Mestres da Poesia - Florbela Espanca

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Aus der Reihe: Mestres da Poesia #5
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Mestres da Poesia - Florbela Espanca
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A Autora

Florbela Espanca (Vila Viçosa, 8 de dezembro de 1894 — Matosinhos, 8 de dezembro de 1930) foi uma poetisa portuguesa. A sua vida, de apenas 36 anos, foi plena, embora tumultuosa, inquieta e cheia de sofrimentos íntimos, que a autora soube transformar em poesia da mais alta qualidade, carregada de erotização, feminilidade e panteísmo.

Filha de Antónia da Conceição Lobo e do republicano João Maria Espanca, nasceu no dia 8 de dezembro de 1894 em Vila Viçosa, no Alentejo. O seu pai foi sobretudo um antiquário e um fotógrafo, tendo também ganho a vida com outras atividades, como a de projeção de filmes. De facto, foi um dos introdutores do "Vitascópio de Edison" em Portugal.

O seu pai era casado com Mariana do Carmo Inglesa Toscano, que era estéril, sendo filho de José Maria Espanca e Joana Fortunata Pires Espanca. Com a autorização da mulher, João Maria relacionou-se com a camponesa Antónia da Conceição Lobo, filha de pais incógnitos, criada de servir, mulher bela e vistosa. Assim nasceram Florbela e, três anos depois, Apeles, em 10 de março de 1897, ambos registados como filhos de Antónia e pai incógnito. João Maria Espanca criou-os na sua casa. Apesar de Mariana ter passado a ser madrinha de batismo dos dois, João Maria só reconheceu Florbela como a sua filha em cartório 18 anos após a morte desta.

Entre 1899 e 1908, Florbela Espanca frequentou a escola primária em Vila Viçosa. Foi naquele tempo que passou a assinar os seus textos Flor d’Alma da Conceição. As suas primeiras composições poéticas datam dos anos 1903-1904: o poema "A Vida e a Morte", o soneto em redondilha maior em homenagem ao irmão Apeles e um poema escrito por ocasião do aniversário do pai "No dia d'anos", com a seguinte dedicatória: «Ofereço estes versos ao meu querido papá da minha alma» . Em 1907, Espanca escreveu o seu primeiro conto: "Mamã!" No ano seguinte, faleceu a sua mãe, Antónia, com apenas 29 anos, vítima de nevrose.

Espanca ingressou então no Liceu Nacional de Évora, onde permaneceu até 1912. Foi uma das primeiras mulheres em Portugal a frequentar um curso liceal. Durante os seus estudos no Liceu, Espanca requisitou diversos livros na Biblioteca Pública de Évora, aproveitando então para ler obras de Balzac, Dumas, Camilo Castelo Branco, Guerra Junqueiro, Garrett. Quando ocorreu a revolução de 5 de Outubro de 1910, Espanca está há dois dias com a família na capital, no Francfort Hotel Rossio, mas não se conhecem comentários seus à sua vivência deste dia.

Em 1913, casou-se em Évora com Alberto de Jesus Silva Moutinho, seu colega da escola. O casal morou primeiro em Redondo. Em 1915, instalou-se na casa dos Espanca em Évora, por causa das dificuldades financeiras.

Em 1916, de volta a Redondo, a poetisa reuniu uma seleção da sua produção poética desde 1915, inaugurando assim o projeto Trocando Olhares. A coletânea de oitenta e cinco poemas e três contos serviu-lhe mais tarde como ponto de partida para futuras publicações. Na época, as primeiras tentativas de promover as suas poesias falharam.

No mesmo ano, Espanca iniciou-se como jornalista em Modas & Bordados (suplemento de O Século de Lisboa), em Notícias de Évora e em A Voz Pública, também eborense. A poetisa regressou de novo a esta cidade em 1917. Completou o 11.º ano do Curso Complementar de Letras e matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Foi uma das catorze mulheres entre trezentos e quarenta e sete alunos inscritos. Aí teve como colegas de curso os escritores e poetas Américo Durão e Mário Beirão.

Um ano mais tarde, a escritora sofreu as consequências de um aborto involuntário, que lhe teria infetado os ovários e os pulmões. Repousou em Quelfes (Olhão), onde apresentou os primeiros sinais sérios de neurose.

Em 1919, saiu a sua primeira obra, Livro de Mágoas, um livro de sonetos. A tiragem (duzentos exemplares) esgotou-se rapidamente. Um ano mais tarde, sendo ainda casada, a escritora passou a viver com António José Marques Guimarães, alferes de Artilharia da Guarda Republicana.

Em meados do 1920, interrompeu os estudos na Faculdade de Direito. Em 29 de Junho de 1921, pôde finalmente casar-se com António Guimarães. O casal passou a residir no Porto, mas, no ano seguinte, transferiu-se para Lisboa, onde Guimarães se tornou chefe de gabinete do Ministro do Exército. Neste ano, o seu pai divorcia-se de Mariana, casando no ano seguinte com Henriqueta de Almeida.

Em 1922, a 1 de Agosto, a recém-fundada Seara Nova publicou o seu soneto Prince charmant…, dedicado a Raul Proença. Em Janeiro de 1923, veio a lume a sua segunda coletânea de sonetos, Livro de Sóror Saudade, edição paga pelo pai da poetisa. Para sobreviver, Espanca começou a dar aulas particulares de português.

Em 1925, divorciou-se pela segunda vez. Esta situação abalou-a muito. O seu ex-marido, António Guimarães, abriu mais tarde uma agência, "Recortes", que colecionava notas e artigos sobre vários autores. O seu espólio pessoal reúne o mais abundante material que foi publicado sobre Espanca, desde 1945 até 1981. Ao todo são 133 recortes. Ainda em 1925, a poetisa casou com o médico Mário Pereira Lage, que conhecia desde 1921, e com quem vivia desde 1924. O casamento decorreu em Matosinhos, no Distrito do Porto, onde o casal passou a morar a partir de 1926. Em dezembro de 1925, falece também a "madrasta" e madrinha de Florbela, que lhe lega vários bens.

Em 1927, a autora principiou a sua colaboração no jornal Dom Nuno de Vila Viçosa, dirigido por José Emídio Amaro. Naquele tempo, não encontrava editor para a coletânea Charneca em Flor. Preparava também um volume de contos, provavelmente O Dominó Preto, publicado postumamente apenas em 1982. Começou a traduzir romances para as editoras Civilização e Figueirinhas do Porto. No mesmo ano, em 6 de junho, Apeles Espanca, o irmão da escritora, de apenas 30 anos, faleceu num trágico acidente de avião, perto de Belém. A sua morte foi devastadora para Espanca. Em homenagem ao irmão, Espanca escreveu o conjunto de contos de As Máscaras do Destino, volume publicado postumamente em 1931. Entretanto, a sua doença mental agravou-se bastante. Em 1928, ela teria tentado o suicídio pela primeira vez.

Em 1930, Espanca começou a escrever o seu Diário do Último Ano, publicado só em 1981. A 18 de Junho, principiou a correspondência com Guido Battelli, professor italiano, visitante na Universidade de Coimbra, responsável pela publicação da Charneca em Flor em 1931. Na altura, a poetisa colaborou também no Portugal feminino de Lisboa, na revista Civilização e no Primeiro de Janeiro, ambos do Porto.

Espanca tentou o suicídio por duas vezes mais em outubro e novembro de 1930, na véspera da publicação da sua obra-prima, Charneca em Flor. Após o diagnóstico de um edema pulmonar, a poetisa perdeu definitivamente a vontade de viver. Não resistiu à terceira tentativa do suicídio. Faleceu em Matosinhos, no dia do seu 36.º aniversário, a 8 de dezembro de 1930. A causa da morte foi uma "overdose" de barbitúricos. A poetisa teria deixado uma carta confidencial com as suas últimas disposições, entre elas, o pedido de colocar no seu caixão os restos do avião pilotado por Apeles quando sofreu o acidente. O corpo dela jaz, desde 17 de maio de 1964, no cemitério de Vila Viçosa, a sua terra natal.

Leia-se a quadra desse "admirável soneto que é o seu voo quebrado e que principia assim":

Não tenhas medo, não! Tranquilamente,

Como adormece a noite pelo outono,

Fecha os olhos, simples, docemente,

Como à tarde uma pomba que tem sono…

Em 1949, a Câmara Municipal de Lisboa homenageou a poetisa, dando o seu nome a uma rua junto à Avenida da Igreja, em Alvalade.

Livro de Mágoas

Procuremos somente a Beleza, que a vida

É um punhado infantil de areia ressequida,

Um som d’água ou de bronze e uma sombra que passa...

Eugénio de Castro.

Isolés dans l'amour ainsi qu'en un bois noir,

Nos deux coeurs, exalant leur tendresse paisible,

Seront deux rossignols qui chantent dans le soir.

Verlaine.

Este livro

Este livro é de mágoas. Desgraçados

Que no mundo passais, chorai ao lê-lo!

Somente a vossa dor de Torturados

Pode, talvez, senti-lo... e compreendê-lo...

Este livro é p'ra vós, Abençoados

Os que o sentirem, sem ser bom nem belo!

Bíblia de tristes... Ó Desventurados,

Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo!

Livro de Mágoas... Dores... Ansiedades!

Livro de Sombras... Névoas... e Saudades!

Vai pelo mundo... (Trouxe-o no meu seio...)

Irmãos na Dor, os olhos rasos de água,

Chorai comigo a minha imensa mágoa,

Lendo o meu livro só de mágoas cheio!...

Vaidade

Sonho que sou a Poetisa eleita,

Aquela que diz tudo e tudo sabe,

Que tem a inspiração pura e perfeita,

Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade

Para encher todo o mundo! E que deleita

Mesmo aqueles que morrem de saudade!

Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...

Aquela de saber vasto e profundo,

Aos pés de quem a terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,

E quando mais no alto ando voando,

Acordo do meu sonho...

E não sou nada!...

Eu...

Eu sou a que no mundo anda perdida,

Eu sou a que na vida não tem norte,

Sou a irmã do Sonho, e desta sorte

Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,

E que o destino amargo, triste e forte,

 

Impele brutalmente para a morte!

Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...

Sou a que chamam triste sem o ser...

Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,

Alguém que veio ao mundo p'ra me ver,

E que nunca na vida me encontrou!

Castelã da tristeza

Altiva e couraçada de desdém,

Vivo sozinha em meu castelo: a Dor!

Passa por ele a luz de todo o amor....

E nunca em meu castelo entrou alguém!

Castelã da Tristeza, vês?... A quem?!...

— E o meu olhar é interrogador —

Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pôr...

Chora o silêncio... nada... ninguém vem...

Castelã da Tristeza, porque choras

Lendo, toda de branco, um livro de oras,

À sombra rendilhada dos vitrais?...

À noite, debruçada p'las ameias,

Porque rezas baixinho?... Porque anseias?...

Que sonho afagam tuas mãos reais?...

Tortura

Tirar dentro do peito a Emoção,

A lucida Verdade, o Sentimento!

— E ser, depois de vir do coração,

Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso de alto pensamento,

E puro como um ritmo de oração!

— E ser, depois de vir do coração,

O pó, o nada, o sonho dum momento!...

São assim ocos, rudes, os meus versos:

Rimas perdidas, vendavais dispersos,

Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,

O verso altivo e forte, estranho e duro,

Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!

Lágrimas ocultas

Se me ponho a cismar em outras eras

Em que ri e cantei, em que era qu'rida,

Parece-me que foi noutras esferas,

Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida

Que dantes tinha o rir das primaveras,

Esbate as linhas graves e severas

E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...

Toma a brandura plácida dum lago

O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,

Ninguém as vê brotar dentro da alma!

Ninguém as vê cair dentro de mim!

Torre de névoa

Subi ao alto, à minha Torre esguia,

Feita de fumo, névoas e luar,

E pus-me, comovida, a conversar

Com os poetas mortos, todo o dia.

Contei-lhes os meus sonhos, a alegria

Dos versos que são meus, do meu sonhar,

E todos os poetas, a chorar,

Responderam-me então: «Que fantasia,

Criança doida e crente! Nós também

Tivemos ilusões, como ninguém,

E tudo nos fugiu, tudo morreu!...»

Calaram-se os poetas, tristemente...

E é desde então que eu choro amargamente

Na minha Torre esguia junto ao Céu!...

A minha dor

A Você

A minha Dor é um convento ideal

Cheio de claustros, sombras, arcarias,

Aonde a pedra em convulsões sombrias

Tem linhas dum requinte escultural.

Os sinos têm dobres de agonias

Ao gemer, comovidos, o seu mal...

E todos têm sons de funeral

Ao bater horas, no correr dos dias...

A minha Dor é um convento. Há lírios

Dum roxo macerado de martírios,

Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,

Noites e dias rezo e grito e choro!

E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...

Dizeres íntimos

É tão triste morrer na minha idade!

E vou ver os meus olhos, penitentes

Vestidinhos de roxo, como crentes

Do soturno convento da Saudade!

E logo vou olhar (com que ansiedade!...)

As minhas mãos esguias, languescentes,

De brancos dedos, uns bebês doentes

Que hão de morrer em plena mocidade!

E ser-se novo é ter-se o Paraiso,

É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,

Aonde tudo é luz e graça e riso!

E os meus vinte e três anos... (Sou tão nova!)

Dizem baixinho a rir: «Que linda a vida!...»

Responde a minha Dor: «Que linda a cova!»

As minhas ilusões

Hora sagrada dum entardecer

De Outono, à beira mar, cor de safira.

Soa no ar uma invisível lira...

O sol é um doente a enlanguescer...

A vaga estende os braços a suster,

Numa dor de revolta cheia de ira,

A doirada cabeça que delira

Num último suspiro, a estremecer!

O sol morreu... e veste luto o mar...

E eu vejo a urna de oiro, a baloiçar,

À flor das ondas, num lençol de espuma!

As minhas Ilusões, doce tesoiro,

Também as vi levar em urna de oiro,

No Mar da Vida, assim... uma por uma...

Neurastena

Sinto hoje a alma cheia de tristeza!

Um sino dobra em mim, Ave Marias!

Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias,

Faz na vidraça rendas de Veneza...

O vento desgrenhado, chora e reza

Por alma dos que estão nas agonias!

E flocos de neve, aves brancas, frias,

Batem as azas pela Natureza...

Chuva... tenho tristeza! Mas porquê?!

Vento... tenho saudades! Mas de quê?!

Ó neve que destino triste o nosso!

Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!

Gritem ao mundo inteiro esta amargura,

Digam isto que sinto que eu não posso!!...

Pequenina

À Maria Helena Falcão Risques

És pequenina e ris... A boca breve

É um pequeno idílio cor de rosa...

Haste de lírio frágil e mimosa!

Cofre de beijos feito sonho e neve!

Doce quimera que a nossa alma deve

Ao Céu que assim te fez tão graciosa!

Que nesta vida amarga e tormentosa

Te fez nascer como um perfume leve!

O ver o teu olhar faz bem à gente...

E cheira e sabe, a nossa boca, a flores

Quando o teu nome diz, suavemente...

Pequenina que a Mãe de Deus sonhou,

Que ela afaste de ti aquelas dores

Que fizeram de mim isto que sou!

A maior tortura

A um grande poeta de Portugal

Na vida, para mim, não há deleite.

Ando a chorar convulsa noite e dia...

E não tenho uma sombra fugidia

Onde poise a cabeça, onde me deite!

E nem flor de lilás tenho que enfeite

A minha atroz, imensa nostalgia!...

A minha pobre Mãe tão branca e fria

Deu-me a beber a Mágoa no seu leite!

Poeta, eu sou um cardo desprezado,

A urze que se pisa sob os pés.

Sou, como tu, um riso desgraçado!

Mas a minha tortura inda é maior:

Não ser poeta assim como tu és,

Para gritar num verso a minha Dor!...

A flor do sonho

A Flor do Sonho alvíssima, divina

Miraculosamente abriu em mim,

Como se uma magnólia de cetim

Fosse florir num muro todo em ruina.

Pende em meio seio a haste branda e fina

E não posso entender como é que, enfim,

Essa tão rara flor abriu assim!...

Milagre... fantasia... ou talvez, sina...

Ó Flor que em mim nasceste sem abrolhos,

Que tem que sejam tristes os meus olhos

Se eles são tristes pelo amor de ti?!...

Desde que em mim nasceste em noite calma,

Voou ao longe a aza da minh'alma

E nunca, nunca mais eu me entendi...

Noite de saudade

A Noite vem poisando devagar

Sobre a terra que inunda de amargura...

E nem sequer a benção do luar

A quis tornar divinamente pura...

Ninguém vem atrás dela a acompanhar

A sua dor que é cheia de tortura...

E eu oiço a Noite imensa soluçar!

E eu oiço soluçar a Noite escura!

Porque és assim tão 'scura, assim tão triste?!

É que, talvez, ó Noite, em ti existe

Uma Saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu nem sei donde me vem...

Talvez de ti, ó Noite!... Ou de ninguém!...

Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!

Angústia

Tortura do pensar! Triste lamento!

Quem nos dera calar a tua voz!

Quem nos dera cá dentro, muito a sós,

Estrangular a hidra num momento!

E não se quer pensar!... E o pensamento

Sempre a morder-nos bem, dentro de nós...

Qu'rer apagar no Ceu — Ó sonho atroz! —

O brilho duma estrela, com o vento!...

E não se apaga, não... nada se apaga!

Vem sempre rastejando como a vaga...

Vem sempre perguntando. «O que te resta?...»

Ah! não ser mais que o vago, o infinito!

Ser pedaço de gelo, ser granito,

Ser rugido de tigre na floresta!

Amiga

Deixa-me ser a tua amiga, Amor;

A tua amiga só, já que não queres

Que pelo teu amor seja a melhor

A mais triste de todas as mulheres.

Que só, de ti, me venha mágoa e dor

O que me importa a mim?! O que quiseres

É sempre um sonho bom! Seja o que for

Bendito sejas tu por mo dizeres!

Beija-me as mãos, Amor, devagarinho...

Como se os dois nascêssemos irmãos,

Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho...

Beija-mas bem!... Que fantasia louca

Guardar assim, fechados, nestas mãos,

Os beijos que sonhei p’ra minha boca!...

Desejos vãos

Eu qu'ria ser o Mar de altivo porte

Que ri e canta, a vastidão imensa!

Eu qu'ria ser a pedra que não pensa,

A Pedra do caminho, rude e forte!

Eu qu'ria ser o Sol, a luz intensa,

O bem do que é humilde e não tem sorte!

Eu qu'ria ser a árvore tosca e densa

Que ri do mundo vão e até da morte!

Mas o Mar também chora de tristeza...

As Árvores também, como quem reza,

Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

E o Sol altivo e forte, ao fim dum dia,

Tem lágrimas de sangue na agonia!

E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!...

Pior velhice

Sou velha e triste. Nunca o alvorecer

Dum riso são andou na minha boca!

Gritando que me acudam, em voz rouca,

Eu, naufraga da Vida, ando a morrer!

A Vida que ao nascer enfeita e touca

De alvas rosas, a fronte da mulher,

Na minha fronte mística de louca

Martírios só poisou a emurchecer!

E dizem que sou nova... A mocidade

Estará só, então, na nossa idade,

Ou está em nós e em nosso peito mora?!...

Tenho a pior velhice, a que é mais triste,

Aquela onde nem sequer existe

Lembrança de ter sido nova... outrora...

A um livro

No silêncio de cinzas do meu Ser

Agita-se uma sombra de cipreste.

Sombra roubada ao livro que ando a ler,

A esse livro de mágoas que me deste.

Estranho livro aquele que escreveste

Artista da saudade e do sofrer!

Estranho livro aquele em que puseste

Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!

Leio-o e folheio, assim, toda a minh'alma!

O livro que me deste é meu e salma

As orações que choro e rio e canto!...

Poeta igual a mim, ai quem me dera

Dizer o que tu dizes!... Quem soubera

Velar a minha Dor desse teu manto!...

Alma perdida

Toda esta noite o rouxinol chorou,

Gemeu, rezou, gritou perdidamente!

Alma de rouxinol, alma da gente,

Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,

Que se fundiu na Dor, suavemente...

Talvez sejas a alma, alma doente

De alguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste... e eu chorei

Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei

Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,

Que eu pensei que tu eras a minh'alma

Que chorasse perdida em tua voz!...

De joelhos

«Bendita seja a Mãe que te gerou.»

Bendito o leite que te fez crescer.

Bendito o berço aonde te embalou

A tua ama, p'ra te adormecer!

Bendita essa canção que acalentou

Da tua vida o doce alvorecer...

Bendita seja a lua que inundou

De luz, a terra, só para te ver...

Benditos sejam todos que te amarem,

As que em volta de ti ajoelharem,

Numa grande paixão fervente e louca!

E se mais que eu, um dia, te quiser

Alguém, bendita seja essa Mulher,

 

Bendito seja o beijo dessa boca!!

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