare-se a attitude d'essas creaturas luctando serenamente, imperturbavelmente, pelo ideal que se tinham proposto conduzir á victoria com o de outras que no curto espaço de tempo que durou a revolta se bandearam primeiro com os revoltosos e logo a seguir manifestaram a sua adhesão ao regimen monarchico. Os exemplos d'essa cobardia moral abundam. Respigamos ao acaso n'um jornal portuense do dia 2 de fevereiro de 1891:

«C… proprietario d'um armazem de moveis e L… pharmaceutico, logo que viram o caso mal parado (o triumpho momentaneo dos insurrectos) tiraram das frontarias dos respectivos estabelecimentos os escudos com as armas reaes; mas depois tornaram a collocal-os, porque perceberam que a monarchia não fôra vencida na refrega.»